Noite da Cubana: Pista caliente no Alto do Céu
Desde 1992, amantes da música oriunda de países como Cuba, Panamá, Venezuela, Porto Rico e Colômbia são atraídos, aos domingos, ao Clube Bela Vista
TEXTO MARIA EDUARDA BARBOSA
FOTOS OTAVIO DE SOUZA
01 de Fevereiro de 2016
Salão do Clube Bela Vista
Foto Otavio de Souza
Três de janeiro de 2016. Também conhecido como o primeiro domingo deste ano. O que se encontrava no Alto do Céu, Zona Norte do Recife, eram ruas movimentadas, barracas de comidas sendo montadas e música cubana se propagando pelo lugar. O epicentro, se podemos chamar assim, era no Clube Bela Vista, onde acontecem diversas festas e a já clássica Noite da Cubana, que existe há mais de 20 anos.
A primeira visão que temos do lugar é uma divisão entre entrada e saída, com catracas antigas que, ao longo da noite, giram cada vez mais devido aos transeuntes da festa. A entrada divide a bilheteria em duas partes, uma para cavalheiros, outra para damas. É como se estivéssemos de volta a uma década passada.
A simpatia e a atenção dos funcionários da bilheteria e da segurança contagiam e antecipam o que vem a seguir: uma recepção simples, mas acolhedora. Lá, é o momento de cumprimentar os amigos e se divertir, como diz Maria Alice Albuquerque, de 60 anos. Ao lado da amiga Dilene Bezerra, que faz questão de mostrar a carteira de sócia do Clube Bela Vista, ela frequenta assiduamente a Noite da Cubana e ressalta que não perde uma só edição do evento desde a sua criação, em 1992.
O DJ Valdir Português e o coordenador Edinho Jacaré
Em todos os cantos do clube, encontra-se um público diversificado em várias faixas etárias. Enquanto Sérgio Guitarra (Guitarra é um apelido colocado pelos amigos, que agora se tornou seu “nome artístico”, como ele brinca) dança com sua esposa Maria das Graças, ambos frequentadores antigos da Noite da Cubana, a estudante de Nutrição Camilla Bacalhau, de 21 anos, explora o lugar pela primeira vez. A potiguar passa férias na capital pernambucana e aproveitou o momento para conhecer a famosa festa, com as amigas da prima.
Sérgio é apaixonado pela música cubana desde os 10 anos de idade. Atualmente com 75 anos e morador do Alto Santa Terezinha, foi um dos fundadores do Clube Bela Vista, que antes abrigava o Cine Bela Vista. O clube era um pequeno espaço que foi se ampliando com algumas reformas e hoje possui um salão para dança, localizado bem no meio do lugar, dividido em duas partes: uma próxima ao Bar Brasil e a outra, no Bar Cubano.
Homenageada nas canções Bela Vista Social Club, da Frevotron, e Bela Vista, da Academia da Berlinda, a Noite da Cubana foi fundada por dois amigos de longa data –Edinho Jacaré e Valdir Português. Edinho, bastante simpático e receptivo, coordena o evento, enquanto Valdir fica encarregado da discotecagem, na cabine de som em companhia de seus CDs com músicas dos mais variados países, como Porto Rico, Cuba e Colômbia. Da cabine, vemos o salão de dança, onde as pessoas passeiam através de passos de danças. No começo, aproxima-se um casal e, depois, o lugar se abarrota de gente até não sobrar mais espaço.
COMEÇO
Edinho conheceu Valdir em uma feira de troca-troca, na qual o DJ buscava vinis de artistas da música cubana. “Encontrei-me com ele e a gente ficou amigo até hoje. E nós conseguimos até hoje esse lindo sucesso que está por aí espalhado em todo território”, completa Edinho.
As amigas Dilene Bezerra e Maria Alice são assíduas da Cubana
Morador do Alto do Céu, foi convidado pelo clube para fazer a festa e o coordenador aproveitou a oportunidade para chamar Valdir. “Ele disse: ‘Eu vou fazer uma’. E eu: ‘Não, você vai fazer várias’. E está aí até hoje”, relembra Edinho Jacaré. Criada em 1992, a festa chamava-se Manhã de Sol Cubana. No entanto, os frequentadores costumavam chegar ao entardecer e, assim, o evento passou a ser realizado à noite, sendo atualmente das 18h à 1 hora, sempre no primeiro e terceiro domingo de cada mês. “Eu sou mais coordenador e a seleção musical é de Valdir Português. E a gente vem nesse sistema esses anos todinhos”, ressalta o fundador.
