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Permanência da Arte

TEXTO José Cláudio

01 de Fevereiro de 2016

Obras de Aderbal Brandão, Eduardo Araújo, Humberto Magno, Maurício e Luciano Pinheiro

Obras de Aderbal Brandão, Eduardo Araújo, Humberto Magno, Maurício e Luciano Pinheiro

Fotos Reprodução

É o nome da exposição feita em casa de Luciano Pinheiro, Rua Bispo Coutinho, 828, Alto da Sé, Olinda, tel. 3429.0232, de 7/nov. a 20/dez./2015 com obras de Aderbal Brandão, Eduardo Araújo, Humberto Magno, José Barbosa, Luciano Pinheiro e Maurício Arraes. Pena que ao ser publicada esta crônica a exposição já tenda sido encerrada. Servirá para a próxima.

Eduardo Araújo sempre soube se manter no âmbito da pintura erudita, dignidade de que não abre mão, não importa se na Itália pintando oliveiras ou aqui pintando nus ou paisagens nesse seu equilíbrio estilístico, guiando-se pelas mesmas normas. Nunca transigiu. Nunca “pecou”. Nunca demonstrou insegurança ou insatisfação. Crises, se houve, ocorreram dentro de sua cabeça, nas cozinhas de si próprio, diante da tela poupando-nos de coisas menores. Sua tela é a sua sala onde não se comparece em roupas de baixo. Fica até difícil estabelecer que tipo de evolução, de amadurecimento tem ocorrido na sua pintura a não ser uma crescente depuração, como a nos ensinar a vê-lo com maior clareza, como se mostrasse o seu trabalho cada vez mais de perto, como se se prestasse a ser examinado com maior rigor. A obra de Eduardo Araújo é um acervo intacto valiosíssimo. Parece que ainda não temos fortunas consolidadas que possam pegar tudo e fazer um museu. Faz gosto ver também seus ensaios escultóricos.

A arte de Luciano Pinheiro tem sido marcada pela veemência, como a nos alertar do custo excessivamente alto de sua opção pela pintura, abdicando de outra vida que pudesse ter sido, qual enfant terrible que nos encarasse com a pergunta: “E por que não?” Para ele não há meio termo. É tudo ou nada. Quem não está comigo está contra mim. E nessa intolerância, a começar em relação a si próprio, sempre se cobra o máximo, lembrando a si próprio e a quem interessar possa que não está ali para brincadeira nem para ocupar lugar menor. Que não se dá por menos. Que não tem arredores nem capas, que tudo ali é âmago, que tudo ali é vital, gritante e urgente. Pinta como se enfrentasse contestação geral: sua pintura, sua causa primordial. No seu texto Motivações para realização da mostra Permanência da Arte diz: “Luciano Pinheiro foi descoberto por Gastão de Holanda nos anos 1960, que o introduziu no mundo das artes. Luciano faz arte para criar encantamento, alimentar o espírito através de símbolos, cores, movimentos, formas e mitos. Possuído pelo lado mágico e religioso da arte, sem abdicar do político, busca no consciente, no inconsciente, no amor à natureza, o sentido cósmico da existência. Luciano se considera um artista similar ao das cavernas de pedra da pré-história, fazendo arte para as cavernas contemporâneas de tijolo e concreto”.

Um dia, já nesta casa atual em que moro há 40 anos, recebo a visita do jovem Maurício Arraes, ele numa idade em que as pessoas ainda se perguntam o que fazer da vida. Mas, vendo seus quadros, tive impressão de estar diante de um pintor que já se definira, enquanto eu próprio, bem mais velho, só Deus sabe quanto tateava. Logo ele, que vinha da França, o centro de todas as sofisticações, com uma pintura de simplicidade espantosa, voltada para o popular, para o dia-a-dia na rua, com a alegria da descoberta. Não lhe importa que nome está na moda no primeiro mundo, que ele já veio de lá. Alegra-me que continue aqui. O fato de ser filho de Miguel Arraes, não ajuda em nada. Pelo contrário. A pior coisa que pode acontecer a um artista é ser filho de um grande homem, como lhe imputam esse fato, impondo-lhe uma espécie de ostracismo. “A maldade nessa gente é uma arte”, já dizia Ataulfo Alves (Pois é). Mauricio expôs também esculturas em pedra, além das pinturas. A dificuldade da escultura é o custo, o preço da produção, o peso, a dificuldade de transportar, o tempo gasto; ou parta o escultor para a produção de miniaturas, como fez Maurício, com exceção de um trabalho de certo porte em que demonstra grande domínio, resultado do seu persistente convívio com o granito.

As talhas de José Barbosa surpreendem, mesmo que, pelo fato de morarmos nas mesmas cidades de Olinda e Recife, tenha eu por força acompanhado o seu trabalho desde o início, incentivado ele por Adão Pinheiro, que trouxe a talha, desconhecida ou desconsiderada, para o campo da arte. Caracterizou-se até durante certo tempo como uma arte olindense e de Olinda espalhou-se pelo Brasil. Nada disso tirou a tranquilidade de José Barbosa, cônscio do seu valor. De fato, ele é sempre ele, nunca imitou ninguém, nem na sua talha nem na sua pintura, conservando esta um traço de primitivismo que lhe vem do berço mas que sabe cultivar com mestria, envolvido nos mitos e sensualidades de sua Olinda natal. O trato com a arte erudita, o conhecimento da história da arte, não o desviou do seu foco original. Nessa exposição, nos trabalhos de talha, chega a requintes impressionantes no tratamento que dá às superfícies da madeira. Ficou José Barbosa como representante único de uma arte de que não se ouve mais falar. Ainda bem que sobrou um artista inigualável.

Sobre Humberto Magno, poderia repetir Luciano Pinheiro: “Sabe-se pouco sobre sua obra porque ele tem essa mania de se esconder, de não mostrar muito seu trabalho”. Na exposição traz-nos alguns quadros feitos de pedaços de isopor, o que nos anos 1950 chamavam polimaterismo. Eu mesmo expus na galeria da prefeitura, na beira do rio, coisa parecida que, para chamar atenção, batizei de “polimaterialismo”. Como não vendeu nada, depois da exposição joguei tudo no Capibaribe, como Santo Antônio que fez um sermão aos peixes. Espero que as obras de Humberto Magno tenham melhor destino.

A exposição ainda contou com as belas fotos de Aderbal Brandão. 

JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.

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