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Filatelia: De quando se esperava pela correspondência

Lançamento de selos comemorativos da Copa do Mundo no Brasil atualiza tradição colecionista, que se configura ferramenta de reconstituição histórica

TEXTO Fernando Athayde

01 de Junho de 2014

O Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã) estampa o selo mais famoso da Copa do Mundo de 1950

O Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã) estampa o selo mais famoso da Copa do Mundo de 1950

Imagem Reprodução

No dia 2 de maio, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) lançou uma série comemorativa de três selos especiais da Copa do Mundo do Brasil. Composta por estampas da icônica Taça do Mundo Fifa, do brasão que representa o evento e do mascote Fuleco, essa série é a segunda lançada este ano, em função da maior e mais aguardada competição do universo futebolístico. A primeira, emitida em janeiro, trazia 12 estampas com as cidades-sede da Copa. Na verdade, ambas fazem parte de uma tradição que teve sua gênese há muito tempo.

Em 1840, graças à perspicácia do funcionário do correio inglês Rowland Hill, que promoveu uma reforma no modelo postal vigente, o primeiro selo da história foi criado como símbolo dessa mudança. O Brasil, que vivia um período de pleno desenvolvimento sob o comando do imperador mais culto do mundo, Dom Pedro II, seguiu de perto o exemplo da Inglaterra e foi o segundo país a emitir um selo postal. A partir daí, estava instaurada a filatelia, a arte de colecionar selos – uma prática tão intrigante quanto complexa.


A vitória na Copa de 1958 rendeu selo e carimbo em homenagem à vitória da seleção brasileira. Já a série produzida em 1970 fazia alusão às conquistas anteriores do Brasil,
em 1958 e 1962. Imagens: Reprodução

Nos idos de 1920, a filatelia atingiu seu ápice, ramificando-se e tomando um caráter histórico único. Acompanhando todos os grandes acontecimentos que passavam pela Terra, não demorou para que, ao início da primeira Copa do Mundo, em 1930, o sistema postal do Uruguai emitisse os primeiros selos comemorativos do evento. Hoje raríssimas, essas estampas só podem ser encontradas em leilões ou sites de venda específicos por um preço nada amigável. O mesmo se diz das produzidas para as competições de 1934 e 1938, realizadas na Itália e na França, respectivamente.

No Brasil, os primeiros selos em comemoração à Copa só foram emitidos quando, à sombra do governo Dutra, o país sediou a quarta edição do evento, em 1950. O mais famoso deles é o estampado pela imagem do Estádio Jornalista Mário Filho, o famoso Maracanã, que havia sido construído à altura para a competição. Ironicamente, foi lá que a Seleção Canarinha, que sequer usava o tradicional uniforme azul e amarelo, perdeu de 2 x 1 para o Uruguai e chorou o bicampeonato dos vizinhos dentro do próprio coliseu.


A desejada taça também estampou selo da vitória brasileira em 1970. Imagem: Reprodução

A tradição foi mantida e, a partir de 1958, com a Copa da Suécia, o Brasil passou a emitir sua própria série de selos comemorativos a cada nova competição. Em 1966, período em que a Companhia Brasileira de Correios e Telégrafos passava por um processo de modernização, porém, não foram emitidos selos da Copa. O fato acabou compensado pouco tempo depois, quando o tricampeonato brasileiro foi conquistado no México, em 1970. Na época, saíram alguns dos primeiros selos policromáticos da história do Brasil, cuja novidade é valorizada até hoje. Um deles, referente ao milésimo gol de Pelé, emitido um pouco antes, em 1969, tornou-se extremamente popular e hoje se acha com alguma facilidade, tamanha a adoração que os colecionadores têm por ele.

Por volta de 2002, o pioneirismo brasileiro em relação à filatelia ainda voltou a se mostrar. Os primeiros selos redondos da história do país foram emitidos em função da Copa do Mundo do Japão e da Coreia. A série trazia impressões de todos os países vencedores da competição.


Selo comemorativo dos mil gols de Pelé é um dos mais populares e ainda pode ser encontrado. Imagem: Reprodução

NOVO MOMENTO
Falar sobre o rumo que a filatelia tomou, especificamente a temática da Copa do Mundo, nos traz alguma introspecção. Na sociedade atual, cuja cultura da exposição do cotidiano individual via internet contrasta com a política de proteção e direito à imagem, é complicado visualizar a arte de colecionar selos como uma prática reciclável e capaz de se adaptar à contemporaneidade. Um exemplar, que trazia estampado Pelé dando seu famoso soco no ar, tal qual o anteriormente citado, dificilmente seria veiculado sem a autorização do atleta, por exemplo. Isso sem falar nas inúmeras cláusulas contratuais que envolvem a figura do jogador de futebol de hoje, elevado ao patamar de garoto-propaganda, empresário e tantas quantas funções lhe couberem.

No Brasil, a tiragem média de um selo entre as décadas de 1950 e 1970 variava entre um e cinco milhões de cópias, número dificilmente atingido hoje, mesmo com a população brasileira tendo quadruplicado nas últimas cinco décadas. Além disso, efemérides como os álbuns de figurinhas da Copa, tão populares nas últimas competições, também são responsáveis por capturar a atenção das gerações mais novas, restringindo ainda mais a filatelia aos velhos praticantes. Na realidade, porém, os selos sempre configuraram – e ainda configuram – uma extensa ferramenta de análise e reconstituição histórica, algo que diferencia a filatelia de outras práticas de colecionismo.


Mesmo com tiragem menor, o país manteve a tradição e preparou uma série de selos
para marcar a edição de 2014. Imagem: Reprodução

Se, no passado, a aquisição dos selos era feita através do contato direto com as sociedades filatélicas, das quais vale destacar a Associação Brasileira de Filatelia Temática (Abrafite), hoje, é ironicamente através da internet que se consegue muita coisa. Outrora uma prática ritualística muito diferente de arrastar o ícone de um produto para o carrinho de compras e efetuar o pagamento via pay pal, a aquisição dos selos gerida através de cartas chegava a tanger a poesia – algo que só é evidenciado quando traçamos a associação livre entre a própria filatelia e o motivo pelo qual foram criados os selos.

De qualquer forma, ainda que a arte de colecionar selos seja uma prática cuja capacidade de renovação não é evidente, não se deve negar a importância que ela tem, inclusive de mercado. O selo de um centavo da Guiana Inglesa, conhecido como o mais raro do mundo por só haver uma unidade, por exemplo, vai a leilão em junho desse ano e, segundo os especialistas, o evento deverá movimentar entre 10 e 20 milhões de dólares. 

FERNANDO ATHAYDE, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.

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