Nem “era fotógrafo” na época, levava uma câmera analógica automática e um rolo de filme em preto e branco. As pessoas perguntavam, ele conta, como é que ele ia viajar levando somente um filme em preto e branco. Ele nem tinha aquilo que chamamos de “cultura fotográfica” e, com aquele equipamento doméstico, queria mais era poder levar de volta pra casa qualquer história para contar, usar a câmera como caderno de viagem e, sobretudo, como um meio de comunicação entre ele e as pessoas que iria encontrar, de quem sabia tão pouco.
Murais de Nacla, Moçambique, 2007. Foto: Diego Di Niglio
Aconteceu o que acontece aos viajantes: foi capturado pelos lugares e, mais ainda, pelos africanos. “Luz brilhante, cheiros intensos, espaços infinitos, tradições milenares, solos secos, mãos que trabalham, viagens intermináveis; mas também luta pela sobrevivência, fome, carestia, guerras e exploração. Enfim, humanidade. Profunda humanidade. Lembranças inesquecíveis para quem já foi lá.” Assim descreve ele brevemente a experiência, na abertura de um livro que editou há pouco, Instantâneas de África, que também nomeia exposição que atualmente percorre Pernambuco.
Cena cotidiana em Abene, Senegal, 2004. Foto: Diego Di Niglio
Sim, porque neste trabalho como cooperador internacional (sua formação é em Ciências Políticas e Relações Internacionais), ele não só esteve em vários países da África – Moçambique, Chade, Camarões, Benin, Burkina Faso, Senegal e Gâmbia, entre eles – mas deslocou-se para a América Latina, vindo de Buenos Aires, onde morou por dois anos, para Olinda, onde vive desde 2011.
Mulheres se enfeitam em Lomé, Togo, 2003. Foto: Diego Di Niglio
Nos caminhos da África, que percorreu entre 2002 e 2007, Diego Di Niglio nasceu fotógrafo. Se compararmos a qualidade técnica do que ele tem fotografado no Brasil, hoje, ao material que está reunido neste livro, é evidente o crescimento, o amadurecimento, o apuro. Ali, era o germe. “As fotografias que fiz nas idas e vindas à África são as mais simples e sinceras que já realizei. São a expressão da emoção. Um autorretrato”, diz ele, contando o autoadestramento a que se submeteu – intuitivamente – nos anos africanos.
Nômades de Massaguet, Chade, 2004. Foto: Diego Di Niglio
“Lá aprendi a lidar com o impulso de fotografar. Às vezes, chegava num lugar, via uma cena incrível e queria partir para cima dela, o que me fez perder várias situações, porque assustava as pessoas. Aprendi a lidar com a fotografia mais devagar, a me relacionar com a cultura local. Isso foi se definindo nessas viagens. Hoje, meu comportamento em relação ao tema fotografado é completamente outro.”
Homens exibem suas riquezas, em Massaguet, no Chade, 2004.
Foto: Diego Di Niglio
A vida que Di Niglio presenciou e registrou – àquele primeiro analógico em preto e branco, ele viria a acrescentar filme colorido, cromo e um pouco de digital – é a de comunidades do interior e do litoral que estão fora do circuito turístico, pequenos agricultores, comerciantes, camponeses, nômades, populações negras de diferentes etnias, hábitos culturais, religiões.
Mulher de Burkina Faso, 2003. Foto: Diego Di Niglio
Já no Brasil, em 2011, ele teve a ideia de trabalhar no arquivo da África, o que fez em parceria com a esposa, a argentina Lia Miceli, que assina a curadoria do livro. Enquanto isso acontecia, dava-se a aproximação de Di Niglio com aspectos da cultura afro-brasileira, sobretudo religiosa, desde que passou a frequentar e fotografar o Maracatu Leão Coroado, sendo que hoje considera o seu guardião, Mestre Afonso, um amigo. A África já existia dentro de Di Niglio antes de ele se saber fotógrafo, antes das andanças pela África, e talvez o Brasil já estivesse nele também, desde quando conheceu o negro daqui pela obra de Jorge Amado. Os nascimentos quase sempre se prenunciam sem a gente perceber.
ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.