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A polivalência de quatro músicos

Experientes instrumentistas formam o Pernambouc Quartet, com intuito de apresentar ritmos nordestinos à França, onde cumprirão agenda de festivais e workshops

TEXTO Valentine Herold

01 de Outubro de 2015

Breno Lira, Lucas dos Prazeres, Antônio Marinho e César Michiles integram o projeto

Breno Lira, Lucas dos Prazeres, Antônio Marinho e César Michiles integram o projeto

Foto Rafael Bandeira

O nome não deixa dúvidas: é bem de música e de músicos pernambucanos que estamos falando. O frevo das ladeiras de Olinda, o repente do sertão do Pajeú, a percussão de matrizes africanas do Morro da Conceição e os acordes dos ritmos tradicionais do Agreste se encontram no Pernambouc Quartet, formando uma amálgama rítmica e melódica que emana dos instrumentos de Lucas dos Prazeres (percussão), César Michiles (flauta transversal), Antônio Marinho (voz) e Breno Lira (violão e guitarra). Agora em novembro, o quarteto embarca para a França, onde vai cumprir uma agenda de festivais e workshops sob o propósito pelo qual foi criado, a pedido da jornalista francesa Françoise Degeorges e sob a tutela e curadoria do produtor pernambucano Amaro Filho.

Desde o início de agosto, os músicos vêm se encontrando duas vezes por semana para ajustar o repertório que será apresentado em Nîmes, Toulouse e Paris nas próximas semanas. O último ensaio ocorreu na primeira semana de setembro e foi iniciado de maneira despretensiosa, porém certeira. A chegada da equipe de reportagem não alterou o curso dos ajustes que Marinho e Lira faziam para a canção Peleja, protagonizada pela viola e escrita por Lira e Juliano Holanda, outro nome expoente da atual cena musical pernambucana. Em um movimento crescente, após repassarem alguns versos, a flauta de Michiles se juntou ao duo que, já em trio, foi complementado em seu quase final pela chegada de Lucas e de seu cajón.

Também dessa forma, pela mistura sonora, foi pensado o repertório do Pernambouc Quartet. Do coco ao frevo, passando pela embolada e pelo maracatu. Uma localidade inteira de gêneros musicais tradicionais da cultural popular nas 16 canções escolhidas pelo quarteto. Além de composições de cada um dos integrantes, foram incluídas músicas de artistas clássicos do estado, como Luiz Gonzaga (revisitado em seu Algodão, por exemplo), Domiguinhos (com Lamento sertanejo), Jota Michiles (Recife nagô) e Chico Science (com A praieira). Todas as faixas foram rearranjadas pelo quarteto de maneira contemporânea. “Resolvemos dar uma chance para um representante de outro estado também. Um rapaz muito bom que está começando a carreira agora, Heitor Villa-Lobos”, brinca Antônio Marinho, referindo-se à inclusão de Trenzinho caipira no repertório dos shows.

Aliás, as três horas de ensaio foram todas assim, repletas de brincadeiras e sinergia. Quando questionados se já haviam tocado juntos antes desse projeto, é César quem responde: “Em vidas passadas, já”. É perceptível o comprometimento de cada um com o fazer artístico, seja nos arranjos das canções ou nas inúmeras repetições de certos trechos no ensaio. Além das faixas que serão executadas pelos quatro durante as apresentações, haverá um momento de solo para cada.

A escolha do repertório se deu de forma natural, segundo os integrantes e o produtor. Havia certa premissa de representar a diversidade musical do estado, e isso foi refletido sem muito planejamento através da história e trajetória musical de cada um. “A nossa matriz individual é complementar à outra. Nós viemos do mesmo Pernambuco, a diferença é o palmo de chão onde nascemos”, explica Marinho. “É a música que tem que mandar aqui.” César complementa dizendo que a mescla de ritmos e de referências é a principal razão de estarem reunidos. “A experiência que cada um tem, a vivência musical, facilitaram muito a união do grupo.”

HERDEIROS
Lucas dos Prazeres nasceu e foi criado com a força do maracatu e da dança no Morro da Conceição. Integrou o trio instrumental Rivotrill, circula desde 2013 com o espetáculo Frevo de casa (acompanhado do Maestro Spok, de Flaira Ferro e Valéria Vicente) e, há quatro anos, criou a Orquestra dos Prazeres – projeto que reúne 30 percussionistas em uma grande orquestra –, entre outros projetos.

Breno Lira, natural de Caruaru, é formado pela UFPE e pelo Conservatório Pernambucano de Música (CPM), onde também é professor. Já trabalhou com diversos artistas, como Yamandu Costa, Hermeto Pascoal, Silvério Pessoa e Lula Queiroga, além de ter integrado a SpokFrevo Orquestra e Treminhão. Sua formação erudita cedeu espaço já há alguns anos aos acordes dos ritmos populares pernambucanos.

Diretor musical de Geraldo Azevedo, César Michiles carrega em seus sopros de flauta a herança musical de seu pai, o compositor de frevo J. Michiles. Estudou no início dos anos 1990 na Manhattan School of Music e atua também como arranjador. Com apenas 11 anos, tocou ao lado do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Fagner, Chico César e Alceu Valença são alguns dos artistas com os quais César também se apresentou.

Antônio Marinho também convive, desde que nasceu, em São José do Egito, com arte e poesia. Neto de Lourival Batista, o Louro do Pajeú, o talento de criar sextilhas e rimas cantadas permanece na família. É que Marinho integra, junto a seus irmãos Greg e Miguel e sua mãe Bia, o grupo Em Canto e Poesia.

A decisão de juntar trajetórias tão distintas foi “pensada e pinçada”, segundo Amaro Filho. “A ideia, desde o começo, era a de que seriam quatro músicos polivalentes em seus instrumentos”, explica. Esse tal começo ocorreu no último mês de fevereiro, quando Françoise, âncora de um programa sobre música ao redor do mundo na Radio France, passou uma semana em Pernambuco produzindo matérias especiais.

Durante esse período, ela entrevistou diversos músicos e representantes da cultura popular local, como Naná Vasconcelos e os próprios Antônio Marinho, César Michiles e Lucas dos Prazeres. Amaro foi quem elaborou os roteiros da viagem. “No penúltimo dia, Françoise veio com essa história de querer montar um grupo para tocar no Festival de Nîmes, do qual é curadora”, lembra o produtor. No início, Amaro pensou em formar um duo. Mas Françoise preferiu um trio. “Aí eu disse: então vamos levar um quarteto! Mas já ouvi tanto papo de gringo, que deixei para lá, achei que não fosse rolar. No dia seguinte, ela me disse que já havia falado com o pessoal do festival e que já podíamos pensar nos nomes, incluindo músicos que havíamos visitado nessa estada.”

Criado para essa turnê francesa, o Pernambouc Quartet se configura até o momento como um projeto pontual. Mas a vontade de permanecer como um grupo, quando forem solicitados, está nas conversas dos músicos. “Todo mundo tem seus trabalhos independentes e ninguém vai deixá-los. Mas, pintando convite, por que não? Acho que tem que ganhar o mundo todo. Se não for nem Lucas, nem Breno, nem César nem o Em Canto e Poesia que querem, se for o Pernambouc Quartet, vamos embora”, arremata Marinho. C’est parti, então. 

VALENTINE HEROLD, jornalista.

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