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Jam da Silva: A geração que cresceu

Instrumentista que integrava bandas nos anos 1990 realizou um dos mais interessantes discos da década, 'Nord', o segundo álbum da sua carreira solo

TEXTO Débora Nascimento

01 de Agosto de 2015

Jam da Silva

Jam da Silva

Foto Divulgação

A maior parte dos músicos que despontaram em Pernambuco nos anos 1990 se encontrava em bandas. Além das afinidades musicais, esses cantores, compositores, instrumentistas se reuniam em grupos como forma de criar coletivamente e de enfrentar conjuntamente os problemas do mercado musical, ainda pouco conhecido. Com o crescimento profissional, alguns deles preferiram seguir em carreira solo, para terem mais possibilidades de diversificar o trabalho, enveredar por outras frentes de maneira mais independente e menos atrelada à escolha da maioria dos membros. Assim, surgiram vários artistas solos, entre eles, Silvério Pessoa (ex-Cascabulho), Siba (ex-Mestre Ambrósio), Alessandra Leão, Karina Buhr, Isaar França (as três ex-Comadre Florzinha), Otto (ex-Mundo Livre S/A) e Jam da Silva.

Ex-integrante do Dona Margarida Pereira e os Fulanos, Orchestra Santa Massa e F.U.R.T.O (com Marcelo Yuka), Jam é um dos bons exemplos dessa bem-sucedida guinada pessoal de alguns artistas, sendo um dos mais festejados atualmente no Brasil. Compositor, instrumentista e produtor, ele utiliza a liberdade de não estar vinculado a um grupo para pensar e investir sempre em novas parcerias. “Numa banda você termina se restringindo aos membros específicos; já solo toca com mais gente, pode chamar músicos diferentes pra cada música a ser gravada. Portanto, algo que parece ser individual e focado apenas numa imagem, vira um processo muito mais abrangente e coletivo do que numa banda”, explica.

Além do contato com novos parceiros (neste disco, Maciel Salú, Fábio Trummer, Juliano Holanda, Luísa Maita e a norte-americana Lisa Papineau), estar num trabalho individual vem lhe proporcionando conhecer outros lugares. “A música sempre me deu um presente a mais, permitindo que eu viajasse e encontrasse novos amigos, parceiros em cada lugar, me estimulando a criar novas sonoridades; permite, de fato, estar livre pra criar em qualquer lugar do mundo, um novo show, ou um novo álbum, sem depender de uma organização que passe por várias pessoas. Uma perfeita combinação com o meu espírito aventureiro”, revela.

Nessas andanças, o músico vai captando sons, material que se torna uma espécie de caderno de anotações de viagens e acaba servindo como fonte de inspiração para a criação ou, até mesmo, base para as composições. “Seja em estúdios ou na rua, vou montando uma biblioteca de sons meus e isso me motiva a fazer um outro processo que gosto muito, o das colagens, tendo um pensamento não em música e seus compassos, mas em cenas e imagens. Gosto de partir do chão, dos beats, a música através de um sentimento rítmico, mesmo que depois eu não use nada do ritmo, mas preciso me sentir à vontade com esse ‘chão’, e a pulsação também é muito importante. Depois vêm as melodias e, por último, as letras. Não faço pré-produção das músicas a serem gravadas, vou pro estúdio muitas vezes sem saber o que vai sair e aí depois vou trabalhando nos overdubs. Dependendo do estado de espírito do dia, elas sairão mais lentas ou mais aceleradas, e por aí segue.”

Com a experiência adquirida ao longo desses anos, Jam deu um passo importante na carreira, produziu sozinho o seu segundo álbum solo, Nord. “O primeiro, Dia santo (2008), coproduzi com o cientista do som, Chico Neves – na minha opinião, o melhor produtor do Brasil, um grande amigo que tive a sorte de esbarrar nesta vida. Com ele presenciei mais de 20 produções do mainstream brasileiro, me levava a todas as sessões de gravações de produções em que estava envolvido. Uma delas foi inesquecível, aconteceu na casa do Milton Nascimento, no disco com o Jobim Trio (Novas bossas, de 2008). Foi lindo ver e ouvi-lo cantar – coisas que ficam na memória”. Acompanhar essas gravações foi fundamental para Jam burilar o talento, ganhar experiência e adquirir a coragem necessária para decidir produzir por conta própria o seu trabalho.

Para realizar esse disco, viajou bastante. “Queria ir em busca dos sons das pessoas, uma identidade musical e não apenas bons músicos pra gravar nas músicas. Em Dia santo, usamos o estúdio como um instrumento; em Nord, o estúdio foi uma ‘máquina fotográfica’”, diz o músico, que viajou para países tão distantes quanto díspares, como Estados Unidos e Islândia. “O artista cria muito dentro do universo geográfico em que ele está inserido e a Islândia foi um lugar que sempre mexeu com meu imaginário. Queria entender como os artistas de lá faziam aquela música linda. Conhecia apenas a Björk e o Sigur Rós (o trombonista Samúel Jón Samúelsson, que já colaborou com a banda islandesa, participou de Nord), mas chegando lá pude constatar uma vasta cena musical, com bandas de garagem e músicos incríveis. Eles sempre apresentam algo inusitado e por isso são muito interessantes.”

O resultado dessa viagem é que o artista conseguiu elaborar um interessante painel sonoro, confeccionando uma vasta teia de sons, que se completam e criam ambientes, como expõe a faixa de abertura, a instrumental A vida na dança. O intrincado arranjo coletivo de Gaiola da saudade, gravada anteriormente por Elba Ramalho e Maciel Salú (coautor), respectivamente como forró e maracatu, comprova a habilidade de Jam como produtor. O disco do músico, que também é autor de trilhas sonoras, consegue o raro feito de transformar músicas em imagens na cabeça do ouvinte. Talvez por essa capacidade, Jam da Silva tenha tanto interesse em realizar bons videoclipes, como mostram os de Gaiola da saudade e Samba devagar, do álbum anterior.

Hoje, quando as facilidades de gravação estimulam os músicos a realizarem seus registros de forma caseira e até mesmo sozinhos, Jam preferiu trilhar o caminho mais trabalhoso e complexo, mas não menos prazeroso e frutífero. Entre o processo de gravação, mixagem e masterização, o disco circulou por 11 estúdios diferentes, com a participação de dezenas de instrumentistas, refletindo a diversidade dessa contribuição. Eis a evidência de que aquela geração – que começou de mãos dadas lá trás de forma coletiva, em sua própria terra, pra enfrentar o restrito e excludente mercado musical – cresceu, se expandiu, mas continua junta. E está oferecendo ao mundo grandes discos, como Nord

DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.

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