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As aspirações transnacionais

TEXTO Bernardo Fonseca Machado

01 de Julho de 2016

[artigo vinculado ao especial da ed. 187 | julho de 2016]

Quando se trata de musicais no Brasil, é comum ouvirmos que “o país é o terceiro maior produtor do mundo, ficando atrás somente da Broadway, em Nova York, e de West End, em Londres”. Essa afirmação circula no boca a boca de atrizes e atores, nas entrevistas concedidas em coletivas de imprensa, nos momentos de negociação para patrocínio, em jornais e revistas impressos, e assim por diante. O Brasil aparece como uma promessa – econômica e artística – no que concerne à produção de teatro musical.

 Todas as vezes em que ouvi a declaração, perguntei curioso: “Qual a fonte dessa informação?”. Gostaria de saber quem havia promovido a pesquisa, conhecer os dados, quais eram os critérios para a análise e classificação dos países… Contudo, meus interlocutores, até o momento, não souberam me responder. Sendo assim, a informação circula sem que seja questionada sua origem. Não estou dizendo que ela seja falsa – não tenho dados para dizer isso –, mas chama a atenção para que sujeitos envolvidos com musical gostem de acreditar na protuberância da produção brasileira.

A pergunta que podemos realizar é: por que essa frase faz sentido, mesmo sem a comprovação factual de sua veracidade? Quando falamos de teatro musical, uma das palavras que vêm a mente é “Broadway”. Trata-se de um distrito espacial em Nova York, que passou a ser considerado relevante por seus espetáculos musicais de grande porte e apuro técnico e artístico. Atualmente, há produções estadunidenses que levam a marca “Broadway shows”, acontecendo no Brasil, na Alemanha, Argentina, Austrália, China, Coreia do Sul, Escandinávia, Filipinas, França, Holanda, Japão, Noruega e Tailândia.

Por exemplo, a Coreia do Sul, desde os anos 1980, é palco de espetáculos musicais americanos. Segundo a socióloga Hyunjung Lee, a noção de “Broadway” transcendeu a definição de uma mera localização física e passou a evocar glamour, sucesso global e a corporificação daquilo que seria um teatro “outro” e “superior”. O impacto dos musicais da Broadway na Coreia do Sul levou, nos anos 1990, à criação de uma versão coreana dos musicais, isto é, espetáculos criados no formato Broadway, mas com conteúdo local. Segundo a pesquisadora, os produtores alegam que uma peça com estilo Broadway permitiria ao país asiático assumir uma identidade global, em diálogo com o “Ocidente”.

Talvez o Brasil não seja tão diferente da Coreia do Sul. Notamos como paira certo desejo de importação dos musicais da Broadway: atuar num musical e assisti-lo representam valores importantes para alguns. É como se, ao incorporar “o outro”, “o estrangeiro”, via músicas, danças e histórias, nossos intérpretes e nosso público assumissem sua alteridade e pudessem se tornar algo diverso do que cotidianamente são. É como se os musicais fizessem sentido experimentados no “corpo” nacional – na própria pele dos brasileiros –, como se houvesse uma ânsia por absorção e experiência.

Afirmar que o Brasil é “o terceiro maior produtor de musicais do mundo” seria uma das maneiras de inserir o país em uma suposta rota global de circulação de teatro, de signos e de valores. E essa aspiração não está presente somente no Brasil. A circulação de bens culturais (como espetáculos musicais) pelo globo nos ajuda a compreender o fluxo de informações, capital e repertórios simbólicos em âmbito transnacional. Há algo em comum pairando nos diversos reinos.

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