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Acervos: Fonogramas e partituras a salvo

Instituições de referência em Pernambuco guardam coleções de importância mundial, aos poucos digitalizadas e colocadas ao alcance de pesquisadores, regentes, intérpretes e do público

TEXTO CARLOS EDUARDO AMARAL
FOTOS LEO CALDAS

01 de Janeiro de 2016

Acervo da Fundaj inclui raridades, como vinis coloridos

Acervo da Fundaj inclui raridades, como vinis coloridos

Foto Leo Caldas

No Instituto Ricardo Brennand (IRB), existe uma rampa entre a Pinacoteca (o edifício principal da instituição) e o Castelo São João (onde fica a sua famosa coleção de armas brancas) pela qual o público em geral não pode seguir, porque os seguranças logo vedam a caminhada inadvertida por ela. Somente funcionários e pesquisadores previamente autorizados têm permissão para ir de carro por aquela via, que dá acesso à saída externa da biblioteca do instituto.

Contudo, qualquer pessoa que esteja visitando o IRB no horário normal de funcionamento – de terça a domingo, das 13 às 17h – pode consultar o acervo de quase 70 mil volumes adquiridos pelo instituto ou por seu fundador desde o ano 2000. Esse quantitativo engloba as coleções recebidas ou compradas de associações, como a Sociedade Auxiliadora de Agricultura e o Instituto do Açúcar e do Álcool, e de personalidades importantes como a escritora Lêda Rivas, o marchand Giuseppe Baccaro, a pianista Elyanna Caldas, o bibliófilo Edson Nery da Fonseca (1921-2014) e o historiador José Antônio Gonsalves de Mello (1916-2002).

Para os musicólogos, a coleção mais valiosa é a que pertenceu ao padre Jaime Cavalcanti Diniz (1924-1989), com mais de 3 mil volumes, entre livros, discos e partituras de 52 compositores pernambucanos desde os tempos do Brasil Colônia. Entre esses manuscritos raros estão o Miserere para os sermões da Quaresma, de Luís Álvares Pinto (1719-1789), e a Missa em três vozes em fá maior, de Francisco Libânio Colás (ca.1830-1885). O IRB adquiriu a coleção em abril de 2002, seis meses antes de ser inaugurado, diretamente da irmã do compositor, Nitalva Diniz de Medeiros.

A coleção de Giuseppe Baccaro, com seus mais de 11 mil itens, contém 1.142 partituras impressas e 35 manuscritas; há também cerca de uma centena de discos de vinil doados pela UFPE que faltam ser catalogados. Mas as partituras, os discos, livros, programas de concerto, folhetos e periódicos legados por padre Jaime Diniz chamam a atenção tanto por si sós quanto pelas anotações pessoais do clérigo e professor sobre eles, ainda não indexadas.


Aruza de Holanda coordena a biblioteca do Instituto Ricardo Brennand

Wheldson Marques, historiador e auxiliar de pesquisa da biblioteca do IRB, acrescenta que a entidade está buscando viabilizar, por intermédio de editais públicos, o restauro dos manuscritos musicais mais antigos encontrados por padre Jaime Diniz, e salienta “o sistemático trabalho que vem sendo desenvolvido para higienização, desinfestação, pequenos reparos e acondicionamento do material”, feito por consultoria técnica. Além disso, todos os manuscritos do instituto estão sendo digitalizados em equipamentos importados, e todas as coleções, cadastradas no sistema Sophia Biblioteca.

Com um orçamento institucional anual de R$ 6 mil para aquisição de livros até 2014, o instituto optou pela atualização do acervo por meio de pedido de doações a editoras, buscando contenção de gastos. “As doações pessoais de Ricardo Brennand continuam mantidas”, garante Aruza de Holanda, coordenadora da biblioteca. Ela ressalta que, além de todo o arquivo documental, o IRB também contempla uma programação musical periódica, a qual inclui o projeto Acordes para o Museu, no primeiro domingo de cada mês, com intérpretes convidados, e o Museu Sonoro, uma ação educativa e interativa, com performances para o público visitante.

O instituto possui, além disso, seis instrumentos de teclado: três pianos (dois Steinway & Sons e um Chateaubriand), dois órgãos (sendo um Domenico Mangino do séc. 18, no ambiente principal do Castelo São João) e um clavicórdio. Na Sala do Conselho do IRB, dois andares acima da recepção da biblioteca, a beleza de um dos Steinways disponíveis para recitais quase passa desapercebida diante da mobília, dos vitrais e dos quadros do mais nobre (e menos conhecido) dos espaços do instituto, até o momento em que suas cordas soam e impõem o poderoso timbre que tornou a marca de instrumentos norte-americana incontestável.

