Arquivo

Veadeiros: A joia do cerrado

Parque Nacional goianense, distante 250km de Brasília, oferece experiência de contato intenso com a natureza, sobretudo com a rica fauna e flora do cerrado, cachoeiras e cânions

TEXTO E FOTOS AUGUSTO PESSOA

01 de Fevereiro de 2014

Foto Augusto Pessoa

Caminhar pelo cerrado brasileiro, com sua imensa variedade de plantas e animais, é uma experiência que só se completa quando o destino em questão é o pouco conhecido e ainda preservado Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Localizado a 250 quilômetros da capital federal, num dos pontos de maior concentração de energia da América do Sul, o lugar é um santuário natural, de acordo com quem entende do assunto. O fato, comprovado por anos de exploração, é que a chapada está sobre uma gigantesca afloração de cristal e emana uma atmosfera de paz e tranquilidade. Apenas isso foi necessário para que, a partir da década de 1970, o lugar passasse a receber esotéricos de todos os cantos do mundo, transformando a reserva numa espécie de meca do misticismo nacional e fomentando o turismo ecológico numa das áreas menos habitadas do país. Com trilhas que levam o aventureiro por caminhos que lembram as ilustrações oníricas dos contos de fadas, esse parque é um dos menores do Brasil, mas nem por isso deixa a desejar no quesito beleza.


Entre as principais atrações do lugar, estão as cachoeiras e corredeiras

Segundo o pesquisador, escritor e terapeuta holístico Ergom Abraham, “a Chapada dos Veadeiros é um local predestinado a ser uma espécie de berço de uma nova raça”. A profecia, vista por alguns como absoluto devaneio místico, é plenamente compreensível quando se visita essa bela região do Brasil Central. Conhecida por suas cachoeiras e cânions, a chapada abriga uma flora com variedade de cores e formas. Criado em 1961, o Parque Nacional protege uma área de mais de 65 mil hectares do cerrado de altitude, revelando diversas formações rochosas, centenas de nascentes e vegetação própria. Área de antigos garimpos, a chapada foi declarada em 2001, pela Unesco, Patrimônio Mundial Natural. Uma extensa área do parque vive permanentemente fechada para visitas, sendo reservada aos estudos científicos.


Minerais, fauna e produção artesanal estão em abundância no cerrado

Os roteiros começam fora da área do parque, quase sempre no Raizama, um santuário que resguarda uma das mais belas cachoeiras da região. Com uma trilha de quatro quilômetros (ida e volta), o Raizama inclui vários pontos de parada em que é possível apreciar toda a exuberância da natureza. O primeiro ponto é chamado de “hidromassagem”, no qual o visitante pode relaxar sentado debaixo de uma pequena queda d’água, formada pelo córrego que, mais na frente, formará a cachoeira do Raizama. A cachoeira, de mais de 60 metros, cai no Rio São Miguel e forma um maravilhoso cânion. Bem perto dali, seguindo o mesmo roteiro do rio, chega-se à Morada do Sol, outro santuário de extrema beleza e que atrai visitantes a cada final de semana. Tanto aqui quanto no Raizama, não é obrigatória a presença de guias, sendo cobrada uma pequena taxa de manutenção da área. Todo o local é bem-sinalizado e as trilhas são bem fáceis, não exigindo preparação física especial para percorrê-las.

Depois de recompor as forças em banhos inesquecíveis, é hora de seguir para o Vale da Lua, um dos pontos de maior visitação na região da chapada e que se destaca pela peculiar formação rochosa, fruto do paciente trabalho das águas que há milhões de anos vêm esculpindo o cenário semelhante a esculturas de formas orgânicas. Localizado na Serra da Boa Vista, o Vale da Lua também está fora dos limites do parque e pode ser visitado por uma pequena trilha. O nome vem da aparência do terreno, repleto de crateras, que se transformam em piscinas naturais. Nas curvas em que as corredeiras são mais fortes, ocorrem pequenos redemoinhos, criando um vigoroso movimento de águas. Um pouco mais abaixo das formações do Vale da Lua, o rio se dilata e forma uma piscina natural com o fundo de areia, ideal para relaxar e aproveitar a paisagem do cerrado.

Por ter sido descoberta por hippies, durante a década de 1970, a região acabou desenvolvendo uma forte consciência ecológica, um bom exemplo para outras áreas de preservação do país e assunto corriqueiro nas salas de aula da região.

A Chapada dos Veadeiros recebeu esse nome em homenagem aos cachorros que habitavam o cerrado tempos atrás e eram usados pelos caçadores para encurralar os veados na época do garimpo. Hoje em dia, o Parque Nacional preserva uma grande área onde a caça, felizmente, só é realizada entre as próprias espécies silvestres que habitam a região. Abrangendo os municípios de Alto Paraíso e São Jorge, a chapada é um dos mais bem-preservados parques do Brasil. Suas trilhas contam muito sobre a história geológica dessa região do Brasil.

