A arte naïf no Brasil II segue o mesmo conceito do primeiro volume, com uma seleção de artistas organizados em ordem cronológica, numa espécie de catálogo, trazendo a biografia de cada um deles. Em seu texto de abertura, o autor tece comentários e contextualiza os trabalhos dos 79 selecionados. Além dessa apresentação, a obra conta com quatro textos de apoio escritos por amantes do estilo. Eles foram convidados por Ardies a responder a pergunta: “Por que você gosta de arte naïf?”. Os testemunhos complementam a breve apresentação feita pelo autor, mas chama a atenção o fato de três dos quatro convidados serem estrangeiros. Essa escolha, em certa medida, termina reforçando a ideia de um olhar estrangeiro que se encanta pelas raízes brasileiras tradicionais, muitas vezes ligadas ao exótico e ao estereótipo daquilo que seria o “genuinamente brasileiro”. Talvez, a discussão proposta pela pergunta ficasse mais rica trazendo a percepção sobre a arte naïf de algum outro brasileiro, equilibrando os pontos de vista.
CARDOSINHO, O PRIMEIRO
Para sua pesquisa, Ardies catalogou cerca de 200 obras, datadas da década 1940, até as mais recentes, realizadas no ano passado. Ele conceitua o gênero de forma breve no panorama internacional e, depois, apresenta o marco que servirá como ponto de partida para a seleção dos artistas. Segundo o autor, a liberdade da criação artística no Brasil se dá a partir da Semana de 1922 e será graças a ela que, nos anos seguintes, aparecerão os primeiros trabalhos do pintor aposentado José Bernardo Cardoso Jr., Cardosinho, que traziam uma estreita ligação com as raízes culturais nacionais. Uma paisagem desse artista dá início à linha cronológica.
Não faltam referências a nomes de destaque, como Sílvia, que, segundo Ardies, representa a maternidade da arte naïf brasileira, tendo um papel fundamental na eclosão do estilo no país, na segunda metade do século 20 – a imagem da capa é dela. Pernambuco é apresentado como um estado profícuo no gênero, com 11 artistas citados, entre eles José Barbosa, Ivonaldo e Crisaldo Morais. O autor destaca o papel articulador desse último, considerado um “naïf sofisticado”, na liderança do “movimento”, dando total apoio à sua iniciativa de montar uma galeria especializada no gênero. Comenta a carreira de sucesso de Ivonaldo, que se tornou o naïf vivo mais procurado do Brasil, mas que desde 2009 teve que deixar a pintura por conta de problemas de saúde. E ainda questiona a inscrição de José Barbosa no hall dos artistas naïfs.
Cesta de orquídeas, de Ivonaldo, traz lirismo à luz, ao sol e à paisagem de Olinda.
Imagem: Reprodução
Nesse trajeto proposto pela obra, observam-se as referências clássicas ligadas à essa arte: a exuberância das cores da natureza e sua luz, as festas populares, as manifestações religiosas, a paixão pelo futebol… Entretanto, tem-se o registro também de paisagens urbanas, do caos das metrópoles brasileiras. Naquilo que o autor chama de terceira geração, inscreve-se o nome de Cristiano Siadoti, jovem formado em Arquitetura que apresenta, de forma sintética e colorida, a beleza da cidade de São Paulo. Segundo o autor, a seleção foi pensada para dar uma visão geral e atualizada da riqueza e pluralidade dessa expressão no Brasil, deixando, obviamente, nomes importantes de fora da compilação.
Ao atualizar a versão publicada em 1988, Ardies mostra que a arte naïf brasileira está viva e consegue desmistificar alguns conceitos sobre ela, como aquele que a coloca em conexão direta com o popular. Mas, para ele, algo que une todos os artistas é sua criatividade e originalidade, e a ideia de uma obra pura, que seria a essência do seu valor. “Cada um apresenta uma obra diferenciada, expressiva e inconfundível, que emana de seu particular viver e invade o nosso inconsciente. Há muita poesia. Há observação encantada, a desajeitada habilidade charmosa e, na maioria das vezes, uma mensagem positiva”, descreve.
MARIANA OLIVEIRA, editora-assistente da revista Continente.