FUNDAJ
Um não menos considerável conjunto de partituras e fonogramas encontra-se na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no Bairro de Apipucos, sob a guarda do Cehibra (Centro de Documentação e Estudos da História Brasileira), que possui dois setores: a Biblioteca Blanche Knopf, com seu acervo de livros, obras raras e periódicos, e a Coordenação de Documentação e Pesquisas Históricas, que abriga acervos iconográficos, textuais, cinematográficos, fonográficos, musicográficos e em microfilmes.

Todas as aquisições na Fundaj, sejam por compra ou doação, passam obrigatoriamente pela Comissão de Aquisição de Acervos, que analisa a pertinência ou não da aquisição, pelo ponto de vista da importância histórica, do valor artístico, da raridade, do estado de conservação, do valor financeiro e de outros critérios. “O processo é submetido ainda ao crivo do Conselho Diretor da Fundaj, que julgará o mérito da questão e encaminhará ao setor financeiro para avaliar a disponibilidade orçamentária, em caso de compra”, complementa Albertina Malta, coordenadora de documentação e pesquisas históricas.


Padre Jaime Diniz pesquisou e conservou livros e partituras

O acervo fonográfico e musicográfico da Fundaj formou-se em 1981 e recebeu, desde então, contribuições de grande magnitude, como a coleção de discos de 78 RPM da Rádio e TV Jornal do Commercio, as partituras do compositor Alfredo Gama (1867-1932), o arquivo pessoal do maestro e compositor de frevo José Menezes (1924-2013) e os manuscritos dos arranjos orquestrais de Sivuca (1930-2006), que foram gravados pelas orquestras sinfônicas da Paraíba e do Recife na última década, incluindo Feira de mangaio e João e Maria, célebres parcerias com a esposa Glória Gadelha e Chico Buarque, respectivamente.

Atualmente, a Fundaj abriga aproximadamente 33 mil documentos (90% dos quais disponíveis online), entre discos 78 RPM, LPs, CDs, compactos, partituras, arranjos musicais, fitas de rolo e fitas-cassetes. Os suportes fonográficos guardam não só obras musicais, mas também depoimentos gravados de personagens de destaque na história do rádio e da vida política, social, científica e cultural do Nordeste, e a própria fala do homem comum da região, fruto de pesquisas realizadas pelo Cehibra há mais de três décadas.

Entre as raridades sonoras guardadas na fundação, as pesquisadoras do Cehibra Elizabeth Carneiro e Nadja Tenório destacam um disco de 16 polegadas em 33 RPM com a canção Rato rato, de autoria de Casemiro Rocha e cantada por Alfredo Silva, gravado pela Odeon e datado de 1945, que virou um hit parade das tropas norte-americanas sediadas no Recife durante a Segunda Guerra. Outros discos, produzidos na França e Inglaterra entre as décadas de 1940 e 1970, traziam prensagem sobre plástico transparente com desenhos coloridos e formas que fugiam do tradicional “bolachão”.

Elizabeth e Nadja mencionam também os registros em fitas de rolo coletadas durante a realização da Pesquisa de Etnomusicologia da Região Nordeste do Brasil, numa parceria entre o Instituto Interamericano de Etnomusicologia e Folclore e o então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, com assistência da Organização dos Estados Americanos e do Conselho Nacional de Cultura da Venezuela. “Ocorrida nos anos 1976 e 1977, a pesquisa tinha por objetivo localizar geograficamente e fazer registros sonoros, fotográficos e fílmicos referentes à etnomusicologia e ao folclore nordestinos, com ênfase nos aspectos musicais”, relatam.

A documentação fonográfica da Fundaj rendeu também muitas produções acadêmicas e musicais. As de maior relevância incluem os CDs Descobrindo João Pernambuco (2000), fruto de pesquisa do violonista e maestro Leandro Carvalho, Irresistível miudinho (2009), do pianista e arranjador Deneil Laranjeira, e a pesquisa realizada pelo maestro Zoca Madureira para as aulas Tributo a Capiba, em 2011, nas quais Ariano Suassuna celebrava parte da obra menos conhecida do compositor. Nesse tributo, trazia à cena músicas como Tu que me deste o teu cuidado, seresta sobre poema de Manuel Bandeira, e Sino, claro sino, a partir do poema de Carlos Pena Filho. 

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