Também fora do circuito mais procurado pelas cafeterias, o Malakoff Café Gourmet abriu as portas em março do ano passado, no Prado. O casal Tallita Marques e Alan Cavalcanti – ela jornalista, ele consultor com formação em Gestão Pública – queria investir em algo que fosse bom para os dois e optou pelo café, por ele estar presente em todos os momentos do dia. “Queria ter inspiração diária no trabalho”, conta ela. Alan foi à Semana Internacional do Café, em São Paulo, para conhecer melhor o mercado. A opção foi ousada: apostar nos métodos filtrados no lugar do espresso, versão mais conhecida pelo consumidor.
Única na cidade especializada nessa forma de extração, a casa oferece 11 tipos diferentes, sendo um a frio, o chamado cold brew, que pode ser aromatizado com canela ou anis, por exemplo. Alan, que fez o curso de barista no Espaço Sensorial do Café, explica que café não é só amargor. Tudo depende da intenção do cliente, cujo paladar pode preferir uma bebida mais suave, embora diferente do “chafé”. Ele conta que, dependendo do método, a mesma proporção de água e café pode resultar em bebidas bastante diferentes. A moagem e o tempo de extração interferem na intensidade do amargor.
As características do café – doçura, acidez, amargor e corpo – mudam segundo a técnica utilizada. O espresso libera óleos essenciais devido à temperatura e pressão, por isso apresenta uma camada de crema. O japonês hario tem tempo de extração menor do que um filtro comum, por sua abertura maior na base. O aeropress, que funciona como um êmbolo, é mais forte e aromático. A prensa francesa resulta num café mais suave e pede moagem mais grossa. O globinho faz o “espectador” (todos são feitos à vista do consumidor) se sentir em um laboratório. A casa tem até um filtro vietnamita que foi doado por um cliente.
Tudo no Malakoff gira em torno do café: ele está até na decoração, com luminárias feitas com filtros. O espaço, segundo os donos, acabou virando um local de troca de informações sobre café. “Havia uma demanda reprimida de coffee lovers, muita gente que já entendia de café, mas não tinha onde trocar conhecimento”, conta Tallita. Além de ficarem curiosos com a alquimia dos filtrados, os clientes querem aprender a fazer um café melhor em casa e experimentar vários métodos. Os grãos usados na casa são o Arte Café (MG), mais cítrico, nos filtrados, e o Yaguara (PE) no espresso, com torra média para maior flexibilidade.
Alan afirma que as casas mantêm uma parceria, mas que cada uma buscou sua identidade. Os eventos são pensados como estratégia de negócio, pois a maioria dos proprietários tira seu sustento do café. “Temos focos diferentes, mas sempre no café”, diz. Como ninguém vai todo dia ao mesmo lugar, a ideia é um indicar o outro, atestando sua qualidade. “Nosso objetivo é oferecer uma experiência sensorial com o café. Somos slow coffee, um café sem pressa”, defende Alan. A opção já vem dando frutos: o Malakoff ganhou o prêmio de Cafeteria Revelação no Guia de Cafeterias do Brasil 2016, que ressaltou a variedade de métodos.
LABORATÓRIO
Tallita conta que a tecnologia foi fundamental na organização das cafeterias, pois tudo começou com um grupo no aplicativo Whatsapp. Antes de abrir o Malakoff, eles foram ao Ernesto Café pedir sugestões. Pouco depois, era a vez de o Café do Brejo ir em busca de dicas, dessa vez no Malakoff, e assim por diante, até formar essa rede. Um dos elos entre os então futuros proprietários de cafés foi a professora Lidiane Santos, que abriu o Espaço Sensorial do Café em agosto de 2015. Antes disso, porém, a barista formada pelo Coffee Lab, em São Paulo, em 2009, espalhava as sementes do café por outros locais do Recife.
