Ao abrir o aplicativo, entre os ícones disponíveis na tela inicial está a opção principal Navegar, que mostra o mapa da cidade. Com o mecanismo de geolocalização (via GPS do usuário), o aplicativo identifica a rua mais próxima e, através do clique no pin indicado, apresenta os pontos e os textos correspondentes a eles, além de um pouco das histórias locais. São desde trechos de músicas, romances, contos ou poemas. Há também uma ferramenta de busca e um quiz, caso o usuário se interesse em saber mais sobre aquele escritor ou testar seus conhecimentos.
Quanto mais se avança no mundo globalizado, mais as ações do cotidiano – trabalhar, dirigir, conversar – são mediadas pelas novas mídias. Se, antes, era preciso sentar na frente do computador para navegar na internet, os dispositivos móveis permitiram que a conexão aconteça em qualquer lugar. Direcionar o uso dos equipamentos para que gerem benefícios, facilita a vida na urbe. Ajudar as pessoas a escolherem o caminho mais curto ou avisar qual itinerário está menos engarrafado são algumas das vantagens que a tecnologia pode trazer. O que dizer de uma ferramenta que traz um pouco de beleza para o dia a dia na cidade através de poesia?
Como em outros gêneros artísticos, a literatura permite compartilhar impressões a partir de referentes – no caso do aplicativo, as ruas e os elementos que a compõem. Essa partilha não termina na relação autor-leitor/usuário, estende-se para todos os leitores que o texto já teve. Se, quando abrir o aplicativo, o usuário estiver presente no local referido pelo texto, talvez a experiência seja mais intensa: “O aplicativo faz você contemplar uma vista, uma escultura, um local e perceber que alguém pode já ter se inspirado por aquela beleza, alguém pode já ter escrito algo, uma música, um conto, uma poesia sobre aquele local”, atenta a linguista e professora da UFPB Ana Vogeley.
Com um projeto gráfico simples, o aplicativo vem conquistando adeptos pela facilidade de uso e, principalmente, pelo conceito: ler poesia sobre determinada rua e refletir sobre a memória daquele lugar.“Para quem estiver circulando pela cidade, é ótimo conhecer referências literárias em cada espaço, rua e canto do Recife. Quem é da cidade já deve conhecer algumas histórias e ligações entre ruas, poetas e escritores, mas pode estender o conhecimento”, afirma Ricardo Postal, professor do Programa de Pós-graduação em Letras da UFPE. Para quem está só passagem, a experiência também é enriquecedora, por “ir conhecendo a literatura feita a partir das impressões que o Recife provocou”.
Entre os habitantes que caminham pela cidade observando detalhes que poderiam passar despercebidos, está o arquiteto, urbanista e pesquisador do INCITI, André Moraes. Ele ressalta a contribuição de aplicativos como o Ruas Literárias para a criação de uma cidade menos hostil e com laços mais fortes com quem transita por ela: “Na carência de um espaço urbano mais poético e mais afetivo, que é uma coisa na qual venho trabalhando bastante, o aplicativo consegue levar um pouco de poesia e afeto para a cidade”, disse à Continente. Apesar de reconhecer os benefícios simbólicos e materiais desse tipo de tecnologia, ele atenta para a importância de tornar constante a renovação de conteúdos no aplicativo. Na versão atual, o banco de dados do app se encontra fechado, não permitindo aos usuários acrescentar novidades. Como solução, André sugere que, futuramente, os navegantes possam contribuir, já que “o grande segredo do fluxo nas redes sociais atualmente é envolver o usuário na construção de conhecimento”.
Um aplicativo como o Ruas Literárias, por fortalecer e divulgar os vínculos entre os habitantes e a urbe, pode colaborar para a preservação das memórias materiais da cidade. “Se abrir para que os usuários alimentem com conteúdo, em algum momento, uma rua como a Velha, na Boa Vista, vai aparecer no aplicativo cheia de pins e conteúdos, assim, os outros usuários irão perceber a importância que os casarios, as igrejas e os elementos dessa rua têm para a cidade”, argumenta o arquiteto.
Durante a pesquisa para o aplicativo, Eric Laurence afirma ter constatado que a urbanização na cidade não é uma temática apenas contemporânea, pois já foi, há tempos, questionada na poesia de artistas pernambucanos como Joaquim Cardozo e Manuel Bandeira. Sobre o futuro com relação à plataforma, ele afirma pretender reeditá-lo daqui a um tempo: “Colocar novos pontos, outros escritores, já que o mais complexo, que é a estrutura de navegação, já foi feito”. Divulgar o projeto em escolas como ferramenta de difusão da literatura é outra vontade. “A educação precisa se reinventar e incorporar a tecnologia aos seus métodos de aprendizagem”, e iniciativas como o apps do Ruas Literárias do Recife podem colaborar para que isso aconteça.