Este ano, na parte externa do pavilhão brasileiro da 56ª Bienal de Veneza, junto com a bandeira verde, amarela e azul nacional, está hasteado um par de tênis velhos e furados. A instalação, intitulada O estado das coisas II, é do artista plástico paulistano André Komatsu, convidado do país para o evento, ao lado da paraense Berna Reale e do luso-brasileiro Antonio Manuel.
Como se comporta o que se consome, como se consome o que se comporta,
de 2009, foi realizada a partir dos 20 anos da queda do Muro de Berlim.
Foto: Divulgação
Segundo Komatsu, a obra pretende se contrapor à noção positivista de ordem e progresso e ser uma ode ao indivíduo comum, ou, nas palavras do autor, ao “trabalhador ordinário”, que está em geral à margem e, no entanto, representa, para ele, mais fielmente a ideia de nação. Nascido em 1978, André Komastu graduou-se em Artes Plásticas pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em São Paulo, e tem explorado um caminho artístico de questionamento social e politicamente engajado.
Instalação Construção de valores, exposta na Ucrânia em 2012, dispõe de fotocópias e ventiladores ligados, criando ambiente caótico. Foto: Divulgação
Um aspecto importante a ser considerado na produção de Komatsu é que ela se insere entre o conceito de que o homem (o artista) é filho de seu tempo e da extrema liberdade, alcançada a partir dos anos 1960, de recusar identidades compartimentadas, que fazem cada vez menos sentido no atual mundo da arte. Ainda que se afaste de um historicismo datado e de uma militância que sacrifique seu projeto estético, o artista paulistano faz questão de fincar bem os pés no real, nas contradições contemporâneas, sem contudo abrir mão daquele universalismo ao qual se referia Ronaldo Brito.
Utilizando restos, ruínas, materiais de construção civil – como tijolo, areia, madeira, ferro e concreto –, caixas de papelão, vidro, papel, além de fios, pregos e lâmpadas, Komatsu propõe um deslocamento dessas matérias-primas para construir obras conflituosas e problematizadoras. Um dos pontos recorrentes em sua produção é o de anamorfose, isto é, uma distorção do que se vê passível de mudança, de acordo com a alteração do ponto de vista. Em Anamorfose sistemática 2, por exemplo, ele concebe prateleiras de compensado quebradas ao meio, para expor a fragilidade das coisas e sua inutilidade enquanto elemento ordenador – na medida em que serve para reunir e organizar objetos – da vida cotidiana.
Status quo, obra que aborda liberdade e aprisionamento, pode ser vista até novembro na Bienal de Veneza. Foto: Divulgação
Já em Status quo, que pode ser vista até o dia 22 de novembro na Bienal de Veneza, um ambiente mais ou menos retangular, vazado e translúcido é criado com alambrado de aço e plásticos, “como uma arapuca ou gaiola”, explica. Do lado de fora da instalação, o sentimento é de aprisionamento, e o público é direcionado a percorrer uma trajetória estreita e opressora até o interior da área, onde há, curiosamente, um grande alívio. A obra questiona o espaço urbano e os limites entre público e privado, além de abordar dois conceitos-chaves do regime democrático: o arbítrio, a liberdade. Este é o tom politizado, inclusive, de todo o pavilhão brasileiro na bienal, cujo título É tanta coisa que não cabe aqui faz referência a cartazes mostrados nas manifestações de junho de 2013.
Instalação Disseminação concreta traz o "corpo esmagado" no espaço urbano.
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Com uma carreira relativamente recente, iniciada nos anos 2000, o artista paulistano já teve trabalhos expostos em lugares como Inglaterra, Portugal, França, Japão, Itália, Eslovênia, México, Porto Rico e Colômbia. Participou ainda de residências artísticas nos Estados Unidos e Espanha e foi duas vezes (2010 e 2011) indicado ao Pipa, prestigioso prêmio das artes visuais no Brasil.
Interessado no que é disfuncional para criar metáforas e propor novos modos de enxergar a realidade, ele aposta na desestabilização de ideias para exercer sua potência criadora. André Komatsu produz com a consciência de que, na arte, convencer o espectador ou apontar verdades é ineficaz, e segue a trilha de uma poética política sensível, entre o desconforto e a sugestão.
MARINA MOURA, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.