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Turbante: O adorno que faz a cabeça

Acessório utilizado por alguns povos como tradição sociocultural foi assimilado pela moda na primeira metade do século 20 e agora volta a frequentar as ruas, enfeitando gentes de todas as cores

TEXTO Marina Suassuna

01 de Julho de 2015

Foto Guilherme Malaquias para Dreescoração/Divulgação

Em 2011, a figurinista do seriado americano Sex and the city, Patricia Field, alertava: “Os turbantes são fortes candidatos ao posto de acessório-desejo nos próximos meses”. Isso porque, no longa Sexy and the city 2, a personagem Carrie, interpretada pela atriz Sarah Jessica Parker, adotava-o em seu figurino. No mesmo ano, os lenços amarrados na cabeça ganharam visibilidade em diversos desfiles de moda no Brasil. Num deles, durante a Fashion Rio, a consultora de moda Glória Kalil declarou: “Turbante é uma maneira fashion de disfarçar o bad hair day”. Não demorou para que diversos blogs e portais de moda anunciassem a volta dele, que ganhou as ruas e a cabeça de várias celebridades.

No entanto, há quem questione a visibilidade que o mercado da moda vem dando ao adorno nos últimos cinco anos. “Turbantes fazem parte da nossa história há mais de 500 anos, e agora isso vem sendo tratado como uma grande novidade, o que nós, participantes ativos desse processo, sabemos que não é”, pondera a estilista baiana Loo Nascimento, idealizadora do Dresscoração, projeto de referências de comportamento e estilo inspirado na relação entre Brasil e África.


Ornamento faz parte também das raízes culturais afro-brasileiras.
Foto: Alberto Henschel/Reprodução

As primeiras citações ao uso de turbantes como item de moda pelas mulheres remontam ao século 18, na França. Nos anos 1920, o estilista francês Paul Poiret reintroduziu o traje na alta-costura como sinônimo de glamour. Ao longo do século 20, ícones da moda e das artes como Simone de Beauvoir, Sophia Loren, Twiggy e Paloma Picasso aderiram ao charme do acessório. Ele também foi assimilado pelos figurinos do cinema, fazendo a cabeça de atrizes como Greta Garbo e Elizabeth Taylor. A popularização, entretanto, veio no final dos anos 1930, com a eclosão da II Guerra Mundial. Em tempos difíceis, os turbantes se tornaram uma ótima ajuda para disfarçar cabelos mal-cuidados. Nessa época, a grande divulgadora do acessório, no Brasil, foi Carmen Miranda.

Porém, mais do que um pedaço de pano amarrado nos cabelos, com finalidade estética, o turbante pode simbolizar a sobrevivência de uma identidade e conservar detalhes fundamentais de uma cultura. Nos anos 1960, foi incorporado pelo movimento do orgulho negro, nos EUA, como sinônimo de afirmação daquela raça. Cantoras como Nina Simone e Billie Holiday foram mulheres negras que se apropriaram afirmativamente do turbante.

Além dos negros, outros grupos étnicos têm no turbante um elemento de afirmação. Na Índia, ele foi bastante difundido pelos sikhs, que usavam o adorno para cobrir seus longos cabelos, que não são cortados em respeito à criação de Deus. Os sikhs escolhem a cor de seus turbantes de acordo com o estado de espírito e a elevação espiritual que apresentam. Antes mesmo da Era cristã, já havia registros de diferentes etnias, a exemplo dos persas, anatólios, lídios, árabes e judeus, utilizando turbantes de várias maneiras. Preocupadas em esconder o cabelo, as muçulmanas amarravam-no com as pontas soltas para trás.


