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“Passamos a vida toda perseguindo a originalidade”

Ator e diretor norte-americano Tommy Lee Jones fala da carreira no cinema e sobre seu 4º filme como diretor, o faroeste 'Dívida de honra', uma das raras obras do gênero protagonizada por mulheres

TEXTO Rodrigo Salem

01 de Julho de 2015

Tommy Lee Jones

Tommy Lee Jones

Foto Divulgação

Se existe uma lenda entre jornalistas: quem nunca entrevistou Tommy Lee Jones não pode reclamar da vida. O protagonista de Homens de preto e O fugitivo é conhecido na imprensa cinematográfica mundial como o ator mais ranzinza em atividade. Garantem os rumores que ele, certa vez, sentou em uma mesa de entrevistas e disse que só falaria sobre a Bíblia.

Mas Lee Jones não é esse monstro que pintam. Sim, ele é mal-humorado, mas se empolga quando conversa sobre técnica de cinema e seus filmes. Fruto do ambiente em que nasceu, em San Saba, Texas, em 15 de setembro de 1946, filho de uma mulher que se dividia entre os trabalhos de professora, policial e dona de salão de beleza e de um técnico especialista em campos de petróleo, o pequeno Tommy precisava duelar com a rigidez do interior de um dos estados mais rudes dos Estados Unidos e sua vontade de ser artista. Notável, frequentou escola com bolsa de estudos, inclusive na Universidade de Harvard, onde foi colega de Al Gore, filho de um senador do Tennessee e futuro vice-presidente americano.

Em Harvard, Tommy Lee Jones estudava Arte, mas combatia estereótipos, destacando-se também como jogador de futebol americano – inclusive, fazendo parte do que é considerado um dos jogos universitários mais famosos da história, quando Harvard virou para cima da grande instituição rival, Yale, após estar perdendo por 16 pontos. No ano seguinte, em 1969, formou-se com uma tese sobre A mecânica do catolicismo sob o ponto de vista do trabalho da escritora americana Flannery O’Connor.

Morando em Nova York, para tentar a vida como ator, não demorou muito para se destacar no teatro e no cinema, no início dos anos 1970. Já em 1980, conseguiu sua primeira indicação ao Globo de Ouro, interpretando Doolittle Lynn, marido alcoólatra e violento da cantora country Loretta Lynn (Sissy Spacek), na cinebiografia O destino mudou sua vida, de Michael Apted. Apesar de trabalhos competentes em longas, como JFK – A pergunta que não quer calar (1991), pelo qual foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante, Tommy Lee Jones virou estrela de primeira grandeza em 1993, quando a versão cinematográfica de O fugitivo, protagonizada por Harrison Ford, rendeu-lhe a estatueta de ator coadjuvante pela interpretação do agente federal Samuel Gerard.

Lee Jones não apenas passou a dedicar-se a filmes mais sérios, mas também emplacou uma participação milionária no vergonhoso Batman eternamente (1995), com o vilão Duas Caras, estreou em um filme tragédia moderna (Volcano) e até fez a primeira continuação: U. S. Marshals – Os federais (1998), no qual retornou ao papel (agora principal) do agente federal de O fugitivo – sem Harrison Ford. No entanto, o texano já havia entrado no imaginário popular como o intragávelhomem de preto que acompanha Will Smith em MIB – Homens de preto (1997), um dos seus maiores sucessos –, tanto que voltou para mais duas sequências.

Nos anos 2000, ele apostou com mais dedicação na carreira de diretor e surgiu com o primeiro longa-metragem para o cinema: Três enterros. O faroeste sombrio, escrito por Guillermo Arriaga (Amores brutos), mostrou que Lee Jones não era apenas um ator de mão cheia, mas um cineasta sensível e técnico, levando os prêmios de melhor roteiro e ator no Festival de Cannes, em 2005.

Ao longo dos anos, soube “brincar” com sua ausência de humor. Não apenas em Homens de preto, mas Onde os fracos não têm vez (2007), dos Irmãos Coen, ou na sua incursão no universo Marvel em Capitão América: o primeiro vingador (2011). Mas foi em Cannes, novamente, que apresentou seu segundo filme (o quarto, se considerarmos o trabalho em TV). Em 2014, Dívida de honra foi um dos concorrentes à Palma de Ouro, um faroeste feminista que poderia ter rendido melhor na Croisette, mas que terminou bastante elogiado no festival (leia sobre o filme na seção Claquete desta edição).

