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Artesanal, orgânico e ecológico

Fazenda agrestina produz café sob a sombra de árvores nativas, permitindo que o seu plantio seja possível no clima seco da região

TEXTO Renata do Amaral

01 de Julho de 2016

"Quem toma seu cafezinho diário não faz ideia, mas são necessários 60 frutos para produzir uma só xícara de café espresso."

Foto Eudes Santana/divulgação

[conteúdo vinculado à matéria da ed. 187 | julho de 2016]

Não há mais onças na Fazenda Vale da Onça, em Taquaritinga do Norte, município do agreste pernambucano, localizado a 164 quilômetros do Recife. Mas o animal que vivia naquela região está no nome não apenas da fazenda, mas também do café Yaguara Ecológico, o único café especial produzido no estado. Em tupi-guarani, yaguara quer dizer onça. Ali, os grãos crescem não enfileirados, mas distribuídos por todo o terreno, sombreados por árvores. Isso permite que o plantio do café seja realizado no clima seco do Agreste. “Mais que orgânicos, somos ecológicos”, explica o americano David Peebles, por ali desde 1978.

É a filha de David, Tatiana Peebles, que está no comando da produção dos grãos 100% arábica typica, “que produz qualidade e não quantidade”. Ao lado do marido Juscelino Felipe da Silva, da filha Eleonora e dos cachorros Beauregard, Chico e Luna, Tatiana conta que existe produção de café no local há mais de 200 anos e que Taquaritinga do Norte chegou a ser o sexto maior exportador do Brasil nos anos 1930. A fazenda foi ampliada aos poucos, pela compra das propriedades que iam sendo abandonadas ao longo dos anos. As casas dos antigos moradores, algumas com mais de um século, foram preservadas.

Quando perguntam qual a área coberta por cafés, Tatiana não sabe precisar, pois os pés estão em toda parte. A ênfase é na policultura, com árvores frutíferas convivendo com a criação de animais. A propriedade é autossustentável – ela brinca que, se o mundo lá fora acabasse, eles sobreviveriam tranquilamente. Ela ressalta que a distância entre o campo e a mesa está cada vez maior e muita gente não tem noção da dificuldade envolvida na produção de alimentos até chegar ao consumidor final. “O elo entre as pessoas e o campo está quase inexistente”, lamenta.

Não é apenas a forma de plantio que difere daquela da maioria dos outros produtores, mas também o processamento. O primeiro grão é colhido três anos depois do plantio do pé, mas a safra mesmo só vem com cinco anos. Enquanto a maior parte dos outros locais faz colheita com máquina, lá ela é realizada manualmente, uma vez por ano, com três a quatro meses de duração, pois apenas os frutos maduros são colhidos. Grãos verdes são considerados uma falha, então é necessário ter paciência para esperar o tempo de cada um. A sombra aumenta o tempo de maturação, mas em compensação o café desenvolve mais açúcar.

Quem toma seu cafezinho diário não faz ideia, mas são necessários 60 frutos para produzir uma só xícara de café espresso. Depois da seleção e da secagem, é a hora da torrefação. Ela leva apenas 12 minutos, mas é uma fase de grande importância. Cada safra tem uma torra diferente, segundo suas características, e apenas grãos do mesmo tamanho podem ser torrados ao mesmo tempo, para que não queimem. Essa fase só acontece após a encomenda dos pacotes, pois assim o café se conserva mais fresco quando chega à xícara. A torra média resulta em um sabor mais cítrico; a escura, em um gosto mais achocolatado.

O mundo dos cafés, como o dos vinhos, conta com tantas variáveis, que suas combinações são quase infinitas. Segundo normas internacionais, um café especial só pode apresentar de zero a cinco defeitos a cada 300 gramas, o que exige um processamento cuidadoso. “Ainda assim, muitas vezes restaurantes cinco estrelas não servem bom café”, afirma David, que prefere manter a produção em baixa escala. “Melhor ter pouquinha coisa, mas de boa qualidade”, complementa. “Somos um bicho em extinção”, diz Tatiana, sobre a opção pela produção artesanal. Como as onças que dão nome ao local. 

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