Desenho do estilista francês Paul Poiret, que introduziu o acessório na
alta costura. Imagem: Reprodução

SIGNOS, INSÍGNIAS
“Assim como ombreiras, perucas e afins, os turbantes eram usados como indicativos. Eles primordialmente serviam para indicar posição social, tribo pertencente, idade, e isso se dava conforme o seu tamanho, amarração e cor usada”, explica Loo Nascimento. Em várias partes do continente africano, é possível saber o estado civil das mulheres pela forma de amarrá-los. No período da escravidão no Brasil, sobretudo na Bahia colonial, era comum identificar as diferentes etnias africanas trazidas ao país através dos detalhes de seus turbantes. Entre os africanos da etnia nagô, por exemplo, era amarrado com várias voltas ao redor da cabeça. Enquanto os de origem jeje podiam ser identificados pelo tecido dobrado em formato triangular com as pontas para trás.

Nas religiões tradicionais africanas e afro-brasileiras, a exemplo do candomblé, o turbante é também conhecido como torço, ou ainda ojá. De acordo com o jornalista e museólogo José Valladares, em O torço da bahiana, mais de uma razão levava a mulher a conservar a cabeça protegida. “A primeira é resguardá-la contra o sol, sereno e chuva. A segunda é de ordem religiosa: realmente, se não com um turbante, como poderia sair à rua a filha de santo que terminou sua iniciação e que por isso está com a cabeça raspada?”

Com a autoafirmação da identidade negra nos últimos anos, no Brasil, passamos a viver uma retomada de informações estéticas afro-brasileiras, chamando a atenção para vários elementos dessa cultura, entre eles o turbante. “As pessoas têm se sentido mais bonitas assumindo nossa linguagem corporal. Nos workshops, via todas as meninas da turma mais radiantes, empoderadas pela estética não embranquecida a que nós, mulheres negras, geralmente somos submetidas. Todas pareciam estar mais preenchidas delas mesmas”, diz a designer soteropolitana Thaís Muniz que, desde 2011, mantém o projeto Turbante.se, cujo objetivo é fomentar o uso e a popularização do turbante através de workshops, tutoriais e outras colaborações.


Sophia Loren foi uma entre grandes nomes que ajudaram a difundir o adorno
na moda. Foto: Reprodução

Thaís se reapropria do adorno como lugar de militância em várias instâncias. O que era uma ocupação paralela tornou-se sua atividade principal. Ela passou a receber convites para ministrar os cursos em outras cidades e estados – “Até na Argentina fui parar, ensinando turbantes em portunhol”. Desde junho de 2014, a designer se estabeleceu em Dublin, na Irlanda, onde continua tocando o projeto e difundido a cultura do turbante. “Consegui uma didática bacana, que traz um pouco do contexto histórico e cultural dos turbantes no mundo. Na prática, ensino uma média de 12 a 15 modelos. Um grande desafio é fazer as pessoas entenderem que o projeto não aborda o tema como um site de tendências, mas uma reunião de experimentos, militância estética e vivências geradas a partir das relações criadas pelo adorno, propondo reflexões e inspirando as pessoas com a beleza e seu lado mais antropológico e histórico”, esclarece.

ATITUDE AFIRMATIVA
Assim como Thaís Muniz, Beatriz Caixeta, paulistana de Itanhaém, empreende uma rede de disseminação do turbante como experiência política e cultural. Ela é administradora da página Meu turbante, minha coroa, uma das principais referências no Facebook sobre o assunto, que conta com cerca de 14 mil adeptos. Criada em julho de 2014, a página é uma extensão das experiências compartilhadas por Beatriz, inicialmente, com cinco amigas de São Paulo.

“Em menos de três meses, o grupo se tornou algo inimaginável. Um quilombo mesmo. Eu queria um lugar em que eu e outras pessoas, que usassem o turbante, pudéssemos deixar de nos sentir sozinhas, estranhas ou excluídas por assumirmos nossa identidade. Eu não tinha essa noção de empoderamento e nem a consciência que tenho agora. Mas tudo foi fluindo. Hoje, a minha ideia é fazer com que as pessoas conheçam o poder ancestral do turbante. O que ele representa enquanto acessório estético ligado às nossas raízes”, conta.


