O curador considera que essa “constelação poética” que orbita em torno do artista norte-americano na mostra Calder e a arte brasileira só é possível por conta de sua trajetória singular. Nascido no final do século XIX nos EUA, Alexander Calder era filho de escultores, fascinado pelo circo e o humor. Formou-se em Engenharia e foi viver em Paris, onde foi primeiro reconhecido pelo seu minucioso e divertido circo em miniatura.
Em um de seus ensaios sobre o artista, o crítico Mário Pedrosa aponta que sua formação como engenheiro, com seu olhar apurado para a mecânica dos objetos e do mundo, bem como seu talento para o humor, afastaram-no da postura distante e intelectualizada dos artistas da época. Mas, como bem pontua Luis Camillo Osorio, ainda jovem, Calder testemunhou as vanguardas artísticas do início do século passado, das quais não saiu incólume. Osorio e Pedrosa descrevem o encontro do artista com Piet Mondrian (1872-1944) em seu ateliê, em 1930, como o grande divisor de águas em sua trajetória artística.
“A ideia lhe veio de projetar no espaço, de fazer girar aqueles painéis imaculados e estáticos, mas fortemente coloridos do ateliê de Mondrian”, descreve Pedrosa, no ensaio Alexander Calder: o escultor de cata-ventos, de 1944. Depois desse encontro, Calder abandona de vez as questões caras à escultura figurativa, como a busca da tridimensionalidade, para assumir sua estética abstrata, de linhas flutuantes e cores primárias e vibrantes, mas sobretudo, de movimento. Se, como Pedrosa observa com perspicácia, apesar de trabalhar com esculturas, Calder nunca deixou de pensar como pintor; a partir de então, ele decide, nas palavras de Camillo Osorio, “soltar Mondrian pelo espaço”. Foi quando nasceram seus móbiles.
CONVITE AO TOQUE
O movimento e a descontração já eram presentes em suas obras anteriores, mas, de 1930 em diante, Pedrosa descreve que, “diferente de outros objetos artísticos, os de Calder não sofrem desse não-me-toque que caracteriza aqueles. Na sua exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa), em 1943, a gente se espantava em ver a falta de respeito, a falta de tabu que ali reinava, pois qualquer um podia chegar e tocá-los, mexer, bulir, e até empurrá-los com o pé”.
Menos de 20 anos depois, artistas como Helio Oiticica e Lygia Clark radicalizam essa quebra de cerimônia diante da obra, descrita por Pedrosa. Segundo Camillo Osorio, a dimensão lúdica presente na obra de Calder – essa possibilidade de tocar, de chutar – “traz o corpo para uma relação muito mais ativa com a arte e assume, no caso dos parangolés de Oiticica, por exemplo, uma energia popular e emancipatória, ao trazer determinadas partes então marginalizadas da cultura brasileira, como o samba e o carnaval, para uma fronteira entre a arte e a resistência política”.
Camillo Osorio também reconhece esta dimensão política na obra de Calder, ainda que muito mais lírica e sutil. Ao chegar ao final de seu ensaio Alexander Calder: o escultor de cata-ventos, Mário Pedrosa parece confirmar: “Esta é uma arte, pois, que não se separa da vida e, se isso acontece, não se recusa a servir a outra, tende a impregnar com sua sedução o ambiente da vida moderna. (…) Se há um artista que está próximo da arte do futuro, dessa sociedade ideal em que a arte seria confundida com as atividades da rotina diária, e a prática cotidiana de viver – esse artista é Alexander Calder”.