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Carlos Penna

Da crítica à criação

TEXTO Olívia Mindêlo

01 de Maio de 2016

'Mutação', nova coleção do designer-artista explora materiais como mangueira e cobre

'Mutação', nova coleção do designer-artista explora materiais como mangueira e cobre

Foto Luiza Ananias/Divulgação

Fuçando a construtora do pai, Carlos Penna descobriu materiais como… o prego. Do objeto, ele partiu para experimentar diversos elementos, processos e conceitos. Hoje, o jovem designer de joias e semijoias nascido em Minas Gerais possui um trabalho reconhecido justamente por essa experimentação, cujo ponto de partida é também o de chegada: provocar o inesperado.

O brinco de prego banhado em prata tornou-se o carro-chefe de suas criações, virando mercadoria fetiche e ganhando versões ao longo das coleções. O caráter da peça suscita agressividade e delicadeza ao mesmo tempo, tornando-a uma espécie de read-made das orelhas, para trazer aqui o conceito de Marcel Duchamp, que ecoa até hoje tanto na arte contemporânea, quanto em áreas afins, como o próprio design. O mineiro, aliás, diz buscar suas referências muito mais na arte contemporânea do que na moda ou mesmo no design. “A arte sempre me seduziu. As obras de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Louise Borgeois influenciaram a marca totalmente. Minha pesquisa é dentro desses trabalhos”, afirma Carlos Penna, cuja grife leva o seu nome e foi criada em 2013.


Exemplares da série Plantae partiram da pesquisa botânica para culminar em formas inesperadas. Foto: Sergio Rezende/Divulgação

As referências artísticas, contudo, não incidem de forma literal em suas criações, que transitam tanto por formas contidas, minimalistas, geométricas, quanto por texturas mais orgânicas, abstratas, rebuscadas. A coleção Plantae (2015), por exemplo, demorou seis meses para ser executada por meio de um processo escultórico de transformação de elementos orgânicos, como folhas, em objetos duradouros para compor os acessórios. Normalmente, Carlos faz pesquisa, estuda diferentes materiais, testa e prova até chegar ao resultado desejado. Existe a técnica, mas muito mais a descoberta, o deixar-se levar também pelo acaso. Aconteceu assim justamente com a série Plantae, que partiu da investigação das plantas e de conversas com uma amiga botânica até alcançar um tratamento que conferisse a materiais perecíveis uma qualidade mais permanente, como foi o caso das folhas.

Sua nova coleção (primavera/verão 2017) foi lançada no mês passado, na Minas Trend, feira de moda consagrada no país, e será apresentada ao Recife, pela primeira vez, no dia 7 deste mês. Mutação, como se chama, explora tramas, ninhos, casulo, além de materiais como borracha, mangueiras, metais (fio de cobre, ouro, prata). Apesar de o reaproveitamento dos materiais não ser uma questão da marca, ele tem na perspectiva crítica seu mote de criação. “Não consigo ser ‘fofo’. Em Plantae, por exemplo, trabalhei a morte da natureza, a ideia de fragmento, corrosão. Em Mutação, a borracha, o petróleo. Tem que sempre haver a crítica, não só a estética”, diz o artista, embora considere também que seja importante deixar as ideias em aberto, “porque cada um pode criar o seu próprio conceito” ao entrar em contato com as peças, seja com o olhar, seja com o corpo.


"Não conseigo ser fofo", diz Carlos Penna, referindo-se às suas peças conceituais.
Foto: Divulgação

Outro conceito-base em Mutação, também de alguma forma presente nas coleções anteriores, é a confecção de peças que se transformam segundo o desejo do usuário – brinco, pulseira, colar, há sempre a ideia de versatilidade permeando as criações. Tendência? Para Carlos Penna, de certa forma, sim, e lembra as peças de roupa, como calças que viram bermudas, por exemplo, além do design japonês.

Neste mês, ele chega ao Recife também para uma parceria com o bistrô Oma, no Parnamirim. No restaurante, ele apresentará uma coleção exclusiva, inspirada no cardápio da casa, que, por sua vez, criará pratos baseados nos produtos de Carlos Penna. Como diz o texto da nova coleção, “por acaso ou por vontade, estamos dispostos a nos transformar e somos livres para nos moldarmos da maneira que quisermos. Assim é a Carlos Penna, como um organismo vivo, em constante mutação”. 

OLÍVIA MINDÊLO, jornalista, com mestrado em Sociologia.

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