Areia, município com pouco mais de 30 mil habitantes, é a base num circuito pelo Brejo. Caminhando por suas ruas seculares, é possível chegar à primeira casa de espetáculos construída na Paraíba. Erguido por mãos escravas e com uma arquitetura que reflete a época de ouro da região, o Teatro Minerva é visita obrigatória num roteiro pelos monumentos históricos da cidade. Inaugurada em 1859, toda em estilo barroco, a edificação chama a atenção pela riqueza dos detalhes em madeira, que fazem dela uma relíquia arquitetônica. Impossível não se encantar com a atmosfera que permeia o prédio e promove uma volta ao tempo no qual grandes companhias europeias se apresentavam no seu palco para satisfação dos senhores de engenho.
A área rural da cidade conta com passeios para apreciar a natureza preservada
Bem perto dali, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, construída com apenas uma torre central, é possível voltar um pouco mais na linha do tempo e testemunhar o foco original da cidade que cresceu junto com a exploração da cana-de-açúcar. No local onde está a catedral existia originalmente apenas um casarão de palha que, após sucessivas reformas, se transformou numa valiosa representação da qualidade colonial que faz do Brejo um laboratório para estudantes e amantes da arquitetura. Tão importante quanto a matriz é a Igreja do Rosário, uma das mais antigas do estado, construída pelos escravos e que revela um estilo próprio. De suas janelas, descortina-se uma Areia de praças bem-ornamentadas e ruas de pedra bruta.
Apelidada de “Princesa do Brejo”, Areia se orgulha de raramente ultrapassar os 25 graus numa Paraíba em plena estiagem. No inverno, os termômetros chegam com facilidade abaixo dos 10 graus. Se, nos arredores, a cor predominante é o verde, na zona urbana de Areia, a aquarela diversifica seus tons e pinta de arco-íris as fachadas históricas. Não é difícil encontrar uma casa sendo pintada, geralmente em mais de duas cores. Tons pastéis, por ali, talvez só nas boas e madrugadoras padarias, com suas chaminés de tijolo vermelho-barro.
Eminentemente católica, Areia é pontuada por igrejas
E já que o assunto é cor, que tal uma passada na Casa de Pedro Américo? Ali, na residência em que nasceu, está instalado um pequeno museu sobre o artista plástico que faleceu em 1905, em Florença, na Itália, e que imortalizou um dos grandes momentos da história nacional com a obra Independência ou morte, de 1888, conhecida popularmente como O grito do Ipiranga.
Multicoloridas, também, são as fachadas decoradas com azulejos portugueses. Muitos estabelecimentos comerciais do centro da cidade ostentam preciosos exemplos dessa arte decorativa. Em uma delas, talvez a mais famosa, lê-se em cerâmica portuguesa o título “A Felicidade”. Areia é, na verdade, um variado conjunto de tradições e estilos diferentes que se agrupam em construções inter-relacionadas através das cores. Nessse contexto, destaque para o verde-claro que cobre a fachada da Igreja do Rosário.
Cada fachada reflete o jeito simples e hospitaleiro do lugar
REINO DO AÇÚCAR
“O açúcar adoçou tantos aspectos da vida brasileira, que não se pode separar dele a civilização nacional.” Em poucos lugares do Nordeste brasileiro, a frase do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre faz tanto sentido quanto no Brejo paraibano. Apenas em Areia, mais de 100 engenhos estavam em atividade entre meados do século 19 e final da década de 1960. Hoje, os poucos mais de 20 que sobreviveram mantêm a tradição.
Nas fotos a seguir, as várias etapas da feitura da rapadura, produto elementar na formação econômica de Areia
Areia abriga os primeiros engenhos da Paraíba que contaram com máquinas a vapor, a exemplo do Engenho Vaca Brava, inaugurado em 1860 e considerado o mais antigo da região. Aurélio Leal, seu proprietário, é especialista em contar histórias da época em que as fazendas eram equipadas com senzalas e escravos moíam a cana. Ainda hoje, a cachaça produzida no Vaca Brava é armazenada em barris de umburana e de jequitibá.
Carregados de memória, os engenhos começam o dia, ainda escuro, já moendo o caldo e espalhando o doce perfume da cana. Antes de se chegar ao famoso tablete de rapadura, no entanto, várias etapas são realizadas.
O primeiro líquido constitui o melaço, ou mel, que dá origem ao alfenim e à batida, com o seu característico aroma de cravo. Todo realizado manualmente, o processo exige a presença de um mestre, o homem responsável por dar o “ponto” certo ao doce. Produzida com um único ingrediente, a rapadura já foi vítima de preconceito em função da sua raiz popular, mas hoje incrementa com um toque rústico as receitas de chefs famosos. Sua alta qualidade nutritiva também é reconhecida pelo mercado de produtos naturais, que valoriza sua superioridade em relação ao açúcar refinado.
O ciclo da rapadura foi tão importante para a formação econômica e cultural do Brejo paraibano, que mereceu a criação de um museu específico sobre o tema. Instalado dentro do campus da Universidade Federal da Paraíba e cercado por uma mata preservada, o lugar resguarda uma típica casa-grande do final do século 19 e um engenho que documenta em detalhes a evolução do processo manual de produção de uma das mais tradicionais iguarias nordestinas.
Em Bananeiras, cidade a 45 km de Areia, as construções do período colonial destacam-se pela mistura de estilos arquitetônicos, refletindo o ecletismo cultural que caracteriza o Brejo. Entre os exemplares do patrimônio que sobreviveram na área urbana da cidade, um dos mais representativos é o Túnel do Trem, construído em 1922 e que permitiu que a estrada de ferro chegasse até a cidade.
Já no Cruzeiro de Roma, datado de 1899 e construído em homenagem à Sagrada Família, a viagem pela Serra da Borborema atinge literalmente seu ponto alto. Fincado a exatos 507 metros de altitude, o santuário descortina a visão e revela, entre serras e pequenas reservas florestais, as imponentes chaminés de tijolo aparente, símbolos marcantes de uma doce época impregnada de vapor melado.
AUGUSTO PESSOA, jornalista e fotógrafo.