Cena de Attenberg em que personagens ensaiam um beijo inspirou o grupo de teatro pernambucano Magiluth. Foto: DivulgaçãoDENTRO DE SI
Entra em cena, então, Dente canino, em 2009. Um ano antes de a crise econômica ter chegado às finanças gregas, em 2010, o filme ganha o prêmio Um certo olhar, no Festival de Cannes, e é indicado ao Oscar na categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira. Pela primeira vez, em 34 anos, a Grécia sai da invisibilidade na mais importante premiação de cinema do mundo. No filme, o diretor Yorgos Lanthimos mostra uma família claustrofóbica, cujo paterfamilias procura incessantemente isolar seus três filhos (duas mulheres e um homem) de todo o contato com o mundo exterior.
Já adultos, eles acreditam que tudo o que está fora da mansão confortável e hermética, de onde nunca saíram, seria uma ameaça, devido à ficção criada pelo pai de que sair da casa significaria praticamente morrer. Os três irmãos não só mantêm relações sexuais entre si, como também compartilham sentimentos dos quais parecem sequer ter consciência, como o tédio, a angústia e o vazio. A filha mais velha, interpretada pela atriz Angeliki Papoulia (figura onipresente, aliás, nos filmes da “estranha onda grega”), encarna uma transgressão latente, manifestada em espasmos, em momentos que deveriam ser de adestramento, comedimento e contenção.
O filme, ao não tratar diretamente de problemas políticos, econômicos ou sociais, vislumbra caminhos e rotas possíveis para se pensar a sociedade da qual emerge. “Se adotarmos a definição de arte sugerida por Jean-Luc Godard – aquilo que produz ou que apresenta o que é exceção à regra, aquilo que perturba o que é considerado como certo –, a arte não somente se alimenta de crises, mas as gera. Não necessariamente econômicas e políticas, mas nas formas de entendimento assentadas sobre as coisas do mundo”, acredita o curador e pesquisador Moacir dos Anjos.
Para ele, a arte cria fissuras onde parece haver completude, produz ruídos onde se imaginava haver silêncio. “É natural que, nos momentos em que desarranjos e desigualdades sociais se explicitam – seja no âmbito local, nacional ou internacional –, a produção artística os repercuta e os aprofunde, apresentando-nos, no campo do sensível, a realidade fraturada em que vivemos”, acrescenta o curador.
Segundo a pesquisadora Lydia Papadimitriou, Dente canino também pode ser uma metáfora para o medo de que um substancial fluxo de imigrantes, nos últimos anos, acontecesse. “Muitos aspectos mostram que a sociedade grega quer fechar tudo, mandar todos embora, criar grandes paredes e permanecer segura dentro de si mesma. Isso é, obviamente, apenas uma parte da sociedade – mas é presente. E você pode dizer (embora o filme não mostre isso) que a extrema direita, representada pelo Golden Dawn (Movimento neonazista grego), é uma expressão disso”, interpreta Papadimitriou.
Miss Violence, que faz parte da "estranha onda grega", trata da crise econômica do país de forma mais direta. Foto: Divulgação
Em Attenberg, de Athina Rachel, vencedor do prêmio Leão de Ouro no Festival de Cannes em 2010, a crise parece ganhar teor ainda mais universal. No filme, a jovem Marina, interpretada pela atriz Ariane Labed, vive duas importantes descobertas: a do sexo e a da morte. De maneira disfuncional e tosca, ela descobre o que é o sexo a partir dos ensinamentos práticos, mas nada sensualizados, da amiga Bella. Não parece aprender. Vê o que é a morte ao acompanhar o processo de degenerescência do pai, Spyros. Mas, ao não saber lidar nem com um (o sexo) nem com outro (a morte), Marina reserva grande parte do seu tempo para ver os documentários sobre o mundo animal do cineasta e naturalista David Attenborough. Talvez como uma fuga à tarefa de agir como um ser humano pretensamente ajustado. Não sabe pronunciar “Attenborough” e fala “Attenberg”. A dificuldade – ou o próprio conflito de ser humano – ganha contornos relativamente claros em um filme cujas questões extravasam os elementos contextuais da sociedade grega.
