Pouco conhecido para além das terras itálicas, Ghirri aparece, tardiamente, como uma descoberta gradual e curiosa aos olhos alheios. Curador, editor, crítico e fotógrafo, o artista reuniu, entre palavras e imagens, um grande acervo, que perpassa diferentes tópicos, mas converge em sua totalidade como ode à austeridade e à despretensão.
Boa parte do seu acervo foi realizado em viagens e férias, o que transparece nas situações registradas. Foto: Luigi Ghirri/Divulgação
Nascido durante o inverno de 1943, numa pequena cidade italiana chamada Fellegara, Ghirri conectou-se, ainda jovem, com a geografia e seus desdobramentos (poéticos e concretos). Em textos e biografias, autorais ou não, sempre é citada a sua paixão pela cartografia e pelas paisagens italianas, tanto as naturais quanto as urbanas. Em Módena, cidade onde viveu boa parte de sua vida, tornou-se agrimensor. Foi na década de 1960, durante uma viagem pela Europa, que o italiano empreendeu suas primeiras séries fotográficas. Num momento de crise para a fotografia, Ghirri apareceu como símbolo de renovação. Porém, ao invés de explorar, com despudor, experimentações e tecer críticas ácidas ao cenário que se apresentava, o italiano fez da perturbação motivo de debate pessoal.
Foto: Luigi Ghirri/Divulgação
Em toda sua obra, Ghirri parece repensar a fotografia ao mesmo tempo em que escolhe uma linguagem amadora para isso. A impressão é que o italiano procura montar na sala de sua casa, tranquilamente, um quebra-cabeça sem fim. Ele optou pelo desligamento da técnica, da busca pela perfeição e do uso de métodos clássicos como base para repensar a linguagem fotográfica.
Inserida entre imagens de Topografia-iconografia, a obra Mago de Braies pretendia "ver cada coisa que já foi vista como se a olhasse pela primeira vez", de acordo com Ghirri.
Foto: Luigi Ghirri/Divulgação
De acordo com o especialista em História da Fotografia, Quentin Bajac, a escolha em nomear o livro com o conjunto dos trabalhos de Ghirri, realizados na década de 1970, de Kodachrome – procedimento banal de revelação na época – traz consigo a relevância de um manifesto. As imagens, que também fizeram parte da série Paisagens de papelão, procuravam investigar o conceito de realidade. Por meio de fotos da foto e ângulos nos quais o momento capturado parecia uma montagem feita através de colagens, o italiano evoca a atenção do olhar para o que é verdadeiro ou falso. Sobre esse conjunto, Ghirri afirmou: “Muitos, ao escrever sobre fotografia, disseram que ela mostra aquilo que já sabemos: o conhecido; eu acredito, ao contrário, que a afirmação mais correta seria a seguinte: a fotografia mostra sempre aquilo que acreditamos já conhecer (...)”.
Foto inserida em conjunto que busca refletir mais a percepção da Itália que sua descrição. Foto: Luigi Ghirri/Divulgação
Luigi foi também um esmerado explorador de seu país. A sua intenção era sempre distanciar a lente dos registros óbvios acerca de tópicos como cultura, cotidiano, arquitetura e geografia. Ainda nos anos 1970, viajou por diversas cidades italianas para apresentar a mostra Italia-Ailati, cujo título, um palíndromo, faz alusão ao constante foco de Ghirri nas coisas que estão “ao avesso”, situações tidas como pequenas e postas, muitas vezes, à margem de uma dominante linguagem fotográfica.
Da série Em escala, feita no parque Itália em Miniatura. Foto: Luigi Ghirri/Divulgação
O contraste entre o íntimo e o universal obtido pelo italiano é um dos pontos mais fascinantes de suas imagens. Assim como a inglesa Virginia Woolf o evidenciou com as palavras, Luigi Ghirri expôs, através de suas fotografias, a dualidade presente no real, nas situações corriqueiras, oferecendo ao cotidiano toda a atenção que se lhe possa dedicar.
PRISCILLA CAMPOS, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.