E talvez tenha sido por causa disso que Tommy Lee Jones, um pouco menos ranzinza, encontrou-se com a Continente, em uma entrevista realizada no Hotel Majestic, quase em frente ao Palais des Festivals, em Cannes. O ator, diretor, produtor e roteirista do filme até riu durante a entrevista. Isso é quase um Pulitzer para quem escreveu sobre cinema.

CONTINENTE Quando foi que você leu The Homesman, livro de Glendon Swarthout, que deu origem à Dívida de honra?
TOMMY LEE JONES Uma pessoa com quem eu trabalhava me enviou o livro e me perguntou se daria para fazer um filme com ele. Li e fomos direto às negociações para a compra dos direitos. Demorei um ano escrevendo o roteiro, o que é bastante rápido, considerando meu ritmo normal. O que me chamou a atenção foi a originalidade do texto. Passamos a vida toda perseguindo a originalidade e, se conseguíssemos capturar isso do livro, teríamos uma boa chance de fazer um filme que ninguém viu antes.

CONTINENTE Muitos rotularam o filme de “faroeste feminista”.
TOMMY LEE JONES O filme é sobre mulheres e as consequências da objetificação e marginalização delas, a dificuldade de impor um sistema inapropriado do modelo de agricultura europeu nas terras selvagens da América e as implicações sociais desse comportamento.

CONTINENTE É seu segundo filme…
TOMMY LEE JONES Quarto.

CONTINENTE Os outros foram para a televisão.
TOMMY LEE JONES Bem, eu não vejo diferença (risos). Usamos as mesmas câmeras.

CONTINENTE Ok, esse é seu quarto filme. Arrepende-se de não ter começado antes na função?
TOMMY LEE JONES Gostaria de ter tido oportunidades para dirigir filmes quando era mais jovem. São 20 anos, desde que fiz meu primeiro, e gostaria de dirigir mais. Ao mesmo tempo, não me arrependo.

CONTINENTE O filme tem uma trama bem pesada, mas um certo humor. Isso veio do livro também?
TOMMY LEE JONES Não acho que havia muito humor no livro. Li duas vezes, para poder tirar tudo que não servia para o roteiro, então escrevi o primeiro tratamento e nunca mais voltei para o material original. Não me recordo de ser especialmente divertido, mas, em um filme tão extremo e diversificado como esse, o humor torna-se bastante útil.

CONTINENTE Interessante a sua escolha de matar a protagonista.
TOMMY LEE JONES Isso veio do livro. Ela é uma parte importante do material original, dando um ponto de vista diferente. É uma pessoa boa e generosa que vê aquelas quatro mulheres e acredita que pode carregar todas as mazelas do mundo sobre os ombros, mas não pode. Ela tem os próprios problemas.


Cena do filme Dívida de honra, com direção de Tomy Lee Jones. Foto: Reprodução

CONTINENTE A personagem principal precisa de música, senão o barulho do vento a deixa louca. Ela ama a natureza, mas sabe que ela pode deixar uma pessoa insana.
TOMMY LEE JONES Principalmente se elas têm expectativas vitorianas para a vida, o que será uma decepção inevitável. As mulheres vitorianas eram criadas para serem bonitas, prendadas, criar filhos e viver no centro de uma propriedade pastoral. E, no oeste selvagem, havia poucas árvores, portanto não havia serrarias e muitas edificações. Elas precisavam viver em casas feitas de sujeira, lama e tijolões. Era como um buraco no chão, sem piso de madeira. Mary tem dinheiro, então pode importar madeira para o chão e para levantar um celeiro, mas as outras mulheres, para poderem sobreviver, precisavam trabalhar antes de anoitecer, não tinham vida social e muito menos penicilina. 65% dos recém-nascidos morriam naquela época. A música, mesmo sendo de um pequeno órgão, servia como antídoto para tudo isso.

CONTINENTE Não acha irônico que a única pessoa a espalhar bondade no filme morra no meio?
TOMMY LEE JONES Se eu acho irônico?