Não é por acaso, pois, que o grupo recifense de teatro Magiluth tenha se apropriado de uma das cenas mais conhecidas do filme – aquela em que Bella e Marina ensaiam um beijo de língua nada convencional – para também falar de tensões mais universalmente humanas, na peça O ano em que sonhamos perigosamente, estreada no último mês de junho. “A arte sempre precisa do lugar da crise. Todos os lugares em crise levam inevitavelmente à arte, porque arte e vida não se separam. São dois universos amalgamados. Porém, estar no mundo, hoje, é estar em desequilíbrio de alguma maneira. Crise de se perceber como parte de um todo, de inércia, de ver tudo e não conseguir fazer muito para mudar”, justifica o ator Pedro Wagner, que dirigiu a peça cujas influências da “estranha onda do cinema grego” se fazem notar nessa e em outras cenas.
ABORDAGEM MAIS REALISTA
Apesar de todas as outras crises que estão presentes no cinema grego (as mais universalmente humanas ou as mais ligadas ao amplo contexto social na Grécia, por exemplo), a mais conhecida delas, a econômica, marca presença, sim, em algumas produções fílmicas mais recentes. Da “estranha onda grega”, Miss Violence e O garoto que comia alpiste tratam da crise de maneira mais direta, mas não de modo tão explícito como nos curtas-metragens de diretores menos aclamados internacionalmente, como Casus Belli (2010), de Yorgos Zois, e Mission Zeus (2012) e Penguins (2011), de Dimitris Zahos.
Estes dois diretores, embora coloquem a crise econômica quase como a personagem principal de seus filmes, não são considerados cineastas da new weird wave – o que mostra que, para ser rotulado como obra da “estranha onda grega”, não basta falar do assunto. “Há filmes que discutem a crise, ou são feitos depois dela, sem necessariamente serem ‘estranhos’. Mas eles são mais difíceis de vender em festivais e não são, então, anexados a um rótulo particular que possa atrair a atenção internacional”, escreve a pesquisadora e professora do King’s College London, Belém Vidal, no artigo Crise e criatividade: os novos cinemas de Portugal, da Grécia e Espanha (tradução nossa).
Para o diretor Dimitris Zahos, há uma nova geração de cineastas gregos que tratam da realidade grega de maneira mais direta, sem a estética “bizarra” da “estranha onda grega”. “Como diretor, eu prefiro me referir à realidade mais diretamente. É uma preferência pessoal e eu considero isso mais sincero. Também acredito que essa nova geração tem mais estrutura e formação em cinema do que a anterior”, acredita Zahos. Ele cita Filippos Tsitos, Athanasios Karanikolas e Panos Koutras como exemplos de cineastas que tratam de questões da sociedade grega com uma estética mais realista.
Com uma abordagem mais direta, Zahos traz em Mission Zeus, então, um homem de negócios alemão que é abandonado por um taxista grego em um bairro periférico de Atenas, em uma espécie de reação raivosa à intervenção de empresários e políticos estrangeiros no país. O curta-metragem transforma-se em comédia, quando o empresário alemão acaba por se envolver afetivamente com a atmosfera descontraída de uma festa grega que acontece no bairro. “Na verdade, a intenção de Mission Zeus foi tentar deixar toda essa situação mais leve, uma vez que estamos bastante estressados nos últimos anos. Este ano foi um desastre para os gregos, porque todas essas negociações nos meios de comunicação de massa têm nos deixado com medo. Também há muita raiva na Grécia”, conta Dimitris Zahos.
No filme Mission Zeus, um homem de negócios alemão é abandonado por um taxista grego na periferia de Atenas. Foto: Divulgação
Ainda que seja importante entender como o cinema grego contemporâneo se articula dos pontos de vista estético e político, vale lembrar que todos eles sofrem atualmente de um mesmo mal: o orçamento zero do governo para o financiamento do cinema, através do Centro do Filme Grego, uma espécie de Agência Nacional do Cinema (Ancine). O fato de o cinema, na Grécia, não ter esmorecido pela falta de orçamento – uma vez que produtores, diretores e atores têm buscado financiamento externo e trabalhado em uma espécie de economia de trocas – significa que o cinema ainda pode oferecer para a população grega um potencial de transformação no campo do sensível.
“O que se pode dizer é que uma obra engendra, sobre aquele que se deixa afetar por ela, a passagem de um determinado mundo sensível, onde algumas coisas são contadas e outras excluídas, para outro mundo sensível, onde esse recorte da realidade que inclui e exclui coisas é modificado, abrindo outro conjunto de possibilidades e de arranjos entre o que pode e não pode ser partilhado. Isso é talvez tudo o que a arte pode nos oferecer em termos de potencial de transformação”, explica Moacir dos Anjos.
