Por outro lado, uma das grandes sensações da temporada é Moonlight, de Barry Jenkins, que não se baseia em história real nem fala exatamente da luta contra o preconceito. O filme, escolhido o melhor do ano pela Associação de Críticos de Los Angeles, tem elenco totalmente negro, é baseado na peça de um negro e dirigido por um negro. É uma história de crescimento, como tantas já contadas no cinema, ao mesmo tempo universal e específica, sobre Little (Alex R. Hibbert), um menino que sofre bullying e é protegido pelo traficante Juan (Mahershala Ali). Sua mãe (Naomie Harris) é viciada em drogas. Na adolescência, chamado Chiron (Ashton Sanders), descobre sua homossexualidade. Na terceira parte, já adulto, agora apelidado Black (Trevante Rhodes), lida com suas escolhas.
O longa-metragem atende a uma reivindicação expressa por boa parte das associações de minorias: histórias comuns sobre gente comum, estreladas por negros, latinos, asiáticos. “Na maioria das vezes, os filmes negros que concorrem ao Oscar são sobre pessoas como Martin Luther King Jr. ou Malcolm X ou Solomon Northup. Pessoas que, por qualquer medida, são exemplares”, disse Marc Bernardin, em artigo na revista The Hollywood Reporter, referindo-se a produções como Selma – Uma luta pela igualdade, de Ava DuVernay, Malcolm X, de Spike Lee, e 12 Anos de escravidão, de Steve McQueen. Mais adiante, ele complementa: “Por outro lado, há filmes como Joy: o nome do sucesso, sobre uma mulher branca que inventou um negócio e ficou milionária”. Como ele bem apontou, ela não foi a primeira mulher a ficar milionária nos Estados Unidos. “Ou O quarto de Jack, sobre uma mulher branca e seu filho presos num quarto. Ou Nebraska, sobre um homem velho branco que gosta de perambular. Ou Blue Jasmine, sobre uma mulher branca rica que fica sem dinheiro”. Moonlight é um filme sobre as dores do crescimento. Little, ou Chiron, ou Black é negro e homossexual, mas o longa-metragem não é sobre isso, ainda que não ignore essas questões.
Esses filmes todos são boas notícias e provam que ter mais negros em posições decisórias – como produtores, chefes de estúdio, diretores e nas agências de talentos – é fundamental para que suas narrativas cheguem à tela. Mas a verdade é que, apesar da justa reclamação dos últimos anos, a discrepância é menor para os atores negros em comparação com outras minorias. Eles receberam 10% das indicações desde 2000, sendo 13,3% da população americana. É pior no caso dos latinos – 3% de indicações para 17,6% da população – e asiáticos – 1% para 5,6% da população. Entre as 100 maiores bilheterias de 2015, apenas uma tinha protagonista ou coprotagonista latino, e quatro foram protagonizadas por mestiços. Nenhuma por asiáticos. É ainda pior porque as minorias, embora representem 37,9% da população, compraram 46% dos ingressos de cinema nos Estados Unidos em 2014 – só os latinos compram um quarto das entradas. No caso da maior bilheteria daquele ano, Transformers: a era da extinção, as minorias representaram 59% do público doméstico.
Isso fez com que a atriz Gina Rodriguez, estrela da série Jane the Virgin, fizesse uma campanha nas redes sociais, chamada Movement Mondays, por mais papéis para latinos. Os americanos asiáticos também estão lutando por seu espaço. Fizeram uma campanha nas redes sociais contra as piadas com conteúdo preconceituoso em relação aos asiáticos de Chris Rock na cerimônia do Oscar de 2016, que destacou como muitas vezes o preconceito vem de outras minorias também. Depois, protestaram, com a hashtag #Whitesahedout, contra a escolha de Tilda Swinton e Scarlett Johansson em papéis de personagens asiáticos em Doutor Estranho e Ghost in the shell. Também colaram o rosto de John Cho e Constance Wu sobre a face de outros atores, indicando que eles poderiam ter feito filmes como Perdido em Marte ou Jurassic World.
MERCADO GLOBAL
Demorou, mas a constatação de que as minorias são fundamentais para a bilheteria parece começar a fazer diferença nas produções mais comerciais também – oito filmes com elenco composto por 41% a 50% de minorias arrecadaram US$ 122 milhões em 2014, contra US$ 52,6 milhões de 55 longas com menos de 10% do elenco de minorias. Esses filmes precisam, mais do que nunca, conquistar também o mercado global. Entre as maiores bilheterias de 2016, Capitão América: guerra civil, Mogli – O menino lobo, Esquadrão suicida e Doutor Estranho tinham não brancos como protagonistas. Sete homens e um destino era praticamente um filme de cotas, com um negro, brancos, um latino, um asiático e um nativo-americano juntando-se a três brancos.
Rogue one: uma história Star Wars tem um latino (Diego Luna), um inglês descendente de paquistaneses (Riz Ahmed), dois chineses (Donnie Yen e Wen Jiang) e um negro (Forest Whitaker) no elenco principal. Quase nenhum desses fala exatamente da experiência dessas minorias nos Estados Unidos e estão mais voltados para conquistar o mercado internacional, mas, sem dúvida, têm o importante papel de colocar na tela tipos diferentes de pessoas, com a possibilidade de empoderar jovens e crianças. Moana – Um mar de aventuras, a nova animação da Disney, que também estreia neste janeiro, abandonou as princesas loiras para dar lugar à futura líder de um povo da Polinésia, morena, de cabelos cacheados e corpo menos esquálido. A luta por mais representatividade das minorias no cinema, sem dúvida, ganhou força durante o governo de Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. O próprio Obama foi objeto de dois filmes, Michelle e Obama e Barry, que está no ar na Netflix. Deu destaque a peças de teatro fundamentais, como Hamilton, de Lin-Manuel Miranda. Na televisão, que tem um modo de produção mais ágil, hoje se veem várias séries com elenco totalmente negro, asiático e latino, ou com protagonistas negros, asiáticos e latinos. Durante seus oito anos no cargo, o tema da identidade tornou-se preponderante, causando uma reação que foi ao menos parcialmente responsável pela eleição de Donald Trump. Não dá ainda para saber como o novo governo vai influenciar as artes e o entretenimento. Será que teremos mais produtos culturais com o norte-americano branco de classe média que se sente excluído? Pode ser. Mas parece difícil ignorar que, em 2016, quase 38% da população é de minorias. E que, daqui a 24 anos, as minorias, somadas, vão se tornar a maioria.