“Eu queria escrever um romance de aventuras. Uma história que provocasse, continuamente, o que os americanos chamam de sense of wonder: aquela quebra de paradigma e ‘maravilhamento’ que se relaciona com a descoberta de algo, e que me parece tão intrínseco à uma história de aventura, mas também se encaixava com o período retratado. O século 18 é o do Iluminismo, de uma quebra de pensamento radical, que resultaria numa mudança profunda no modo de vermos a sociedade”, explica.
De fato, a classificação de um romance como histórico não está necessariamente definida por restrições ou limites. Segundo o escritor e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Luís Augusto Fischer, o romance histórico não é uma especialidade brasileira, em sentido estrito. “Porém, em sentido amplo, há muita matéria histórica no grande romance brasileiro, como acontece em casos estratégicos da obra de Machado de Assis”, pontua. De acordo com Fischer, existe uma dificuldade dos escritores contemporâneos em lidar com as características do pós-modernismo e, ao mesmo tempo, estabelecer uma conexão com a tradição do romance histórico, mecanismo utilizado com mestria na narrativa de Quatro soldados.
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Outro ponto levantado pelo professor é a constante referência, na literatura, aos conflitos políticos nas fronteiras geográficas do Sul do país. “Em certo momento, o Rio Grande do Sul desejou ser um país à parte, numa guerra que durou 10 anos, na qual o Brasil venceu a unidade do território. Essa perda gerou um sentimento, uma consciência e uma fantasia de diferença, de singularidade, que até hoje é sentida, às vezes de forma caricata, às vezes de modo consistente. O romance histórico gaúcho se liga diretamente a esse complexo, essa relação difícil entre o sul e o centro do Brasil.”
Com uma narrativa divida em quatro capítulos, que poderiam ser facilmente desenvolvidas separadamente, Quatro soldados traz imagens carregadas de eventos grandiosos. Um exemplo disso é a cena em que dois personagens lutam contra um monstro macabro em um tipo de caverna subterrânea. Nesse ponto, Samir consegue surpreender novamente o leitor com suas habilidades como roteirista de aventuras, acrescentando ironia a uma certa elegância textual insolente: “E agora, leitor, rufem tambores e trovões e cantem os corais, que se fosse dito que tal gana percorreu o braço de Licurgo até converter-se num tiro de pistola perfeitamente preciso, a atravessar a garganta do animal e sair pela nuca, fazendo a besta-fera tombar morta no mesmo instante e caindo a cabeça para um lado e o Andaluz são e salvo para o outro, há de se concordar que tal resultado, ainda que bastante realista, não condiz nem com a tua expectativa tampouco com a minha”.
No início, Quatro soldados traz como epígrafe uma citação de Mason e Dixon, de Thomas Pynchon. Nela, o escritor norte-americano afirma que a literatura é uma “excitação mental das mais mesquinhas e ordinárias”. Ao final das 317 páginas, o que fica para o leitor é a vontade de, com muito afinco, continuar sua busca literária por essa sedutora “excitação mental”. A escrita de Samir oferece uma possibilidade de inquietude intelectual das mais solidárias e honestas.
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