Caberia ao espectador, então, a responsabilidade de realizar mudanças efetivas de algo a partir do potencial emancipador da arte. Quem sabe, o “não” votado no plebiscito na Grécia no último mês de julho tenha vindo da apreensão de uma sensibilidade compartilhada – decerto trôpega, mas talvez preservada de alguma forma pela arte – de que o cidadão grego é um ser humano a priori.
BÁRBARA BURIL, jornalista, com pesquisa em arte, tecnologia e imagem.
Parece que não existe apenas uma crise na Grécia, mas duas. Uma, econômica, propagada na imprensa global como se fosse a única, e outra mais ampla, que não aconteceu da noite para o dia: um desequilíbrio de valores e de identidade que permeia as relações mais íntimas na sociedade. A “estranha onda do cinema grego”, como se convencionou chamar produções mais recentes de cineastas gregos, entre os quais Yorgos Lanthimos, Athina Rachel e Alexandros Avranas, parece estar tão ou mais relacionada com uma crise geral de valores no país do que propriamente com a econômica.
A linha direta construída por críticos de cinema entre a instabilidade econômica e a chamada new weird wave, na imprensa internacional, dá sinais de que a situação carece de uma sensibilidade maior acerca de peculiaridades da sociedade grega contemporânea, e pode ser um caminho para compreender a Grécia atual. Como se a produção cinematográfica apenas se reduzisse, hoje, a mostrar os efeitos da crise econômica na constituição psíquica dos sujeitos.
É assim que pensa a pesquisadora grega Lydia Papadimitriou, especialista em cinema grego e professora da Universidade Liverpool John Moores, na Inglaterra. Para ela, embora muitas das produções fílmicas mais recentes na Grécia tratem direta ou indiretamente dos problemas econômicos, é importante não cair em reducionismos capazes de fechar caminhos para compreensões mais amplas acerca da sociedade local como um todo. No entanto, as discussões mencionadas acima vêm de um fato inegável: desde 2009, filmes gregos têm ocupado o centro dos holofotes em festivais internacionais de cinema, como o de Cannes e o de Veneza, por serem intencionalmente desagradáveis, claustrofóbicos e absurdos. “O sucesso internacional de Dente canino, de Yorgos Lanthimos, em 2009, sugeriu que, apesar de – ou, possivelmente, devido à crise –, o país pareceu ser capaz de produzir cinema digno de atenção”, acredita Papadimitriou. As produções gregas contemporâneas mais celebradas exibem famílias cujo comportamento distópico mostra convenções sociais extrapoladas ao máximo.
Para ela, o cinema contemporâneo, mais especificamente as produções unidas sob a alcunha de “estranha onda grega”, pode ter ganhado projeção internacional justamente por conta da crise econômica. Ela se tornou uma lente para entender obras como Dente canino, Attenberg (2010), de Athina Rachel Tsangari, Alpes (2011), de Yorgos Lanthimos, Miss Violence (2012), de Alexandros Avranas, e O garoto que comia alpiste (2012), de Ektoras Lygizos. No entanto, para ela, embora alguns desses filmes realmente se refiram mais diretamente à crise econômica, outros tratam justamente de um conflito de valores e de identidade que pode ser compreendido de maneira mais clara por quem vive na Grécia.
“Trata-se de uma grande questão, porque essa crise não é algo que aconteceu de repente (como a financeira), mas gradualmente, como o resultado de muitas mudanças que não foram assimiladas produtivamente e efetivamente pela sociedade grega (e as pessoas geralmente não entram em acordo quando vão explicá-la). Mas a sociedade grega viveu em duas engrenagens, uma mais tradicional e outra mais moderna. As duas, com frequência, se misturaram em formas estranhas, mas interessantes”, explica a pesquisadora. Para ela, a mistura indigesta, nos anos 2000, de escândalos políticos e religiosos, empréstimos a juros baixos, enriquecimento rápido da população, surgimento de uma geração de jovens desempregados, violência policial, ocultação de escândalos e consequente descrédito nas instituições representativas gregas pela população, entre outros acontecimentos, tornou-se o coquetel necessário para que a sociedade, não muito tempo antes de se ver como o bode expiatório para o possível enfraquecimento da União Europeia na esfera transnacional, entrasse em colapso.
