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Telles Júnior

TEXTO José Cláudio

01 de Setembro de 2014

'O Araguaia no Lameirão'. Criado até os 8 anos em um navio, o mar, para Telles Júnior, era lugar de trabalho

'O Araguaia no Lameirão'. Criado até os 8 anos em um navio, o mar, para Telles Júnior, era lugar de trabalho

Imagem Reprodução

Para falar de Telles Júnior é preciso saber alguma coisa sobre Telles Júnior. E, para saber alguma coisa sobre Telles Júnior, alguma coisa sobre o lugar onde nasceu, o Recife; como era o Recife naquela época, o meio em que viveu, a vida de seus pais, sua própria vida quando criança, passada até os oito anos dentro de um navio. Seu pai era “um nauta”, como diz em suas memórias, carregava a família nas viagens.

Será, preciso saber o que se sabia aqui sobre pintura na época: ele nasceu em 1851 e faleceu em 1914. Saber o que ele sabia, não o que nós sabemos hoje. Se a exposição de Cícero Dias em 1948 na Faculdade de Direito do Recife causou um escândalo sem igual, como, de 1914 para trás, medir obra de um pintor daqui com o que se fazia em Paris? Não se pode falar de avanço ou atraso mas de duas realidades.

Aliás, em sinal de respeito para com a pintura local e total ausência de intenções iconoclásticas, Cícero, num gesto bonito, reverenciou Telles Júnior expondo-lhe um quadro ao lado dos seus, mas não adiantou nada, antes acirrou o ânimo reacionário de Mário Melo e companhia, considerando isso, pelo contrário, um acinte, um caso de polícia, de anarquia, de insanidade mental, uma profanação acontecer logo onde, no templo, no espaço sagrado, na Casa de Tobias Barreto.

Além de se procurar saber o que se sabia aqui naquela época, é preciso ver o que se sabia lá. Não o que se sabe, hoje, da Paris daquela época; mas, naquela época, o que se sabia de Paris lá mesmo em Paris. Quando Telles Júnior morreu, 1914, o Cubismo, o Fauvismo, já tinham se alastrado em Paris. Isso nós sabemos hoje. Só que, na própria Paris de então, não se sabia nada do que sabemos hoje aqui. Imagine na época de Telles Júnior. Se você verificar o que se escrevia em Paris naquela época vai constatar que ninguém tomava conhecimento da existência de Cézanne, nem de Gauguin ou Van Gogh, nem de Toulouse-Lautrec, quanto mais de Picasso, Braque, Modigliani ou Matisse. Esses são os sobreviventes. Naquela época, lá, os mais avançados tinham ouvido falar de Delacroix e Millet, alguns de Courbet e Corot. Conhecidos mesmo eram Bouguereau e Cabanel, praticante este de uma pintura batizada de pompier (bombeiro, em francês) com tanta bugiganga, tantos objetos brilhantes espalhados pelos quadros, que pareciam bronzes de carros de bombeiros: daí provindo os tachos de cobre das naturezas-mortas do mundo inteiro (bom exemplo é o quadro Descanso do modelo, 1882, Museu Nacional de Belas Artes, do paulista Almeida Júnior, que estudou com o mesmo Cabanel).

Isso, quanto ao que se sabia lá. Para saber o que se sabia aqui no Brasil, talvez seja instrutivo dar uma olhada nos catálogos do Museu Nacional de Belas Artes e da Pinacoteca do Estado (São Paulo), para constatar que nem do Impressionismo se tinha ouvido falar. E me pergunto, como Siqueiros a Rivera em 1920, que importância teria ser mais um cubista, e em prejuízo da obra magnífica que nos legaram Rivera, voltando para o México, e Telles Júnior sem sair daqui?

A história tem demonstrado a dificuldade de reconhecer uma obra, próximo que se esteja, mesmo cabeças pensantes. Emile Zola, no romance justamente intitulado A obra, toma o seu amigo Cézanne como exemplo de pintor medíocre, sem desconfiar nem um minuto se tratar de um dos maiores gênios da pintura de todos os tempos; ou o marchand, quer dizer, um cara que era do ramo, entrava com o bolso que é a parte mais sensível do corpo humano, que disse até gostar de Picasso como pessoa “mas alguém precisa dizer a esse rapaz que deve deixar de pintar”; ou o pintor El Greco, tão genial quanto seu colega Miguel Ângelo, que propôs ao papa derrubar-lhe os afrescos da Capela Sistina porque Miguel Ângelo, coitado, boa pessoa, infelizmente nada entendia de pintura.

Há ainda a possibilidade de se procurar saber o que, na época de Telles Júnior, se sabia a respeito do Recife e do Brasil em Paris, se é que alguém se lembraria da nossa existência, porque isso pode ter importância: pintores franceses andaram por aqui na época, e até um deles se indispôs com Telles Júnior, Ducasble, enquanto outro sofreu influência da pintura de Telles Júnior, surpreendido pela paisagem daqui, um tanto sem saber como apanhá-la, o que por um momento me passou em relação a Frans Post. “Aliás parece é que Lassailly aos poucos foi aprendendo com Telles Júnior: as suas primeiras paisagens ainda são escuras, o mato é europeu, conforme me foi mostrando o Dr. Cid Sampaio; e quem sabe não será Lassailly um dos pintores incluídos na parte final do capítulo ‘Meus Estudos’ das Memórias, em que Telles Júnior fala dos discípulos mal-agradecidos?” (Artistas de Pernambuco).

A crítica colonizada, desrespeitosa não somente ao pintor mas ao Brasil, como se a realidade que conte seja a da matriz, ontem Paris, hoje Nova York, amanhã Pequim, não nos fará sentir a importância nem do pintor, a excelência de sua pintura, nem mil outros aspectos relevantes sob os quais a obra do artista possa ser estudada, sendo um desses o de nos ter botado como protagonistas das suas telas, ter implantado destemidamente nas suas pinturas o nosso chão geográfico. Se for para falar de atualização, de modernização, a feita por Telles Júnior foi muito mais profunda, porque não se limitou a anos ou décadas mas a séculos, agora digo como Montez Magno, “pondo um ponto final na nossa Idade Média” (Artistas de Pernambuco). 

JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.

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