CONTINENTE De uma maneira triste.
TOMMY LEE JONES É apenas triste.

CONTINENTE Não acha que reflete algo mais sobre bem x mal?
TOMMY LEE JONES Não, acho que não. Não estou fazendo uma declaração sobre a condição do mundo. Fiz um filme sobre mulheres.

CONTINENTE Já que tocou no assunto, como você vê a situação das mulheres hoje em dia?
TOMMY LEE JONES As mulheres no mundo todo, e até nos Estados Unidos, são frequentemente marginalizadas e não levadas a sério. Isso tem consequências até hoje. Se você quer examinar o que existe de errado em nossos tempos, o melhor lugar para começar é investigando os erros do passado.

CONTINENTE Você é um diretor muito técnico?
TOMMY LEE JONES Em qual escala? (risos)

CONTINENTE Você pensa muito em qual lente usar em determinada cena?
TOMMY LEE JONES Sim, controlo isso cem por cento.

CONTINENTE Normalmente, um ator que vira diretor não se importa tanto com o lado mais técnico da direção.
TOMMY LEE JONES Não, eu gosto de controlar tudo. E se existe um aspecto do filme que não posso controlar, eu controlo a pessoa que tem esse controle.

CONTINENTE Como um ator se beneficia ao se dirigir?
TOMMY LEE JONES Se ele está produzindo, escrevendo, dirigindo e atuando em um filme, pegar três dessas atribuições fará a quarta ficar mais fácil. Tenho noção de tudo que acontece em umset, independentemente do trabalho que eu tenha.

CONTINENTE Como foi trabalhar com Austin Leonard Jones, seu filho, na supervisão musical?
TOMMY LEE JONES Ele fez um trabalho maravilhoso. Todas as músicas que ouvimos daquele período foram encontradas por meio de uma pesquisa extensa. E ele também toca o banjo no filme.

CONTINENTE Ele quer ser ator, então?
TOMMY LEE JONES Não, ele acabou de lançar o quarto álbum, escreve e produz música em Austin, no Texas.

CONTINENTE Depois de tantos anos como ator, você, como diretor, precisa voltar para o monitor e checar sua interpretação para ver se fez tudo certo?
TOMMY LEE JONES Eu filmo sempre com três câmeras e as mantenho perto para usar como referência rápida. Peço para ver alguma cena do dia anterior. Tenho consciência do que fiz na iluminação e na cena, mas replays são úteis.

CONTINENTE Retratar doenças mentais não é a coisa mais fácil de um filme. Como você pesquisou e preparou as atrizes?
TOMMY LEE JONES Pedi para cada uma delas ler o roteiro e criar a própria interpretação. Entreguei livros sobre doenças mentais em mulheres da fronteira no século 19, para que vissem fotos daquelas pessoas e entendessem como eram tratadas. Queria que elas se perguntassem: “O que se passou com aquelas mulheres para terem esse aspecto?”. Escrevi uma pequena história sobre cada uma das personagens para ajudar a compor a dramaticidade.

CONTINENTE Você pode explicar como Meryl Streep se envolveu com o filme e como a convenceu a fazer uma participação tão pequena?
TOMMY LEE JONES Na verdade, eu conheço a filha de Meryl, Grace (Gummer), e mandei o roteiro para ela ver se não gostaria de interpretar Arabella. Grace concordou, mas eu estava escrevendo durante a divulgação de Um divã para dois (filme em que ele e Meryl Streep interpretam um casal de meia-idade em crise) e Meryl me disse que havia lido o roteiro e adorado. Ela perguntou se poderia fazer a senhora do fim do filme e respondi que ia pensar no assunto (risos). Assim que saí do campo de visão dela, comecei a pular no ar, de felicidade (mais risos). Eu não tinha coragem de pedir para ela fazer aquele papel, mas fiquei grato que ela se ofereceu.

CONTINENTE Se você pudesse escolher entre direção e atuação, por qual gostaria de ser reconhecido?
TOMMY LEE JONES Se eu posso escolher, quero as duas coisas (risos). 

RODRIGO SALEM, jornalista, trabalha em Los Angeles como freelancer da Folha de S. Paulo.

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