DENTRO DE SI
Entra em cena, então, Dente canino, em 2009. Um ano antes de a crise econômica ter chegado às finanças gregas, em 2010, o filme ganha o prêmio Um certo olhar, no Festival de Cannes, e é indicado ao Oscar na categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira. Pela primeira vez, em 34 anos, a Grécia sai da invisibilidade na mais importante premiação de cinema do mundo. No filme, o diretor Yorgos Lanthimos mostra uma família claustrofóbica, cujo paterfamilias procura incessantemente isolar seus três filhos (duas mulheres e um homem) de todo o contato com o mundo exterior.
Já adultos, eles acreditam que tudo o que está fora da mansão confortável e hermética, de onde nunca saíram, seria uma ameaça, devido à ficção criada pelo pai de que sair da casa significaria praticamente morrer. Os três irmãos não só mantêm relações sexuais entre si, como também compartilham sentimentos dos quais parecem sequer ter consciência, como o tédio, a angústia e o vazio. A filha mais velha, interpretada pela atriz Angeliki Papoulia (figura onipresente, aliás, nos filmes da “estranha onda grega”), encarna uma transgressão latente, manifestada em espasmos, em momentos que deveriam ser de adestramento, comedimento e contenção.
O filme, ao não tratar diretamente de problemas políticos, econômicos ou sociais, vislumbra caminhos e rotas possíveis para se pensar a sociedade da qual emerge. “Se adotarmos a definição de arte sugerida por Jean-Luc Godard – aquilo que produz ou que apresenta o que é exceção à regra, aquilo que perturba o que é considerado como certo –, a arte não somente se alimenta de crises, mas as gera. Não necessariamente econômicas e políticas, mas nas formas de entendimento assentadas sobre as coisas do mundo”, acredita o curador e pesquisador Moacir dos Anjos.
Para ele, a arte cria fissuras onde parece haver completude, produz ruídos onde se imaginava haver silêncio. “É natural que, nos momentos em que desarranjos e desigualdades sociais se explicitam – seja no âmbito local, nacional ou internacional –, a produção artística os repercuta e os aprofunde, apresentando-nos, no campo do sensível, a realidade fraturada em que vivemos”, acrescenta o curador.
Segundo a pesquisadora Lydia Papadimitriou, Dente canino também pode ser uma metáfora para o medo de que um substancial fluxo de imigrantes, nos últimos anos, acontecesse. “Muitos aspectos mostram que a sociedade grega quer fechar tudo, mandar todos embora, criar grandes paredes e permanecer segura dentro de si mesma. Isso é, obviamente, apenas uma parte da sociedade – mas é presente. E você pode dizer (embora o filme não mostre isso) que a extrema direita, representada pelo Golden Dawn (Movimento neonazista grego), é uma expressão disso”, interpreta Papadimitriou.
Em Attenberg, de Athina Rachel, vencedor do prêmio Leão de Ouro no Festival de Cannes em 2010, a crise parece ganhar teor ainda mais universal. No filme, a jovem Marina, interpretada pela atriz Ariane Labed, vive duas importantes descobertas: a do sexo e a da morte. De maneira disfuncional e tosca, ela descobre o que é o sexo a partir dos ensinamentos práticos, mas nada sensualizados, da amiga Bella. Não parece aprender. Vê o que é a morte ao acompanhar o processo de degenerescência do pai, Spyros. Mas, ao não saber lidar nem com um (o sexo) nem com outro (a morte), Marina reserva grande parte do seu tempo para ver os documentários sobre o mundo animal do cineasta e naturalista David Attenborough. Talvez como uma fuga à tarefa de agir como um ser humano pretensamente ajustado. Não sabe pronunciar “Attenborough” e fala “Attenberg”. A dificuldade – ou o próprio conflito de ser humano – ganha contornos relativamente claros em um filme cujas questões extravasam os elementos contextuais da sociedade grega.
