CONTINENTE O que o levou a estabelecer-se no México, um país onde talvez nenhum regente brasileiro tenha seguido trajetória?
LANFRANCO MARCELETTI JR. Pelo menos por cinco anos (2006-2011) estive colaborando com a Orquestra Sinfônica de Xalapa como regente convidado e tivemos a oportunidade de nos conhecer bem. Também fui conhecendo Xalapa e o México nesses anos, fazendo amizades e criando vínculos. Quando me elegeram diretor artístico, não tive dúvida de que queria trabalhar com eles. É uma orquestra de primeira qualidade e com uma grande tradição no país. O resultado é que adoro o México e sou muito grato pelo carinho e atenção que me dá.
CONTINENTE Em Pernambuco, você chegou a reger a Orquestra Criança Cidadã por cerca de dois anos e foi cogitado por músicos da Sinfônica do Recife, há alguns anos, para ser diretor artístico dela. Hoje, qual a sua ligação profissional com sua cidade natal?
LANFRANCO MARCELETTI JR. Infelizmente, pouca. Espero com o tempo criar mais vínculos. Amo minha cidade e tenho muita admiração e carinho pelos meus colegas músicos. Espero um dia poder contribuir com o conhecimento adquirido em todos esses anos para criar mais oportunidades e público para a música clássica.
CONTINENTE Você também tem formação acadêmica como pianista, chegando a ser premiado no concurso Jovens Solistas de Roma, em 1988. Você ainda desenvolve a carreira de intérprete ou a deixou para dedicar-se inteiramente à regência?
LANFRANCO MARCELETTI JR. Antes de começar a reger, deixei a carreira pianística. Foi um período em que desisti da música como profissão (aos 25, 26 anos) porque não acreditava que podia ir em frente com ela. E, nesse momento de distanciamento, conheci a regência por causa de um trabalho que fazia na TV Cultura de São Paulo. Realmente, aceitar-me como regente levou um pouco de tempo. É uma profissão de grande responsabilidade, difícil e com a necessidade de uma vida para se aprender. Nestes anos como regente, me apresentei algumas vezes como pianista, em recitais com cantores, de música de câmera, inclusive, regendo e tocando. Mas preciso de muito tempo para preparar-me e ultimamente não tenho tido esse tempo.
CONTINENTE E que outros trabalhos você vem coordenando ou executando, além do comando da Sinfônica de Xalapa?
LANFRANCO MARCELETTI JR. À parte os concertos que tenho como maestro convidado, decidi me dedicar completamente à OSX (assim a chamamos no México). Gosto de estudar, e para isso preciso de tempo. E como sou também responsável pela parte administrativa da orquestra, achei que, para poder fazer algo de relevante por ela, precisava dedicar-me. Porém, espero em breve começar alguns projetos paralelos, até porque em três anos termina meu contrato com a OSX. Pela regra interna atual, os diretores artísticos passam no máximo oito anos em frente à orquestra, o que acho muito saudável para ambos, regente e orquestra. Sou muito agradecido por ter sido primeiramente eleito e depois reeleito pela orquestra. É um grande motivo de orgulho.
CONTINENTE Como é seu convívio com Alberto Zedda, grande especialista do repertório barroco e da ópera ligada à tradição do bel canto? O que você absorveu dele como pessoa e como músico?
LANFRANCO MARCELETTI JR. Meu convívio com ele é um dos grandes presentes da vida. Conheço o maestro desde os anos 1980, quando dei aulas de teoria musical e solfejo à sua filha. Daí nasceu um carinho muito grande pela família. Mas nunca misturei minhas intenções profissionais com essa linda relação que tinha, e tenho, com eles. Quando comecei a reger, não quis dizer nada ao maestro, pois queria tempo para estar pronto para me apresentar como tal. Mas, em 2002, sua filha mostrou um vídeo meu regendo a Sétima de Bruckner com a Estadual de São Paulo e ele se interessou. Aí começa minha relação profissional com ele. Na verdade, estar com o maestro é como estar inspirado a tempo completo! Infelizmente, já não posso mais estar com ele como antes, quando passava pelos menos seis semanas por ano ao seu lado. Mas, quando posso, vou ajudá-lo no que for preciso e volto sempre regenerado, e ainda mais amante da música que nunca. Além de seu incrível conhecimento em Rossini, o maestro pode falar de todos os gêneros da música clássica com grande intimidade e conhecimento. Agradeço muito à vida pelo tanto que aprendi com ele. Sua imaginação musical é tão assustadora, que tudo o que ele toca toma vida, mesmo que tenha um valor questionável. Grande artista e homem.
CONTINENTE E com Anton Coppola?
LANFRANCO MARCELETTI JR. Pensava justamente que a única pessoa que vivi o mesmo que vivo com Zedda foi com o Maestro Coppola. Nossa, que inspiração esses homens! Fui assistente dele na première de sua ópera Sacco e Vanzetti em Tampa, Florida, e tanto ele como Zedda têm essa característica de serem geniais, mas, antes de tudo, generosos e humildes. Eles te ouvem e aceitam sugestões. E se o que dizemos não tem sentido, se tomam o tempo (tomam o próprio tempo) para explicar por que não. Levo esses dois maestros todos os dias no meu coração, quando trabalho. São exemplos de um compromisso férreo com a música e de uma ética exemplar de comportamento frente às responsabilidades que têm.
CONTINENTE As orquestras sinfônicas mexicanas sofrem dos mesmos problemas que a maioria das orquestras brasileiras, como falta de patrocínio, de insuficiência de quadros e de subvalorização salarial?
LANFRANCO MARCELETTI JR. Idênticos. Sempre digo aqui que nossos problemas não são “mexicanos” (ou “brasileiros”…), mas “latino-americanos”. Infelizmente, ainda temos muito trabalho pela frente para mudar essa situação. Existem as exceções, mas não deixam de ser exceções…
CONTINENTE E o que o público brasileiro encontraria ao assistir a um concerto no México com obras de compositores contemporâneos daquele país? Quais os nomes e as obras de referência no século XXI?
LANFRANCO MARCELETTI JR. Acho que nosso público brasileiro encontraria uma música com uma linguagem que, como disse anteriormente, pode trazer algo de mexicano (ritmos, melodias), porém com uma proposta acessível a todos, pois busca chegar a uma linguagem universal. Nossa, existem tantas obras fantásticas de compositores mexicanos contemporâneos! Arturo Márquez, Ana Lara, Gabriela Ortiz, Antonio Juan-Marcos e Georgina Derbez são só alguns exemplos de compositores mexicanos do momento!
CONTINENTE Você sonha em voltar para Pernambuco, para viver ou para trabalhar?
LANFRANCO MARCELETTI JR. É uma pergunta difícil de responder, depois de tantos anos fora do Brasil, mas tenho, sim, muita vontade de criar algo para meu estado e minha cidade natal. Somos um povo muito musical e com grande capacidade de trabalho. Faltam os recursos e o reconhecimento da importância desta arte para nossa sociedade. Gostaria muito de ser parte de um projeto de grande escala nessa direção. Quanto a voltar a viver em Pernambuco, deixo à vida essa decisão. Mais que sonhar em voltar, Recife e Pernambuco seguem vivos no meu coração e na minha lembrança todos os momentos. No meu mundo, estão sempre presentes e de uma maneira ou outra, dando sentido à minha vida.