A cantora norte-americana Nina Simone teve o turbante na sua indumentária.
Foto: Reprodução

No dia em que falou à Continente, Beatriz Caixeta tinha exatamente 1.234 mensagens para ler na página. Segundo ela, as mensagens apresentam as mais diversas motivações. “A grande parte é enviada por pessoas que curtem a página e se inspiram nos vídeos e amarrações que são postadas. Algumas enviam depoimentos do quanto são ajudadas pela página, outras xingam e criticam a postura que eu adoto nela. Há também as que pedem indicações de locais para comprar turbantes e tecidos.”

Pontos de vista como os de Glória Kalil e Patrícia Field, apontados no início deste texto, por exemplo, são tidos, em alguns contextos, como desrespeitosos, já que a escolha pelo adorno está longe das reivindicações dos negros. “Como mulher, negra e brasileira, o que mais incomoda não é uma pessoa branca, verde ou amarela usar um turbante, mas, sim, tratar isso como um movimento passageiro da moda e não o assumir como identidade afro-brasileira. O que quero é ser incluída e não temática. Se quer usar o que veio para sua cultura através do negro, aprenda, entenda e inclua o negro”, reivindica Loo Nascimento.


Os Sikhs escolhem a tonalidade seus turbantes de acordo com a elevação
espiritual. Foto: Reprodução

Professora, mestre em Ciências Sociais e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros (Neiab) da Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM), Eliane Oliveira enxerga a utilização de elementos tradicionais da cultura afro pela moda como indevida. “Acredito que essas adaptações servem muito mais para que a elite branca se aproprie da parte que melhor lhe cabe da cultura negra, tornando-a mais aceitável aos olhos do branco cristão.”

Em contrapartida, considerar que a moda pode contribuir para a disseminação do turbante enquanto linguagem visual estética dotada de memória, ancestralidade e simbologia é uma ideia válida para muitos. Pedagoga e mestre em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia, Paula Zaviche descarta a possibilidade da relevância social, política e cultural do turbante ser descaracterizada por causa do uso ampliado a diversos públicos. “Moda é política. Se, para usarmos nossa estética com liberdade, tivermos que contar com a moda, que ela seja nossa aliada. A moda é uma essencial estratégia para a desconstrução das ideias racistas dominantes.”


Thaís Muniz ensina o passo a passo para atar um dos vários tipos de turbantes.
Foto: Shai Andrade/Divulgação

MODA QUE INCLUI
Assim como Zaviche, o estilista pernambucano Eduardo Ferreira acredita que o papel da moda está na função de incluir e preservar. “A moda tornou-se um importante portal de autoconhecimento de vivências pessoais e coletivas. Ela ainda é alicerçada na memória, no artesanal e no afeto. Acredito na moda como reflexo de contextos culturais, na moda que vem das ruas e na sua relação com o comportamento. Toda tentativa respeitosa e contextualizada de aproximação do design criativo às nossas origens é válida”, defende o estilista, que começou a desenhar croquis com turbantes ainda na infância, por influência das vizinhas.

“Elas usavam o turbante tanto religiosamente como no cotidiano. Eu morava numa comunidade no Bairro de Caxangá, e lembro os seus trajes pendurados no varal e o impacto estético que isso me causava.” Mais tarde, já com carreira consolidada, Eduardo Ferreira incluiu o turbante em várias de suas coleções, entre elas a Sempre fui santa (1997) e Autópsia (1998), além de ter participado, em 2008, do seminário Moda na África e no Brasil, realizado no Museu da Cidade, no qual apresentou uma performance que explorava, além de burcas e mantilhas, os turbantes.

“Não há problema em mercantilizar a produção da moda afro, muito pelo contrário, negros precisam de dinheiro para sobreviver em qualquer sociedade capitalista, e temos mesmo que ser empreendedores. A questão é: quem está lucrando com isso? Somos nós mesmos? A quem interessa que a estética negra seja apenas moda afro?”, indaga a advogada e militante soteropolitana Gabriela Ramos, integrante do Blogueiras negras, cujo conteúdo é voltado para questões de negritude e feminismo. 

MARINA SUASSUNA, jornalista.

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