Não é por acaso, pois, que o grupo recifense de teatro Magiluth tenha se apropriado de uma das cenas mais conhecidas do filme – aquela em que Bella e Marina ensaiam um beijo de língua nada convencional – para também falar de tensões mais universalmente humanas, na peça O ano em que sonhamos perigosamente, estreada no último mês de junho. “A arte sempre precisa do lugar da crise. Todos os lugares em crise levam inevitavelmente à arte, porque arte e vida não se separam. São dois universos amalgamados. Porém, estar no mundo, hoje, é estar em desequilíbrio de alguma maneira. Crise de se perceber como parte de um todo, de inércia, de ver tudo e não conseguir fazer muito para mudar”, justifica o ator Pedro Wagner, que dirigiu a peça cujas influências da “estranha onda do cinema grego” se fazem notar nessa e em outras cenas.
abordagem mais realista
Apesar de todas as outras crises que estão presentes no cinema grego (as mais universalmente humanas ou as mais ligadas ao amplo contexto social na Grécia, por exemplo), a mais conhecida delas, a econômica, marca presença, sim, em algumas produções fílmicas mais recentes. Da “estranha onda grega”, Miss Violence e O garoto que comia alpiste tratam da crise de maneira mais direta, mas não de modo tão explícito como nos curtas-metragens de diretores menos aclamados internacionalmente, como Casus Belli (2010), de Yorgos Zois, e Mission Zeus (2012) e Penguins (2011), de Dimitris Zahos.
Estes dois diretores, embora coloquem a crise econômica quase como a personagem principal de seus filmes, não são considerados cineastas da new weird wave – o que mostra que, para ser rotulado como obra da “estranha onda grega”, não basta falar do assunto. “Há filmes que discutem a crise, ou são feitos depois dela, sem necessariamente serem ‘estranhos’. Mas eles são mais difíceis de vender em festivais e não são, então, anexados a um rótulo particular que possa atrair a atenção internacional”, escreve a pesquisadora e professora do King’s College London, Belém Vidal, no artigo Crise e criatividade: os novos cinemas de Portugal, da Grécia e Espanha (tradução nossa).
Para o diretor Dimitris Zahos, há uma nova geração de cineastas gregos que tratam da realidade grega de maneira mais direta, sem a estética “bizarra” da “estranha onda grega”. “Como diretor, eu prefiro me referir à realidade mais diretamente. É uma preferência pessoal e eu considero isso mais sincero. Também acredito que essa nova geração tem mais estrutura e formação em cinema do que a anterior”, acredita Zahos. Ele cita Filippos Tsitos, Athanasios Karanikolas e Panos Koutras como exemplos de cineastas que tratam de questões da sociedade grega com uma estética mais realista.
Com uma abordagem mais direta, Zahos traz em Mission Zeus, então, um homem de negócios alemão que é abandonado por um taxista grego em um bairro periférico de Atenas, em uma espécie de reação raivosa à intervenção de empresários e políticos estrangeiros no país. O curta-metragem transforma-se em comédia, quando o empresário alemão acaba por se envolver afetivamente com a atmosfera descontraída de uma festa grega que acontece no bairro. “Na verdade, a intenção de Mission Zeus foi tentar deixar toda essa situação mais leve, uma vez que estamos bastante estressados nos últimos anos. Este ano foi um desastre para os gregos, porque todas essas negociações nos meios de comunicação de massa têm nos deixado com medo. Também há muita raiva na Grécia”, conta Dimitris Zahos.
Ainda que seja importante entender como o cinema grego contemporâneo se articula dos pontos de vista estético e político, vale lembrar que todos eles sofrem atualmente de um mesmo mal: o orçamento zero do governo para o financiamento do cinema, através do Centro do Filme Grego, uma espécie de Agência Nacional do Cinema (Ancine). O fato de o cinema, na Grécia, não ter esmorecido pela falta de orçamento – uma vez que produtores, diretores e atores têm buscado financiamento externo e trabalhado em uma espécie de economia de trocas – significa que o cinema ainda pode oferecer para a população grega um potencial de transformação no campo do sensível.
“O que se pode dizer é que uma obra engendra, sobre aquele que se deixa afetar por ela, a passagem de um determinado mundo sensível, onde algumas coisas são contadas e outras excluídas, para outro mundo sensível, onde esse recorte da realidade que inclui e exclui coisas é modificado, abrindo outro conjunto de possibilidades e de arranjos entre o que pode e não pode ser partilhado. Isso é talvez tudo o que a arte pode nos oferecer em termos de potencial de transformação”, explica Moacir dos Anjos.
Caberia ao espectador, então, a responsabilidade de realizar mudanças efetivas de algo a partir do potencial emancipador da arte. Quem sabe, o “não” votado no plebiscito na Grécia no último mês de julho tenha vindo da apreensão de uma sensibilidade compartilhada – decerto trôpega, mas talvez preservada de alguma forma pela arte – de que o cidadão grego é um ser humano a priori.