Após um período morando no Recife, na adolescência, Wagner voltou a Garanhuns, mais por falta de opção do que por escolha. Na cidade, ingressa no Grupo Diocesano de Artes, sediado na escola em que estudava, e passa a participar de oficinas e workshops diariamente. Apesar das limitações do cenário artístico do Agreste, teve contato com companhias, como a do Latão (SP), e, nos meses de julho, época do Festival de Inverno de Garanhuns, acordava cedo para garantir ingressos para todos os espetáculos da mostra de artes cênicas. Consumia cultura de todas as formas que podia.
Leitor voraz, achava que cursaria Letras, mas, com a aproximação do vestibular e o envolvimento cada vez maior com o teatro, percebeu que seu chamado era mesmo para os palcos. De volta ao Recife, prestou vestibular para Artes Cênicas, na Universidade Federal de Pernambuco, e ingressou no curso. A academia, no entanto, ofereceu mais amarras do que libertação para o rapaz, que queria devorar o mundo. Cursou todas as disciplinas de teatro, mas nenhuma de educação. Em vez de ir às aulas, preferia passar o tempo na biblioteca, pesquisando sobre dramaturgia.
Ao passo que se afastava da academia, se aproximava cada vez mais dos tablados. Foi quando conheceu os integrantes do Grupo Magiluth, à época com formação totalmente distinta da atual, e, após período substituindo um dos intérpretes em algumas apresentações, foi ficando, trocando experiências ao ponto que, quando viu, já não era necessário convite: ele já era parte do bando.
Sua estreia como membro do coletivo aconteceu em O canto de Gregório (2011), espetáculo que já apresentava algumas inquietações do Magiluth, como a ideia do jogo aberto, além de dramaturgia e encenação que abraçam o estranhamento, como evidenciam os instigantes Aquilo que meu olhar guardou para você, Viúva, porém honesta (ambos de 2012) e O ano em que sonhamos perigosamente (2015). Com o tempo, o ator passou a influenciar com mais ênfase a pesquisa de linguagem do coletivo, que hoje é composto por, além dele, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sérgio Cabral (seu irmão) e Bruno Parmera.
“Pedro tem uma visão muito peculiar sobre o mundo, consegue identificar brechas nos raciocínios e as apresenta a fim de detonar as suas escolhas, certezas, mas não para prejudicar e, sim, para mostrar que há outras possibilidades de criação”, pontua Erivaldo Oliveira. “Ele tem papel fundamental no processo criativo do grupo, de como fazemos teatro; desperta a gente, tira da zona de conforto”.
Com proposta que mistura cultura pop e filosofia, refletindo muito o ethos da contemporaneidade, o Magiluth se tornou um fenômeno em Pernambuco, formando uma plateia (essencialmente jovem) antes distante do teatro. Sempre instigado por dialogar e expandir fronteiras geográficas e imaginárias, o grupo investiu também em circulação, causando burburinho nacional, ação que, como ressalta Pedro, proporcionou que hoje os artistas vivam exclusivamente do teatro. Foi nessas andanças pelo país que o garanhuense chamou a atenção de profissionais como os preparadores de elenco Francisco Accioly e Anna Luiza. Foi a dupla que o apresentou ao badalado diretor Felipe Hirsch.
Do encontro, surgiu o convite para participar da montagem A tragédia da América Latina, obra com elenco formado por atores de várias regiões do Brasil, além de intérpretes da Argentina e do Chile. O espetáculo, que cumpriu temporada em São Paulo, colocou Wagner em contato com outras formas de estar em cena, longe da dinâmica do Magiluth. Para o ator, a experiência possivelmente reverberará no trabalho do grupo, que é aberto a digerir e ressignificar as vivências coletivas.
“Felipe dá liberdade de criação ao ator e foi muito potente, porque éramos artistas vindos de todos os cantos do Brasil, de outros países. Foi um processo intenso de descobrir também outras formas de estar em cena, de trocar, de ter um ritmo diferente. Foi uma experiência arrebatadora”, afirma o ator.