Embora a festa se concentre no Clube Bela Vista, Valdir e Edinho tocam em outros lugares. Já passaram pelo Recife Antigo, por Garanhuns, São Paulo, pela Bomba do Hemetério, entre outros. Os dois amigos nunca foram a Cuba, mas tiveram a oportunidade de reunir 65 cubanos no Clube Bela Vista. Edinho destaca a aproximação dos jovens ao evento e salienta que “cada vez mais o público vai se encantando”.
Hoje, a festa é chamada de “Família Cubana”, como explica João Batista, atual presidente do Clube Bela Vista. Sentado em sua mesa da diretoria, no primeiro domingo de 2016, ele contabilizava os ingressos da bilheteria enquanto as pessoas se entregavam ao ritmo cubano no salão. Fundado em 24 de outubro de 1980, o lugar sempre promove eventos às quintas, sábados e domingos, nos quais a característica maior da festa é ser dançante. Seu Batista conta que, no início, a Cubana era frequentada por pessoas da terceira idade. Mas, em meados de 2007 e 2008, começou a atrair pessoas de outras faixas etárias.
Como morador do Morro da Conceição, Valdir Português (o sobrenome é uma homenagem ao pai, que era português) conta que se apaixonou pela música cubana e desejava conseguir os discos dos músicos. Ao completar 12 anos, ele começou a trabalhar e conseguiu comprar seu primeiro disco. “Fiquei muito feliz. E, até hoje, eu conservo ele.”
Seu Valdir ressalta a dificuldade em conseguir discos de música cubana. Com o salário que recebia, ele comprava um e assim foi fazendo sua coleção até que a chegada da internet começou a facilitar a busca pelas canções. “Aí ficou mais fácil. A gente vai e procura uma música de Porto Rico, Panamá, Cuba, Venezuela, do mundo inteiro”, ressalta. Apesar de ter começado a ser DJ com vinil, atualmente só toca com CDs, e não gosta de trabalhar com computador.
O DJ, que comanda a seleção musical da Cubana, considera esta como uma programação difícil. “Hoje, eu tento resgatar alguma coisa com a rapaziada nova. Devagarinho, estou conseguindo. Pelo menos, até aqui, a música cubana vai muito bem, ela não tem problema de dançarinos, pois sempre aparecem.”
PAIXÃO
Ao mesmo tempo em que a aurora surge iniciando os dias, a música cubana é um dos guias do amanhecer de Josemar Vieira. Quando acorda, às cinco horas da manhã, para tomar banho e ir trabalhar, não pode faltar o som ligado com música cubana. Ao cumprir a jornada de trabalho como motorista de ônibus, a música também integra o horário de Josemar, que passa o expediente ouvindo o ritmo musical no rádio. “Trabalho o dia todinho com o pen-drive de música cubana. Para me acalmar, tenho que dançar.”
O casal Maria da Conceição e Josemar Vieira frequenta a festa desde o começo
Casado com Maria da Conceição, Josemar, aos 50 anos, não perde a vontade de dançar por um só minuto. O suor pelo corpo entrega o quanto o casal já aproveitara a noite, e promete continuar a dança. Entre uma pausa e outra para tomar refrigerante e conversar com a Continente, o olhar sempre se volta para o salão de dança, que os atrai pelo ritmo. “Desde que me entendo por gente, não perco a cubana por nada. Desde que vim pela primeira vez, me apaixonei.”
Maria da Conceição é cabeleireira e também carrega a música cubana na alma, para além do clube. Nos domingos de festa, o casal passa a tarde descansando, poupando energia para transformá-la em dança, quando chegar ao Bela Vista.
Próximo à mesa de Josemar e Maria da Conceição, o casal Rivaldo Gomes, de 59 anos, e Laurinete da Silva, de 61 anos, dança por todo o salão com suas roupas padrozinadas na cor azul. Eles são casados há 40 anos e frequentam a Cubana desde a época em que se intitulava “Manhã de Sol”. Moradores da Campina do Barreto, também na Zona Norte do Recife, eles foram convidados por Edinho Jacaré para conhecer a festa. Ambos são fãs do evento e Laurinete destaca que aprendeu a dançar com suas colegas e ao frequentar gafieiras. Diferentemente dos filhos, que não se interessam pelo evento, o casal o aproveita por todos eles.
Ao passar as horas da noite, cada vez mais pessoas se aproximam do Clube Bela Vista, que cobra R$ 5 pela entrada, até chegar o momento em que a rua congestiona por alguns minutos. Mas nada que atrapalhe a vontade de dançar e se soltar ao som de Valdir Português e da receptividade de Edinho Jacaré.
MARIA EDUARDA BARBOSA, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.