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Tomie Ohtake (Kyoto, Japão, 1913 - S. Paulo, 2015)

TEXTO José Cláudio

01 de Abril de 2015

Hall de entrada do auditório Ibirapuera, no parque de mesmo nome, projetado por Oscar Niemeyer

Hall de entrada do auditório Ibirapuera, no parque de mesmo nome, projetado por Oscar Niemeyer

Foto Reprodução

Nos meus "inte" eu era muito metido. E, no ambiente do barzinho do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 7º andar do prédio dos Diários Associados, Rua Sete de Abril, metido e meio: tanto porque enxerido por natureza quando se tratava de assunto de arte, como no sentido de “admitido”, “muito familiarizado” (Aurélio) no meio artístico. No “barzinho”, como era chamado, qualquer recém-chegado podia conviver com os nomes mais importantes da arte brasileira, desde o fundador da Bienal, e do Museu, Cicillo Matarazzo, aos críticos Sérgio Milliet, Mário Pedrosa, Paulo Mendes de Almeida, Lourival Gomes Machado e outros, até que escreveram sobre mim e cujo nome não lembro, para ver a ingratidão humana, Quirino da Silva, até um sem-número de artistas não apenas de São Paulo como do Rio de Janeiro e do resto do Brasil. Conheci lá: Vittorio Gobbis, Osvaldo Goeldi, Rebolo Gonçalves, Volpi, Clóvis Graciano, Fernando Lemos, Samson Flexor, Lívio Abramo, Milton da Costa, Aldemir Martins, aqui não dá para listar nem a metade. Essa facilidade com que entrei no mundo da arte de São Paulo devo à amizade com um dos principais artistas, Arnaldo Pedroso d’Horta. Quanta gente boa conheci! Paulo Vanzolini, Sérgio Buarque de Holanda, José Mauro Vasconcelos, só para falar dos mais conhecidos (e amizades que perduram: poucos dias antes do Carnaval 2015 estiveram em minha casa Maria Eugênia, filha de Vanzolini, e Maria do Carmo, filha de Dr. Sérgio, quando tomamos uma garrafa de bom vinho pernambucano, fique aqui consignado nos autos). Não consigo lembrar do nome de um seríssimo crítico, famoso por não fazer concessões, morava em Santos, escrevia no Estadão, autor do melhor artigo sobre o meu desenho.

Nesse andar dos Diários cedido ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, havia duas salas de exposições. Na da frente, expunham artistas consagrados, digamos, como Osvaldo Goeldi e Aloísio Magalhães, que conheci ali, quando de sua exposição A aventura da linha. No outro salão, fizeram uma exposição de novos artistas japoneses. Fui lá ver, como se da minha opinião dependessem suas vidas, e à saída, lasquei num livro de visitas: “Aqui só tem uma mão de macho: Tomie Ohtake”. E assinei: “José Cláudio”. Não sei se os japoneses, conhecidos como raça metódica, terão guardado o precioso documento (assim como gostaria muito de rever, da mesma época uma espécie de folheto de cordel sobre os frequentadores do barzinho, não sei escrito por quem, em que apareço caricaturado, eu só numa página, desenho de Aldemir Martins, se não me engano a única ilustração do tal folheto, mas isso não tem nada com o assunto, que me desculpe o leitor).

Dias depois, estando eu vagante voltando da sala da exposição dos japoneses que tinha ido rever, surge, parada diante de mim, uma mulher japonesa, exatamente a mesma cara e expressão com que aparece nas fotos dos seus 101 anos, vestida com simplicidade, nada a indicar pessoa de alguma aspiração às artes (a única mulher que apareceu vestida assim naquele ambiente, com essa candura, foi a mulher de Volpi, que parecia matuta saída de um engenho de Ipojuca que ia comprar na loja de meu pai). Eu nunca tinha visto uma mulher japonesa tão de perto, apesar de conviver ali diariamente com o pintor japonês Kinoshita, japonês mesmo, vindo do Japão (a gente chamava ele “o que não está”, aproximadamente como ele pronunciava o próprio nome).

Fez aquela reverência japonesa e disse alguma coisa. Vendo que eu não tinha entendido, repetiu, me levou até o livro de visitas e apontou seu nome: Tomie Ohtake. Rimos muito, sendo esse o nosso único diálogo, ela me agradecendo muito. Quer dizer, eu conheci Tomie Ohtake antes de ela ser Tomie Ohtake, porque, além de ser um nome que ninguém tinha ouvido falar, para mim nome de homem.

Isso aconteceu na década de 1950, porque em 1957 viajei para Roma, no navio Conte Grande, para inveja eterna do escritor Arthur Carvalho. Mas não perdemos totalmente o contato. Estando na porta da mensa, um restaurante para estudantes pobres na Via della Scrofa (rua da porca) em Roma, já acostumado com a cidade, me apareceu um japonês adolescente, forte, vestido de escoteiro, com bandeiras brasileiras bordadas no chapéu e na roupa: era Ricardo Ohtake, filho de Tomie. Passeamos uma tarde pelas ruas da Cidade Eterna.

O marido de Tomie, cujo nome não lembro, com quem tive um encontro no escritório dele no centro de São Paulo depois que voltei da Europa no fim de novembro/58, queria porque queria que eu fosse passar uma temporada no Japão, coisa além da minha imaginação. Eu já estava cansado de conhecer mundo. Não nasci para globe-trotter. Eu botava dificuldade. A língua, por exemplo. Ele queria que eu aprendesse japonês. Dizia que era uma língua facílima de se aprender. Que o melhor professor de japonês de São Paulo, que ensinava aos japoneses, era um baiano. Eu queria mesmo era voltar para o Recife.

Não tenho a menor ideia de como eram esses quadros da exposição dos jovens japoneses. Quando voltei a ver quadros seus, depois de anos aqui neste “nordesterro” como dizia Carlos Pena Filho (de grande serventia para me amadurecer, para me dar tempo de refletir), sempre de tamanhos grandes, lembrando, também pelas grandes áreas de cor, pintores americanos, como suas esculturas para grandes espaços, ambiciosas linhas arquitetônicas, já não me interessava tanto por esse tipo de arte, quem sabe juvenil demais para meus 20 anos mais moço do que ela. Ela nos convida a ser jovens. 

JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.

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