Depois de visitar os roteiros que estão fora do limite do parque, é hora de encarar a trilha que leva ao Salto do Rio Preto. Depois de mais ou menos uma hora de caminhada, chega-se até o mirante de onde é possível apreciar o majestoso cânion do Rio Preto, com suas formações rochosas e o rio, passando lá embaixo. Mas a atração principal está um pouco mais à direita, na alta e imponente Cachoeira dos Veadeiros. São duas quedas, paralelas, que caem de uma altura de 120 metros e formam um belo lago onde, hoje em dia, não é mais possível o acesso dos turistas. Mas, como a trilha é puxada, o visitante não poderia ficar sem um bom mergulho. A uma caminhada leve de 10 minutos, chega-se adiante, onde é permitido o banho. Mas mesmo ali existe um limite, imposto por um cabo de aço. Vale a pena entrar no lago formado pela cachoeira, principalmente por estar emoldurado pela linda queda que, contra a luz da manhã, oferece um vigoroso espetáculo de força. No roteiro de volta, há ainda uma parada para apreciar as Corredeiras, considerado por muitos o melhor banho do parque. O lugar revela dezenas de piscinas naturais, nas quais a água ganha uma coloração vermelha devido às rochas. É um verdadeiro paraíso, principalmente para quem começou a andar no início da manhã.


A Cachoeira dos 80 é uma das quedas d'água onde o banho é permitido

CRISTAIS
A formação rochosa do cerrado é uma das mais antigas do planeta. São quartzitos de cristal que remontam ao período em que a região foi literalmente escavada pelos garimpeiros em busca das riquezas escondidas no seu solo. O minério era exportado para o Japão e Inglaterra, para fins industriais. Ainda nas caminhadas, podem ser apreciadas revoadas de papagaios, araras e tucanos. Com sorte, é possível avistar o gavião-carcará, um dos maiores predadores da região e considerada uma das mais belas aves do cerrado brasileiro. A chapada é ainda refúgio para lobos-guarás, raposas e veados campeiros. Animais em risco de extinção, como a capivara, as emas e o tamanduá-bandeira, ainda são encontrados nessa reserva da vida silvestre. Todos os roteiros dentro do parque são coordenados por experientes guias e partem da sede do Ibama, onde um bem-estruturado Centro de Apoio aos Visitantes oferece biblioteca, sala para palestras e estacionamento. Às segundas-feiras, o parque fecha para manutenção interna.


O terreno do Vale da Lua é repleto de crateras, que se
transformam em piscinas naturais

BANDEIRANTES
O minério que, na Chapada dos Veadeiros, parece brotar da terra, já foi objeto de cobiça por parte de milhares de garimpeiros que ali chegavam em busca de enriquecimento. Durante o século 17, nasceram ali as primeiras trilhas, abertas pelos bandeirantes que buscavam ouro e pedras preciosas. Mas foi em 1912 que a região se transformou num tesouro a céu aberto, quando os garimpeiros invadiram a chapada. Contam que, em 1944, viviam na região cerca de dois mil garimpeiros. Com a criação do Parque Nacional, em 1961, o garimpo foi extinto e outro tipo de invasão começou a ocorrer, a dos esotéricos. Dessa vez, no entanto, os desbravadores não buscavam explorar, mas, sim, aproveitar o astral que domina esses ares. A chapada é reconhecida pela Nasa como a região de maior luminosidade do planeta. Isso se deve ao simples fato de o lugar estar situado sobre o maior bloco compacto de cristal do mundo, com 30 quilômetros quadrados.
 
Animais em risco de extinção, como emas e tamanduás, estão entre as espécies lá encontradas

Em Alto Paraíso, cidade-base da chapada, estão instalados mais de 40 grupos místicos, filosóficos e religiosos. Segundo especialistas, o Paralelo 14, que atravessa a lendária cida de de Machu Pichu, no Peru, também passa sobre Alto Paraíso. A chegada de artistas na região trouxe também uma rica produção de peças que hoje atraem os turistas. Pode-se encontrar quase tudo feito com cristal, desde a pedra em seu estado bruto, até delicadas joias trabalhadas pelos artesãos. Outra arte que parece ser uma marca registrada dos Veadeiros é o Filtro dos Sonhos, uma espécie de mandala, criada originalmente pelos índios e que teria o poder de neutralizar as energias negativas. Com sua aura de encanto e um clima que parece colocar o Brasil central no mapa da rota mística mundial, a Chapada dos Veadeiros é um convite ao mais profundo mergulho interior e uma rara oportunidade para fortalecer a nossa íntima conexão com a natureza num cenário, no mínimo, espetacular. 

AUGUSTO PESSOA, jornalista e fotógrafo.

veja também

Quinteto Violado: Ensaio para a folia

Jonathas Andrade: A insurgência dos carroceiros como metáfora

William Burroughs: O malvado favorito da contracultura