Colega de cena de Pedro em A tragédia…, Julia Lemmertz já tinha ouvido a respeito do trabalho do coletivo e se surpreendeu com a qualidade da encenação e da personalidade do pernambucano. “Ele me encantou logo de cara com sua energia, a voz, o jeito direto e certeiro de falar. É um estar em cena fisicamente incrível, um bailarino, todo preparado para o que vier. Sou fã dele, do seu potencial criativo, da sua visão do mundo e da arte, do jeito reservado dele, mas ligado em tudo, generoso, divertido, um baita companheiro de trabalho. Ele é um dínamo, cheio de energia boa e conexões diversas”, elogia.
O QUE A CÂMERA VÊ
Passional e comunicativo, o ator teve a chance de mostrar sua versatilidade na série Justiça, dirigida por José Luiz Villamarim. Na obra, ambientada no Recife, ele deu vida a Osvaldo, indivíduo com tendências psicopatas, que violenta sexualmente suas vítimas. O papel é suscetível a debates devido à exposição recente de casos de abusos que revelam a perpetuação do estupro e pela abordagem crua das ações e do psicológico do personagem.
“É uma figura grotesca, silenciosa, com requintes de crueldade. Tive que mergulhar num universo obscuro. É o tipo de trabalho que você nunca sabe como vai ser recebido, mas que é um presente para o ator”, conta. A série, da qual participaram ainda nomes como Cauã Reymond, Adriana Esteves, Vladmir Britcha e Júlio Andrade no elenco, foi uma espécie de teste para Pedro, no sentido de descobrir as dinâmicas do audiovisual. “Essa relação com as câmeras é nova para mim. Estou curtindo poder explorar mais nuances, trabalhar outras formas de dizer com o olhar, com gestos mais delicados. Tem sido uma delícia”, afirma.
A experiência com essa linguagem, ao que tudo indica, deve se estreitar, possibilitando ao pernambucano continuar explorando também uma de suas grandes paixões, o cinema. O roubo da taça, dirigido por Caito Ortiz, conta a história do furto da Jules Rimet, em 1989, e traz Pedro Wagner na pele de Geraldinho, um bicheiro meio torto e um tanto violento. O longa, premiado pelo júri popular como melhor filme no festival South by SouthWest (EUA), é uma espécie de cruzamento entre uma obra de Guy Ritchie e uma chanchada da Atlântida.
“No primeiro dia de ensaio, fizemos uma cena difícil, na qual deu pra ver a força do menino. Ele perguntava se o personagem do Paulo Tiefenthaler estava desconfiando dele.” “Tu tá desconfiando de mim?”, perguntou. Mudamos o texto por causa da intensidade da pergunta dele e resolvemos ficar com ela sendo repetida três vezes. Ali, eu sabia que o cabra era bom. É sempre uma alegria para o diretor estar em paz com suas escolhas de elenco”, lembra Caito Ortiz.
Para o diretor, o pernambucano tem natural inclinação para o cinema, graças à sua capacidade de olhar para além do óbvio e trabalhar as entrelinhas do texto. “Foi muito prazeroso investigar as cenas junto com ele, procurando pequenas nuances nesse personagem que poderia ser só um homem mau. Ele é um ator sutil e o cinema vive de sutilezas”, enfatiza.
Além de O Roubo…, o pernambucano está no elenco de outro filme, dessa vez uma comédia mais mainstream ao lado de Tatá Werneck. Em TOC, com estreia prevista para novembro, ele atua como um escritor fantasma que, depois de morto, volta nos sonhos da personagem da protagonista.“Em termos de cinema, ainda quero explorar outras coisas. Encontrar lugares da interpretação. Adoraria trabalhar com os diretores locais, principalmente Kleber Mendonça Filho e Gabriel Mascaro. São profissionais que me instigam como ator e espectador”, reforça.
Neste momento de tantas transições e aberturas de caminhos, Pedro continua a não traçar muitos planos, vivendo e criando à medida que as coisas acontecem. “Essa estrada que me levou até o teatro tem sido uma experiência empírica, não pensada. Atuar é a única coisa que sei fazer até hoje. Se um dia eu deixasse de ser ator, teria muita dificuldade de fazer outra coisa. Atuar é a única opção possível para mim”, conclui.