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Calu Fontes: sensibilidade onírica e sagrada

TEXTO Marina Suassuna

01 de Janeiro de 2017

Padrões e fauna de estética retrô são recorrentes no seu trabalho

Padrões e fauna de estética retrô são recorrentes no seu trabalho

Foto Divulgação

[conteúdo da ed. 193 | janeiro 2017] 

É em objetos do dia a dia como pratos, vasos, azulejos e travessas que Calu Fontes se sente à vontade para exercer toda a sua criatividade e experimentação. “São as minhas telas em branco prediletas”, diz a arquiteta e artista plástica paulistana, que fez da cerâmica a sua matéria-prima por excelência, marca registrada de seu trabalho. Mesmo os projetos que desenvolve para outras bases e suportes, entre eles, ladrilhos hidráulicos, calçados, roupas e até uma linha autoral de papel de parede, têm origem na cerâmica.

Segundo ela, a paixão pelo material surgiu em 1993, durante a faculdade de Arquitetura e Urbanismo. “Enquanto meus colegas de classe foram estagiar em escritórios, eu preferi trabalhar num ateliê de cerâmica, e não demorou muito para eu me encantar por esse universo. Costumo dizer que me casei com a cerâmica. Foi amor à primeira vista.” Calu produz suas peças com o rigor dos antigos artesãos, uma a uma. Os desenhos são confeccionados no papel e depois transportados para a cerâmica, numa técnica que combina pintura clássica à mão e camadas de adesivos, numa espécie de decalque.

A iconografia da artista revela uma sensibilidade que passa pelo onírico e pelo sagrado, como se ela se desligasse dos estímulos externos e desse vazão a sua interioridade. Um estado de espírito parece estar impregnado nas suas obras. Entre o cotidiano e o sonho, entre o delírio e o plano material, Calu Fontes vai imprimindo sua marca, sempre com o desejo de proporcionar uma vida mais colorida às pessoas. Sobre o sentido das cores na sua obra, ela diz: “Cores são vivências. Elas exercem forte influência não só nos espaços físicos, mas também nas nossas emoções. Uma mesa colorida traz alegria para aquele momento da refeição, assim como um painel de azulejos não só dialoga com a arquitetura, como traz cor para o ambiente. Não precisa ser tudo colorido. Às vezes, utilizar uma única cor também gera um significado”.

BAHIA
Se a formação em Arquitetura lhe fornece um domínio das proporções e combinações espaciais e na composição dos painéis e azulejos, é a ligação com suas raízes que sustentam sua identidade visual. Quando pequena, Calu passou grandes temporadas em Salvador, terra natal de sua família, onde também se sente em casa. Os passeios pela cidade e pelas praias do litoral, as visitas às igrejas, as rendas, o cheiro das frutas, os murais e o artesanato local, tudo isso estimulou os sentidos da menina, que já frequentava oficinas de arte e exposições acompanhada pelos pais.

Dessa maneira, desenvolveu um olhar peculiar para a natureza, principalmente para o fundo do mar, a fauna e a flora. “Todos os grafismos e texturas presentes nesses elementos terminam se transformando em tramas, estampas, referências e, por fim, imagens. É um universo de imagens muito rico e inspirador. Ao mesmo tempo, sou muito atraída pelas linhas e volumes geométricos”, explica.

O sangue baiano também está presente por meio da religiosidade. Filha de Iemanjá, a artista evoca frequentemente a Rainha do Mar, uma espécie de ícone de suas pinturas. Por outro lado, há um sincretismo que ela faz questão de enfatizar esteticamente por meio de divindades católicas, budistas, hinduístas e do candomblé. “No meu altar, tem de tudo: vários santos, anjos da guarda, orixás, Lakshmi. Trago esse sincretismo comigo, tanto nos cantinhos do meu ateliê como nas peças. Essas imagens trazem boas energias e um sentimento de proteção.”

Entre os trabalhos que cita com carinho e orgulho, está uma coleção de ladrilhos que produziu industrialmente, e o painel Peixes e tramas, fixado numa rua da Vila Madalena, em São Paulo a convite da DW, evento de design. “É possível inserir arte e poesia dentro do espaço urbano e provocar descobertas no olhar de quem passa pela rua. Foi o que pensei quando aceitei fazer o mural. Inspirado em Iemanjá, ele é o meu presente à cidade de São Paulo e a todas as pessoas que circulam pela cidade e por seus diversos cantos de insuspeitas surpresas.” 

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