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Comunidades internacionais

No Brasil, como em outros países, esses encontros deixaram de ser vitrines e passaram a ser espaços de pesquisa e trocas entre agentes teatrais

TEXTO Clarissa Macau

01 de Julho de 2016

O grupo português Mala Voadora participou do Trema!, em 2015, apresentando o espetáculo Hamlet

O grupo português Mala Voadora participou do Trema!, em 2015, apresentando o espetáculo Hamlet

Foto José Carlos Duarte/divulgação

[conteúdo vinculado ao especial da ed. 187 | julho de 2016]

Os festivais deixaram de ser vitrines e passaram a ser espaços de convivência. Grandes festivais como o de Teatro de Curitiba, o Latino-Americano, em São Paulo, o Cena Brasil Internacional, no Rio de Janeiro, e o Janeiro de Grandes Espetáculos, no Recife, afinam-se à tendência contemporânea de diálogos entre referências exteriores e novos parâmetros interculturais. Grupos e encenadores brasileiros têm conquistado espaços em festivais estrangeiros como o Mouseonturm, em Frankfurt, e o Festival Internacional de Teatro Anton Tchekhov, em Moscou, casos de, por exemplo, Antonio Araújo, do Teatro da Vertigem, de São Paulo, e Christiane Jatahy, da Cia Vértice, do Rio. Apesar da existência de nomes já consolidados, o crítico Ubiratan Brasil acredita que a participação brasileira não é suficiente. “Vivemos de exemplos raros de companhias que buscam algum reconhecimento no exterior, mas voltam com alguns prêmios sem, contudo, uma possibilidade de continuidade. Temos que exibir mais nossas produções. Como os grandes mercados são fechados, só nos restam os festivais”, diz.

A dificuldade não está apenas em acessar outros países, mas o território nacional. As próprias cidades se mostram como terrenos espinhosos. Morador do Recife, o ator Pedro Vilela, ex-membro do grupo Magiluth e atual gerente da plataforma de ações teatrais Trema!, aponta: “Vivemos num lugar com diversos prédios abandonados, sem uma cultura de ocupação por parte das pessoas, nem dos artistas. Há também a dificuldade de circulação pelo Brasil, porque se exige custo de criação, produção e execução. No teatro, há espacialidade. A equipe precisa se locomover com diferentes equipamentos para todo canto e nada pode faltar”. Com o Magiluth, ele visitou quase todo o Brasil, até mesmo o Amazonas, uma das regiões mais inacessíveis para os artistas. Conseguiu a façanha graças a editais públicos.

Contudo, mesmo sem apoio, os grupos projetam iniciativas para que a cultura do teatro não se perca na cidade. Foi assim que Vilela, junto ao ator Thiago Liberdade e à produtora Maria Rusu, decidiu criar, em 2012, um festival totalmente independente de editais ou leis em suas primeiras edições. O Trema! – Festival de Teatro do Recife tem o objetivo de trazer influentes grupos de pesquisa para a cidade. “O fazer é caro, mas está em prática a reflexão em torno dessas novas possibilidades de compartilhamento. Se o estado não dá conta, precisamos criar estrutura. Foi extremamente importante trazer o grupo mineiro Espanca! em 2013, por exemplo. Um dos principais grupos do país. Criamos novas modalidades de cachê, porque eles sabem que não temos os recursos justos. Mas, ao mesmo tempo, existe o nosso desejo de recebê-los e o deles de vir”, conta Vilela. Em 2016, no final do mês de abril, o evento ganhou a primeira versão com patrocínio, contabilizando um orçamento de cerca de R$ 60 mil. “A mobilização do público nos últimos anos provocou visibilidade para conseguirmos um pequeno, mas primordial, auxílio da prefeitura do Recife e do estado de Pernambuco”, diz. 

Em maio do ano passado, a terceira edição do Trema!, recebeu dois grupos internacionais, o português Mala Voadora, versátil e de humor refinado, e o brasileiro-argentino Mazdita, que busca concretizar performances humanas interagindo com dispositivos eletrônicos. A casa de Vilela virou um dos albergues. Não foram poucas as vezes que hospedou atores de outros estados e países. O lisboeta Jorge Andrade, do Mala Voadora, foi um dos hóspedes do pernambucano com quem, ainda quando ele fazia parte do Magiluth, começou a produzir alguns projetos dramatúrgicos. Espécie de residência sem patrocínio, na qual cada grupo passava 15 dias no país do outro. “Quando o Magiluth viajava para Portugal ficava na sede deles – uma estrutura bastante diferente da nossa brasileira -, que conta com teatro e lofts, que podem abrigar grupos em residência”, lembra Vilela. 

“Nós nos conhecemos no Cena Internacional. Impressionei-me com a vitalidade do Magiluth. Era algo com discurso e corpo. O fato de falarmos o português também nos uniu. O Mala Voadora sempre procura qualidade artística em pessoas fora do nosso habitat, para uma imersão em outra realidade”, diz Andrade. Pedro Wagner, membro do grupo pernambucano, compara os perfis teatrais. “O ambiente dos festivais é uma possibilidade para trocarmos metodologias. O Magiluth trabalha com improviso. Uma pesquisa praticamente simultânea à apresentação. Já o Mala é diferente, eles só levantam o espetáculo após ensaiarem dois ou três meses.” 

INTERCÂMBIOS
O grupo Mala Voadora, que já viajou por 14 países apoiado pelo governo português, está acostumado a estabelecer parceria com estrangeiros. “Chegamos a fazer peças nas quais conversamos nós em português e o outro grupo na sua língua. É interessante confrontar o que é estranho.” Foi o caso do grupo britânico Third Angel, companhia que utiliza o hibridismo com o cinema, desenho, standy up comedy e a live art. O integrante Alexander Kelly comenta: “O grande ponto da colaboração é construir algo que nenhum dos grupos envolvidos possa fazer só”.

Artistas do Brasil e da Argentina se juntaram para formar o Coletivo Mazdita. O argentino Leandro Olivan e a brasileira Flavia Pinheiro, com colaboração de outros estrangeiros, usam táticas de guerrilhas baseadas na improvisação. Trabalham através da quebra das fronteiras entre performances, teatro e tecnologia. 

“O Coletivo Mazdita pesquisa o desenvolvimento de dispositivos eletrônicos que estabelecem uma relação entre o corpo em movimento e o espaço com os objetos. Através de plataformas interativas, propomos intervenções urbanas, instalações e vídeos. Atualmente, trabalhamos na pesquisa Organ City Rizoma, um entorno rizomático de captura de movimento, e no procedimento Diafragma, que envolve o corpo e as tecnologias de produção de ruídos, imagens e sensações”, diz Pinheiro. Dessa forma, buscam transformar, principalmente em países latino-americanos, os espaços públicos de grandes cidades numa conexão complexa entre humanos e corpos estranhos artificiais, símbolos das extensões de nossa natureza no mundo. 

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