A partir desse universo, Carla Denise recortou três narrativas: Comadre Fulozinha – um plantador de cana entra em crise e revê sua atitude em relação ao ambiente, após ter contato com a protetora das matas; As desventuras de Ioiozinho – filho de dono de engenho segue os passos do pai e, por suas brincadeiras maldosas, recebe um castigo infernal; e O negrinho do pastoreio – um pequeno escravo é salvo do martírio imposto pelo senhor de engenho e, nessa versão, consegue mudar o rumo de sua vida. Esses contos surgiram, primeiramente, do livro Assombrações e coisas do além, da escritora Fátima Quintas. Mas há uma imersão cênica nas produções intelectuais do sociólogo Gilberto Freyre, do historiador Leonardo Dantas Silva, dos estudiosos do teatro do povo do Nordeste Hermilo Borba Filho, Fernando Augusto Gonçalves Santos, Marco Camarotti, Marcondes Lima e Érico José.
A primeira encenação aconteceu em agosto de 2011, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife. “O algodão-doce serve de alegoria para um passado no qual a aparência esconde processos difíceis e histórias de sofrimento e superação”, afirma a autora. Ela entende a proposta como um ato político, direcionado para o público infantojuvenil e seus pais. À maneira do teatro de Marcondes Lima, os entreatos são recheados de canções originais e tradicionais, transcriadas pelo artista Henrique Macêdo, referentes aos folguedos populares. São cantos religiosos, de trabalho, de brincadeiras infantis e toadas. Conforme diz o livro, são 20 bonecos, entre 50 cm e 1,80m, confeccionados pelo Mão Molenga, animados pela técnica mista, de luva e manipulação direta.
Mão Molega é integrado por Marcondes Lima, Fátima Caio, Carla Denise (autora) e Fábio Caio. Foto: Sávio Uchôa/Divulgação
Em cena, os manipuladores devem ser maquiados e vestidos como cortadores de cana. Os elementos cenográficos, próprios de brincadeiras populares, como as lançadas do maracatu de baque solto e os arcos do cavalo-marinho. “Tons, texturas e outras qualidades plásticas que lembram o açúcar de todos os tipos e outros derivados, como o melaço, a rapadura e o caramelo, aparecem nos figurinos usados pelos bonecos”, detalha. Diversas imagens do Mão Molenga em ação e do universo da cana-de-açúcar estão distribuídas em duas partes do livro.
Nas primeiras linhas da publicação, Carla Denise versa sobre a atualidade da sua obra, quando traça o paralelo entre os atos de racismo na internet e o precedente histórico desse comportamento, registrado na narrativa O negrinho do pastoreio, fixada desde cedo no nosso imaginário. “Continuo acreditando na importância de unir provocação e arte, principalmente para as pessoas em formação. O teatro, uma expressão viva e ao vivo, tem sido um maravilhoso espaço de troca para Algodão doce”, acredita Denise.
ULYSSES GADÊLHA, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.