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Midiatização: Papel dos mass media, agora

Teóricos buscam entender como a interação através das novas tecnologias afeta a vida dos sujeitos, tornando diferente suas presenças no mundo, dominadas pela esfera dos negócios e comércio

TEXTO Marcelo Robalinho

01 de Fevereiro de 2014

Imagem Hallina Beltrão sobre fotos de divulgação

De simples transmissora de informação à ambiência significante e influenciadora de outros campos e instituições socioculturais. Assim pode ser descrita a mídia no contexto em que vivemos. Importante na contemporaneidade, a midiatização é um fenômeno que vem sendo mais explorado pelos teóricos da comunicação. Caracterizada por um tipo particular de interação, a partir da inserção das tecnologias nas práticas sociais e institucionais, ela afeta as formas de vida tradicionais e implica diferente modo de presença do sujeito no mundo.

Representaria um quarto bios, como defende o professor titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO–UFRJ) Muniz Sodré, pensando nas formas de existência humana definidas por Aristóteles na Antiguidade Clássica. Para o filósofo grego, a existência era concebida em determinados gêneros qualificativos, os chamados bios, ambientes em que ela se desenrolava. Dentre eles, havia o bios theoretikos, que representava a vida contemplativa e o conhecimento, o bios politikos, que indicava a vida política, e o bios apolaustikos, que era a vida prazerosa e do corpo. “Partindo dessa classificação aristotélica, a midiatização pode ser pensada como um quarto âmbito existencial em que predomina a esfera dos negócios e do comércio”, aponta.

Aristóteles não via a vida dos negócios como um bios específico porque não era possível se atrelar o comércio ao bem e à felicidade desejados pela comunidade na Antiguidade, mas apenas ao lucro, ao contrário do que se dá hoje, explica Sodré. “Reinterpretei o conceito pensando num bios virtual, no qual a mídia seria uma forma de acesso à atual forma de existência, em que a comunicação e a informação deixaram de ser despesas extras do capitalismo financeiro para se tornarem elementos fundamentais na circulação de capitais especulativos e na criação de ideologias para ocultar as consequências sociais desse capitalismo, como o desemprego, se pensarmos na questão do trabalho, por exemplo”, diz.

Tendo a internet como elemento potencializador da midiatização, especialmente através das redes sociais (via Facebook e Twitter, sobretudo) e da convergência digital proporcionada pela junção da internet com meios tradicionais – como o jornal, o rádio e a televisão –, esse processo vem criando um tipo de sociabilidade efetivamente em rede. “A rede tem um sobrevalor ideológico muito grande no espaço urbano, pois traz consigo a ideia de conexão, ligação, organização de coisas diferentes. Daí a importância, hoje, da comunicação, que não significa apenas transmissão de mensagens, mas coesão, laço”, argumenta Muniz Sodré.

Segundo ele, a noção de rede não é nova no espaço urbano. “A cidade sempre foi rede: de esgotos, de ruas, de fiações elétricas, assim como foi considerada monumento (ligado à noção de arquitetura, com prédios e edifícios) e máquina (concentração de meios produtivos, fábrica, usina). A sociabilidade em rede gerada pela midiatização exacerba os contatos. Nunca foi tão fácil acessar o outro, nem se desfazer dos contatos. Basta apagar ou bloquear o outro da rede, enquanto que, nas trocas intersubjetivas, isso não é tão fácil assim. Para fazer um inimigo, custa emocionalmente, tanto quanto para fazer um amigo. Então, essa multiplicação dos contatos, essa aproximação é, na verdade, uma forma de neutralização tecnológica das tensões que existem nas trocas intersubjetivas reais, uma vez que toda relação, todo vínculo humano é tenso, conflitivo, contraditório”, analisa Sodré.

Usuário do Facebook há pouco mais de três anos, o carioca Eider Moreira, 60, criou o seu perfil buscando contatos, muitos deles desconhecidos. “Demorei para entrar no Face, assim como para começar a usar o computador. Mas, incentivado por um amigo, decidi entrar na rede. Foi o paraíso para mim. No princípio, eu queria ter muitos amigos, sabendo que quem tem poucos não conta com prestígio. Então, comecei a colocar muita gente, às vezes, sem saber de quem se tratava exatamente, mais por afinidade comigo em relação à música e artes em geral. Com o passar do tempo, porém, fui vendo que havia pessoas que não tinham nada a ver comigo, mesmo com interesses em comum. Então, comecei a excluí-las.”


Pesquisador Muniz Sodré aplicou o conceito aristotélico de bios – ou formas de existência humana – para entender a contemporaneidade. Foto: Divulgação

Agora, com 467 contatos no seu perfil, Eider reconhece ser um usuário assíduo no Facebook, embora não abra mão do contato pessoal para a criação e a solidificação de uma amizade. “Há pessoas que moram fora do Rio com quem eu mantenho contato permanente até hoje por ter muito a ver comigo, mesmo sem conhecê-las pessoalmente ainda. Com outras, pude desenvolver pessoalmente uma amizade a partir do Face, sobretudo pelo caráter, a lealdade, a sinceridade e a aproximação proporcionada”, diz o administrador de empresas aposentado.

CONEXÃO NAS RUAS
Para Muniz Sodré, a conexão é um elemento poderoso na lógica da midiatização. Ele toma como exemplo as manifestações que ocorreram no Brasil em 2013. “As pessoas entraram num êxtase de conexão nas ruas. Já estavam sideradas pelo êxtase da conexão nas redes sociais,e provaram o do contato coletivo direto, que é diferente. Havia dizeres nos protestos fazendo referência ao fato de as pessoas terem ido das redes sociais para o encontro nas ruas. Algumas delas, como o sociólogo Manuel Castells, interpretaram isso como: ‘O Facebook nos uniu’. Interpretei de outra forma: ‘Nós saímos do Facebook’. Para mim, a rede foi só mobilizadora. Foi um meio de conexão. As manifestações de rua não foram internéticas. Foram uma fricção da tensão comunitária de jovens que sentiram no corpo a discriminação e a indignação frente a uma situação social específica”, considera.

A jornalista cearense Clarisse Cavalcante, 30, foi uma das pessoas mobilizadas pelas redes para participar das passeatas ocorridas no Rio de Janeiro, onde realiza o seu mestrado atualmente. “As redes tiveram um papel importantíssimo. Era através delas que eu me informava sobre os eventos criados a partir das primeiras manifestações e sobre os próximos passos. Passei a acompanhar pessoas, adicionando algumas delas aos meus contatos pela análise e pelo compartilhamento que faziam dos eventos. Eu, que sempre fui ligada ao movimento estudantil no tempo da faculdade, vi novamente a mobilização das pessoas em torno de causas maiores que as suas próprias. Evidentemente, interessei-me em participar das manifestações. E tive que aprender também a lidar com os perigos das redes, com os diversos perfis e chamadas para eventos falsos. Mas, no geral, a virtualidade da rede potencializou as manifestações nas ruas”, avalia Clarisse.

Dentre as principais comunidades ligadas ao processo de midiatização, Muniz Sodré cita os jovens como um núcleo potencial, bem como as mulheres e algumas minorias emergentes, a exemplo dos gays, que a mídia acaba acolhendo. “A mídia sempre privilegia os grupos em função do consumo, de quem pode consumir mais. Então, não é qualquer comunidade, apenas aquelas que apresentam formas de subjetivação compatíveis com o mercado e a tecnologia”, considera. 

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