A obra apresenta, por meio de fotos e textos, a cronologia de 10 anos da Verbo. Além de Marcos Gallon, diretor artístico da mostra e organizador da publicação, há escritos dos curadores Fernando Oliva, Agnès Violeau (França) e Liliana Coutinho (Portugal); dos artistas Carla Zaccagnini (Argentina) e Jaime Vallaure e Rafael Lamata, “Los Torreznos” (Espanha); da arquiteta e urbanista Marta Bogéa e da jornalista especializada em cultura e arte Teté Marinho.
Em 2005, a organização da Verbo convidou artistas para participarem da mostra e, seguindo o mesmo procedimento em 2006, contou com o apoio de fundações da Finlândia e do País de Gales. Já em 2007, o processo de seleção foi democratizado, e qualquer um pôde submeter seu projeto à avaliação do evento. Nesse ano, houve 350 projetos inscritos e 33 selecionados. A grande procura foi um susto positivo para o júri (composto por Daniela Labra, Marcos Gallon e Eduardo Brandão) e já mostrava a relevância de garantir espaços para a performance. A partir de 2008, e durante as cinco edições seguintes, foi criado, paralelamente ao festival, o seminário Verbo Conjugado, com o objetivo de discutir questões atuais acerca da arte performática e da relação que guarda com outras modalidades artísticas.
O destaque de 2014, para comemorar a décima edição do evento, foi a realização de atos performáticos nos espaços públicos, para além da Vermelho. No ano passado, artistas selecionados e convidados dividiram a cena com uma exposição de fotos, vídeos e instalações. O que podemos observar, diante do retrospecto, é que, tal como a performance, uma linguagem híbrida, cambiante, efêmera, a mostra Verbo tomou para si tais características e tem procurado ser um lugar de autonomia artística, no qual “não há o objetivo de formular uma teoria unificada acerca da performance arte, uma verdade maior e melhor que as outras”, afirma Gallon, na introdução ao livro. A Verbo pode ser vista como uma tentativa de “libertação do ato performático, deixando de lado qualquer tipo de cobrança no sentido de ‘dizer’ ou ‘narrar’ algo”, nas palavras de Fernando Oliva, quando escreve Uma nova performance para um novo público.
ORIGENS
Não se pode deixar de notar que, junto à origem da performance enquanto paradigma artístico, importantes movimentos político-culturais vieram à tona, como o dos hippies, das feministas, dos LGBTs e ecologistas. A linguagem performática naturalmente absorveu tais questões e, por isso, veio carregada das causas reivindicativas que emergiram à época, apresentando ao público corpos em cenas contestadoras, que faziam questão de negar o mercado da arte e os desajustes do sistema capitalista.
O diretor artístico da Verbo, Marcos Gallon, refuta quaisquer contradições que possam existir no fato de a Vermelho, sendo uma galeria comercial, promover um festival de performance. Para ele, é importante diferenciar o contexto dessa modalidade nas décadas iniciais de seu desenvolvimento – em que havia um espaço de combate à fetichização da arte – e o que se vê nos tempos presentes. “A arte atual incorporou estratégias do sistema de produção, reprodução, edição, distribuição e comercialização do mercado. Ou seja, o capital, como em todos os âmbitos da sociedade contemporânea, passou a ditar as regras no campo da arte, e a performance, por mais contundente, feroz e atrevida que seja, e é, não está fora desse eixo”, afirma, em entrevista à Continente.
Não se trata de uma relação apaziguadora entre os artistas performáticos e a crítica ao conjunto de valores, mas, antes, uma tentativa de “manter seu potencial crítico”, diz Gallon, dentro desse mesmo cenário que critica. A artista visual pernambucana Juliana Notari, que participou das edições de 2006 e 2008 da Verbo, entende que, ainda hoje, a performance mantém seu status de linguagem arredia, rebelde, “e por isso ela é potente”, mas reconhece que “o sistema sempre dá um jeito de englobar a arte”. No entanto, acredita que “a arte está sempre se reinventando, então há a possibilidade de burlar, criando ruídos e fissuras dentro do próprio sistema”.
Para Notari, a performance continua a ser, no escopo das artes visuais, uma das linguagens mais interessantes e combativas. “Querem aprisioná-la a um museu, a uma instituição, e ela vai saindo por ali, pela tangente. Inventando novas maneiras de sobreviver. Como ela é, por natureza, difícil de ser adaptada, domesticada pelas instituições, pelo poder que circula o mundo da arte, fica às vezes sem espaço”, acredita. Por conta de tais ambivalências e da dificuldade de se inserir nos cenários artísticos tradicionais, Juliana Notari enxerga a Verbo como uma das poucas plataformas no Brasil que procuram “divulgar, incentivar e abrir as portas para os artistas que se propõem a trabalhar com a performance”.
Em sua primeira participação na mostra, a artista apresentou Symbebekos, um caminho de garrafas de vidro quebradas, o qual atravessava descalça. Juliana já havia feito a ação performática anteriormente, mas, na ocasião, o clima estava muito frio e ela fez um aquecimento que deixou o seu corpo superquente. O resultado é que a artista se cortou bastante, mas não sentiu dor, devido ao choque de temperatura. Ela lembra que “o objetivo não era se machucar, e, sim, passar ilesa por ali”. A situação aponta para um outro elemento caro à performance e de onde vem boa parte da sua força – a imprevisibilidade. “A arte performativa se constrói com o público, o tempo e o espaço, e, por isso, o artista não tem controle total do próprio trabalho”, avalia. O resultado inesperado gerou um estreitamento com os espectadores, e, na opinião dela, foi emocionante. “Parecia um caminho oriental, representando o caminho da vida mesmo, com rastros de sangue.”
VERBO 2016
A 12ª edição da Verbo acontece entre os dias 26 e 30 deste mês, na Galeria Vermelho. Ana Montenegro, Juliana Moraes, Wilson Sukorski, Coletivo Cartográfico, Enrique Jezik, Fabiano Rodrigues e Marc Davi são alguns dos confirmados. Um dos destaques dessa edição da mostra é a artista espanhola Dora Garcia. Na obra The artist without a work, ela propõe uma visita guiada a uma exposição de arte sem qualquer objeto. O trabalho sugere vários questionamentos referentes às artes conceituais e, sobretudo, à performance arte, que rechaça a lógica do sistema e dos espaços institucionalizados. Para Marcos Gallon, este é um exemplo de que, na performance, “como em qualquer campo do saber ou da prática, o produto artístico acabado é por natureza apenas uma sombra do que queria ser originalmente”.
Essa ideia, aliás, nos remete às investidas do abstracionista Jackson Pollock (1912–1956), que jamais fazia esboços e arremessava tintas sobre a tela, em sua técnica de action painting (pintura em ação). Assim como na obra de Garcia, o que importava a Pollock era menos o produto acabado que a sua feitura. É do processo que falamos em primeiro lugar quando nos referimos à performance, mas não só: é do entendimento de que o processo do corpo é a própria arte.