Ela se interessou pela bebida por causa do Arte Café e Confeitaria, loja de sua família em Gravatá. Psicopedagoga de formação que até então trabalhava em escolas com crianças de três a seis anos, passou a ser treinadora do grão Arte Café (nenhuma relação com o nome da confeitaria). Em 2012, começou a ministrar a disciplina de Estudos e Serviços de Chá e Café na Uninassau. “Foi um laboratório que me impulsionou a estudar cada vez mais”, lembra a professora, que deu início a uma disciplina de foco semelhante na Faculdade Metropolitana, em 2016. Lidiane obteve a certificação da Associação Brasileira de Café e Barista em 2013.
Como toda sua formação foi feita no Sudeste, ela queria oferecer os cursos no Recife e resolveu abrir um espaço dedicado ao café. Lidiane é a professora do curso de barista, mas conta com outros profissionais para cursos como o de latte art (que “desenha” o café com o movimento de colocar o leite na xícara), com o professor Gabriel Aguiar (AL), e análise sensorial com a professora Michelle Melo (PE), que busca desconstruir os sabores da bebida. As aulas de harmonização da bebida com comidas usam ingredientes como queijo, chocolate e até um surpreendente sorvete de limão. Segundo a professora, quando a harmonização acontece com um café de qualidade, a necessidade de açúcar adicional diminui.
A Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) classifica os grãos em três categorias, de acordo com uma avaliação global de todas as características sensoriais do produto. O café pode ser considerado tradicional (quando recebe nota, em uma escala de 0 a 10, entre 4,5 e 5,9), superior (entre 6 e 7,2) ou gourmet (entre 7,3 e 10). O Programa de Qualidade do Café considera que exemplares com nota inferior a 4,5 não são recomendáveis. Para serem gourmet, os grãos precisam ser 100% da espécie arábica de origem única ou com blend, ou seja, uma combinação de origens diversas.
Já o termo café especial passou a ser usado pela Associação Americana de Cafés Especiais (Specialty Coffee American Association) em 1974. A metodologia utilizada para identificar cafés dessa categoria inclui uma análise sensorial realizada por degustadores profissionais de vários países, verificando 10 atributos: aroma, uniformidade, ausência de defeitos, doçura, sabor, acidez, corpo, finalização, balanço e conceito final. É preciso ter no mínimo 80 pontos para entrar para a classificação. O Brasil conta com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, sigla em inglês) como entidade certificadora.
DENGO DOCE
Apaixonada por gastronomia, a bióloga Natália Valença queria abrir um negócio com o namorado, o administrador de empresas Victor Cordeiro. Ainda não sabiam exatamente o que seria, até encontrar a casa onde o Café com Dengo se instalaria em dezembro do ano passado, nos Aflitos. Foi amor à primeira vista. “Parece que veio um negócio dizendo assim: café, café, café. Ou seja, o café veio até a gente”, acredita. “Queria poder oferecer algo de qualidade ao cliente, um café realmente quente, com calor humano”, afirma. A ideia era fazer um local com cara de casa, cheio de plantas e onde animais de estimação são bem-vindos.
“Eu olho e vejo a casa da minha avó, no Janga”, conta, lembrando que na infância estava sempre na cozinha com ela, raspando as panelas. A saudade do pai, que tomava leite condensado com café – e não o contrário –, deu origem ao Café Condensado. A doçura também está na sobremesa mais pedida do local, o Meu Dengo Doce, que leva rabanada, doce de leite, sorvete de creme e farofa de leite em pó. O almoço acompanha a proposta slow coffee, com pratos caseiros preparados na hora. Com cerca de 50 lugares e 12 mesas, a cafeteria serve espresso, coado e “café com cara de sobremesa” do grão pernambucano Yaguara.
Natália conta que gostava de café, mas não entendia muita coisa sobre o assunto. Quando começou a fazer cursos de barista e latte art, encantou-se pelo tema. Não imaginava que a bebida era tão complexa, com tantos tipos de torras, métodos, serviços. Começou a visitar as casas que já existiam para conhecer seus donos e foram todos muito receptivos. “Fazemos café colaborativo”, brinca. O cuidado com o grão, além da vontade de disseminar a cultura do café de qualidade, é a característica que une as cafeterias. “O café é o foco. O resto é complemento.”