Seu conjunto de arte contemporânea brasileira ganhou tanta expressão, que Sérgio foi chamado a expor este ano, no Paço das Artes, em São Paulo, parte de suas obras na mostra Duplo olhar – coleção Sérgio Carvalho. Aqui, não há como esquecer o ímpeto de gente como o colecionador e galerista pernambucano Marcantonio Vilaça (1962–2000). Carvalho parece seguir a mesma linha, apostando em artistas emergentes, como é o caso de Bruno Vilela, que ainda não estava em sua coleção. Agora, parte dos trabalhos produzidos pelo artista em Portugal irá se juntar ao acervo do colecionador.
ALÉM-MAR
Em setembro de 2015, Bruno deverá voltar a atravessar o mar para mostrar, no mesmo local de sua residência, o resultado de sua experimentação artística na capital portuguesa. Deverão ser expostos seus estudos, feitos a partir de paisagens fotografadas em viagens por diferentes regiões de Portugal; pinturas a óleo, em diversos tamanhos, que ele produzirá no primeiro semestre do próximo ano, com a mesma fonte de inspiração, as paisagens; e um caderno de artista, que é uma espécie de diário em Lisboa. “No dia da abertura, vai ser lançada uma caixa com duas publicações: o catálogo das obras e dos estudos, e uma cópia em fac-símile do diário. Além disso, vai haver o lançamento do curta-documentário feito por Beto Brant e Cláudio Assis sobre minha produção”, antecipou o artista, enquanto ainda estava em residência, em novembro passado.
E para onde leva agora a ponte a que se referiu Bruno? “Acredito que meu trabalho tenha amadurecido e está apontando para um caminho sem volta. O principal é a vida e a arte é resultado dessa vida. Viajar, conhecer pessoas, estar próximo dos amigos”, respondeu. Para definir a sua obra, gosta de remeter à ideia de contrastes ou à noção de escuridão e luz do mito de Perséfone, a deusa que se divide entre a terra e o mundo dos mortos, simbolizando a primavera e o inverno. Na linguagem de Bruno, no campo das artes, isso se reflete tanto em seus momentos de recolhimento e criação no ateliê, quanto nos de holofotes expositivos. Reflete também na paleta que usa em pinturas e desenhos, ora soturnos, ora solares – nos últimos tempos, muito mais misteriosos e carregados de simbologias.
Nos trabalhos que estão por vir, ele mantém os tons escuros – como o preto, o azul profundo, o roxo e o verde-musgo – presentes emVoodoo drama e Animattack, suas últimas exposições no Recife, na Amparo 60. Em Portugal, essas cores coincidiram com as paisagens outonais/invernais que encontrou, entre outubro e novembro, nos locais por onde passou. Entre os quais, Serra dos Gerês, Serra da Estrela, Cabo da Roca, Sintra, Praia de Nazaré e Tomar, para onde viajou nos finais de semana, com intuito de colher imagens para desenvolver seus estudos no ateliê do Palácio Pombal, de segunda a sexta. “No Recife, trabalho todos os dias da semana, o dia todo, como um funcionário. Mas aqui é diferente, estou em função da arte. Começo com a memória fresca de uma viagem incrível que acabei de fazer. Depois, estou no sótão do palácio de Marquês de Pombal. Vivo cercado de história, parece um filme. Isso vai mexendo com a cabeça e o trabalho é outro”, disse, ainda em Portugal.
A obra Ela fez parte da exposição Animattack. Imagem: Divulgação
SELVAGEM
Interessante notar que Bruno Vilela está sempre próximo da natureza, como a própria mitologia ou os lugares que escolheu para viajar no país dos navegantes. A Serra da Estrela, por exemplo, abriga um parque natural de ecoturismo, com montanhas e vegetação típica. O Cabo da Roca pertence a outro parque natural português, o de Sintra Cascais, com paisagens espetaculares. O mesmo pode se dizer da Serra dos Gerês, a segunda maior elevação de Portugal continental, com 1.546 metros de altitude, ou da Praia de Nazaré, que é pico de surfe. Nas andanças do artista, somente Sintra e Tomar têm mais carga histórica do que natural. Mesmo assim, ele fotografou florestas aí. No Brasil, não costuma ser diferente para Bruno, apaixonado por destinos como a Chapada Diamantina, na Bahia, onde já desenvolveu a série de trabalhos fotográficos Búfalo branco e Ofélia, que tem a artista Gio Simões Glasner como intérprete de suas personagens.
Mesmo em Lisboa, fez “um bando de imagens no Jardim Botânico e no Parque de Monsanto”, como conta. Um dos estudos resultou no desenho em pastel preto de dois ciprestes, árvores do tipo pinheiro ou coníferas, de zonas temperadas e comumente vistas em cemitérios. Para o artista, a imagem do cipreste lembrou chifres e foi assim que intitulou seu trabalho de O Diabo, que estará presente na exposição de 2015, no Carpe Diem. Para Bruno, essa relação com a natureza é, antes, a ponte para uma dimensão selvagem e misteriosa, mesmo quando ele se fixa no aspecto humano.
O quadro O ancestral (óleo sobre tela, 150 x 200 cm), presente na citada Animattack, ilustra essa noção. Como descreve o curador Moacir dos Anjos, no texto da exposição, “nele, vê-se uma figura entre homem e animal – ou quiçá híbrido de gente e espírito – que dá as costas a este mundo do lado de cá e adentra uma floresta escura. Faz recordar que esses são trabalhos que demandam, de quem os vê, atentar para o que está além do que eles podem jamais exibir”. É como se Bruno Vilela espreitasse as elipses de nossa alma e transformasse em traço, em pincelada, nossas dimensões naturais mais fantásticas e profundas. A missão de Bruno seria apontar para esse lugar do imaginário. O próprio conceito de Animattack nasce da junção do termo anima, de Carl Jung, com a ideia de ataque e pânico associada à entidade da floresta.
Podemos dizer que isso é amadurecimento, pois não é de hoje que o artista vasculha o seu lado bicho e fareja os caminhos de sua ancestralidade. Desde as ninfas com meias listradas a figuras sombrias, como a da obra O ancestral, a carga mitológica e psicológica faz parte do arsenal criativo de Bruno. São temas também caros à história da arte, mas nas mãos do artista eles se atualizam e ressurgem sob novas feições.
OLÍVIA MINDÊLO, jornalista e mestre em Sociologia.