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Gisela Motta e Leandro Lima

Por uma nova ideia de autoria

TEXTO Luciana Veras

01 de Fevereiro de 2016

Lâmpadas comuns são motorizadas para emular o ritmo dos oceanos

Lâmpadas comuns são motorizadas para emular o ritmo dos oceanos

Foto Cortesia Galeria Vermelho

Eles nasceram em 1976 e cresceram em bairros distintos de São Paulo: uma no Ibirapuera, o outro em São Domingos. Conheceram-se ao ser aprovados no vestibular de Artes Plásticas da Fundação Armando Alvares Penteado/FAAP. Ela havia tido aulas de desenho e de aquarela na adolescência, ele já tinha “se engraçado” com o vídeo, de tanto observar o pai, funcionário de diversas emissoras de televisão. Uma vez juntos na faculdade, não tardaram a desenvolver projetos em parceria, de modo que, com o passar do tempo, não mais fazia sentido discernir o que era criação de um do que fora inventado pelo outro. Nasceu, assim, a dupla de artistas Gisela Motta e Leandro Lima.

São casados, pais de um filho e parceiros na concepção e execução dos trabalhos – podem ser vistos em Calar (2011), no qual encenam as mudanças na temperatura da epiderme a partir do toque do outro, e também na videoinstalação O beijo (2004). Possuem um ateliê/laboratório e um escritório na própria residência, e acreditam que, no âmbito da arte contemporânea, não existe um hiato entre descanso e labor. “Trabalhamos o tempo inteiro. Não tem como não ser um artista full time, sabe? Se não estamos efetivamente trabalhando em um projeto, estamos pensando nos resultados que podem ser gerados ou entendendo as ideias que vão surgindo. Vários dos nossos trabalhos foram feitos enquanto estávamos de férias”, conta Leandro.


Clássico Psicose foi refeito a partir de extensa pesquisa em banco de dados.
Foto: Cortesia Galeria Vermelho

Foi assim, por exemplo, com Anti-horário (2011), elaborado quando os dois participaram de uma residência no Mamam do Pátio de São Pedro, no Recife. No vídeo de uma hora de duração, cujas imagens foram captadas junto a uma ruína no Cabo de Santo Agostinho, o ritmo de um relógio analógico é reproduzido com Gisela e Leandro correndo como se fossem o ponteiro dos minutos e o filho deles, o marcador dos segundos. A sensação é de um convite para a análise daquela passagem do tempo. “Em todos os nossos trabalhos, consideramos o tempo do observador, o tamanho da sala, tudo relacionado dentro de um código, de uma dinâmica museológica. E, de uma certa maneira, usamos também o cotidiano como tema”, explica Gisela.


Mais de Psicose. Foto: Cortesia Galeria Vermelho

Ela continua: “Nosso trabalho tem muita influência da cidade no sentido do que é estar aqui hoje, menos da forma em como inseri-lo no contexto urbano e mais como a gente experimenta a nossa vivência e como quer trabalhar algumas questões do que é ser alguém nessa cidade, com vários conflitos”. Em I.E.D (2007), por exemplo, um coração é remontado como se fosse uma bomba caseira, composta por objetos do cotidiano – latas de refrigerante, frascos de detergente e um maço de cigarros – e na iminência de uma detonação, o que já desperta o olhar para a ansiedade recorrente da vida atual.


Os artistas buscam um trabalho a ser vivenciado pelo observador. Obra Espera.
Foto: Cortesia Galeria Vermelho

Nas duas décadas de trajetória artística, os dois não apenas desafiaram as noções de autoria – assinam juntos desde quando fizeram o trabalho de conclusão de curso – como ampliaram as possibilidades de exploração dos meios e suportes. Um mesmo elemento – uma lâmpada comum – pode engatar múltiplas camadas de significado. Em Zero hidrográfico (2010), 60 lâmpadas fluorescentes são montadas e motorizadas de modo a compor um diagrama iluminado que se assemelha ao mar – “zero hidrográfico” é a altitude tomada como baliza para aferir a profundidade dos oceanos, cujas águas tendem a se elevar diante do aquecimento global. Já em Relâmpago (2015), a potência e o mistério dos raios são transpostos para ambientes internos, numa interessante colisão entre as forças da natureza e a energia elétrica, sem a qual a civilização não mais sobrevive.

Os dois descrevem seu processo criativo como uma ode à conceituação sem submissão à tecnologia. “Faz parte da política do nosso trabalho, e acredito que é justamente onde é mais questionador, o fato de ser conceitualmente forte. Nossa forma de produção não é sair na rua com a câmera atrás de uma ideia, não é intuitiva nesse sentido; é muito mais estratégica e planejada”, comenta Gisela. “Uma outra característica nossa é que a tecnologia entra muito natural, não como um elemento que tentamos colocar por uma questão externa. Cada instrumento usado tem uma poesia e usamos o conhecimento da técnica para subvertê-lo quando necessário”, emenda Leandro.


Trabalho Anti-Horário foi concebido e exposto durante residência no Mamam do Pátio de São Pedro, Recife. Foto: Cortesia Galeria Vermelho

Prova disso é um dos trabalhos mais recentes, Psicose (2015), exibido na Mostra Rumos do Itaú Cultural. Numa era saturada pelo acúmulo de imagens, eles refizeram o clássico de Alfred Hitchcock, rodado em 1960, sem produzir um único fotograma sequer. “A ideia de refazer não é genial. O desafio era refazer o filme sem produzir nenhuma imagem. Separamos os 996 cortes secos ou fusões da narrativa e passamos um ano trabalhando, pesquisando todos os dias em bancos de imagens para achar as que poderiam dar conta de todas aquelas cenas”, detalha Gisela.

A mesma minúcia se percebe em Espera, Contra Duchamp e Deposição, todos datados de 2013, ou em Bugado e Chora chuva, de 2014. Para Gisela Motta e Leandro Lima, a obra de arte só se concretiza no encontro com quem se dispuser a frui-la. “Buscamos um trabalho para ser vivenciado, para ser sentido como uma experiência e que só aconteça com o observador”, sintetizam. 

LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.

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