No Mercado Adolpho Lisboa, erguido à margem do Rio Negro com toneladas de ferro trazidas da Inglaterra, visualizamos o nível de europeização a que Manaus foi submetida no auge da economia oriunda do látex. Inaugurado em 1882 e inspirado no famoso Mercado de Les Halles, de Paris, o Lisboa é o segundo mercado construído no Brasil e é tombado pelo Iphan em função da sua importância histórica. Em estilo art nouveau, o exemplar da arquitetura do ferro é composto por um pavilhão central de alvenaria e dois pavilhões de ferro fundido e vitrais coloridos com motivos florais. Depois de passar sete anos fechado, foi totalmente restaurado e reinaugurado em 2013, sendo hoje um dos principais pontos turísticos da cidade. Para os seus vendedores de peixe, hoje, no entanto, o Lisboa está longe de ser a porta de entrada dos produtos amazônicos como foi tempos atrás. “Ele é lindo, mas é atração para turista fotografar. Peixe mesmo, para vender em quantidade, só se for no mercado popular”, diz o pescador, enquanto apresenta um fotogênico tambaqui.
Muito da cultura tipicamente amazônica, no entanto, ainda pode ser encontrada entre os labirintos de ferro do antigo edifício, a exemplo da imensa variedade de frutas, ervas e extratos medicinais vendidos pela população ribeirinha. Ao seu lado, fica o Porto de Manaus, também projetado e construído por ingleses no início da década de 1900 e de onde saem diariamente centenas de embarcações para toda a bacia do Rio Amazonas e seus afluentes. Barcos de três andares chegam e partem apinhados de gente, com suas galerias coloridas por redes, e criam quase que um congestionamento fluvial no começo da manhã. Nos arredores do porto, no meio do burburinho urbano da margem do rio, é possível encontrar ainda outros exemplos da arquitetura surgida no auge econômico da cidade, como o antigo Palácio Rio Negro e o prédio da Alfândega, este último erguido todo em tijolo aparente importado da Inglaterra e considerado uma das primeiras obras pré-fabricadas do Brasil. Parte desse centro histórico ainda está em processo de restauração.
Um pouco mais acima, imponente e majestoso, está o Teatro Amazonas, que talvez seja o mais importante ícone da riqueza e do refinamento trazidos pelos barões da borracha. Além da madeira, retirada da floresta ali ao lado, todo o material utilizado na construção do teatro veio da Europa. O teto, pintado em perspectiva pelo italiano Domenico D’Angelis, as 12 mil peças de madeira nobre encaixadas sem cola e as colunas de ferro trazidas da Escócia são apenas alguns exemplos da riqueza da casa. Em estilo eclético, o teatro também é imponente em sua fachada, com destaque para a famosa cúpula composta de 36 mil peças de escamas em cerâmica esmaltada e telhas vitrificadas, vindas da Alsácia e adquiridas na Casa Koch Frères, em Paris. No final do século 19, o Jornal do Amazonas criticou o estilo da cúpula, refletindo a má aceitação popular da proposta. Na época, comparavam a cúpula a uma mesquita mulçumana. As escamas, na verdade, estilizam a bandeira brasileira e dão ao teatro a mesma função da cúpula da Ópera de Paris, assinalando a presença de uma casa de espetáculos em seu interior.
Do Porto de Manaus partem centenas de embarcações para a bacia do Rio Amazonas e seus afluentes
Além da excelência arquitetônica, o teatro mantém uma extensa e variada programação, que faz da casa de espetáculos uma referência na cultura manauara. O lugar recebe anualmente o Festival Amazonas de Ópera, que este ano homenageou óperas com mulheres em papéis importantes, a exemplo de Onheama, obra inédita destinada ao público infantojuvenil, encomendada a João Guilherme Ripper, regente e diretor da Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, e que tem como base o poema A infância de um guerreiro, do amazonense Max Carphentier.
E como quase tudo por ali veio de fora, com a maquete do teatro não poderia ser diferente. Estrategicamente localizada no final do roteiro de visitação pelo prédio, a miniatura é composta por 30 mil peças de Lego e foi produzida pela fábrica da empresa, na Dinamarca. Do lado de fora, na bonita Praça São Sebastião, o piso em mosaico revela mais um item importado. Decorado com pedras vindas de Portugal, pelo menos 10 anos antes de o Rio de Janeiro fazer o mesmo, o desenho escolhido é semelhante ao que se empregaria no calçadão de Copacabana. A justificativa para o desenho é popularmente atribuída ao encontro das águas do Rio Negro com o Solimões.
Inaugurado em 1882, o Mercado Adolpho Lisboa é inspirado no famoso Mercado de Les Halles, de Paris
NAS ÁGUAS
É no encontro desses dois gigantescos rios que Manaus parece guardar aquilo que possui de mais original. Com uma natureza extraordinária, que atrai turistas e pesquisadores, a Floresta Amazônica parece lembrar, insistentemente, a real localização geográfica da capital. Manaós, como era antigamente chamada em homenagem à tribo que os colonizadores portugueses encontraram, é uma metrópole com mais de dois milhões de habitantes, mas que jamais perdeu o seu espírito amazônico.
A cidade inteira vive sob a força e o domínio do Rio Negro, um afluente tão grande do Amazonas, que, em alguns pontos, é impossível avistar a outra margem. Diversos parques se espalham pelos arredores de Manaus e revelam a cobiçada biodiversidade dessa região do Brasil. No exato ponto onde os rios Negro e Solimões se encontram, o espetáculo cromático sempre intrigante. Por possuírem temperatura, densidade e velocidades diferentes, as águas dos dois rios não se misturam e correm lado a lado por vários quilômetros até formarem o Rio Amazonas.
O piso em mosaico na Praça São Sebastião foi executado pelo menos 10 anos antes de o Rio de Janeiro imprimir desenho semelhante no calçadão de Copacabana
No Parque Ecológico do January, um dos mais visitados, samaúmas gigantes, igapós e casas flutuantes fazem a alegria dos turistas, estrangeiros na maioria. Em quase todos os passeios, crianças se aproximam dos barcos com jacarés, preguiças e outros animais silvestres, para serem fotografadas em troca de gorjetas, embora a contribuição com a atividade seja uma forma de incentivar a retirada dos animais de seus ambientes naturais, sem que isso signifique um ganho social efetivo para as populações ribeirinhas.
Assim como no passado, quando os senhores da borracha tinham o privilégio de frequentar o Teatro Amazonas, ainda hoje é visível a situação marginal em que foram colocadas as populações locais, verdadeiras donas do patrimônio natural que subsidiou tanta opulência no passado. Consideradas orgulhosas pelos portugueses, por se negarem a servir de mão de obra escrava, as tribos indígenas que sobreviveram ao ainda em curso processo de colonização seguem na luta pela preservação da sua casa verde, a Floresta Amazônica.
AUGUSTO PESSOA, jornalista e fotógrafo.