“Como o lugar em que nasci não tinha oportunidade para nada, a ideia de ser artista não existia porque eu não dimensionava o que era isso. Lá não tem tradição de artesanato. O Cariri é rico em termos de artesanato, mas a região do meio não tem nada”, comenta. O garoto passava o dia desenhando na areia, pois nem papel havia. Criado em uma família católica, reteve, desde cedo, as imagens dos ex-votos acumulados nas igrejas, o que lhe inoculou “mais um sentido crítico do que uma crença”.
Nas pequenas esculturas, um desafio para o espectador.
Foto: Divulgação
Aos sete anos, veio a primeira mudança, para um conjunto habitacional na capital cearense. Nas férias, Efrain voltava para o Sertão, onde aprendeu a manusear o barro vermelho, usado pelo avô para fazer utensílios domésticos. “Quando voltei, descobri que tinha do mesmo barro no quintal do conjunto. Foi uma sensação de descoberta ver que era possível fazer formas com aquele material”, relembra. A surpresa da mãe ao constatar o passatempo dele talvez seja uma das chaves para compreender o universo fantástico e singular que hoje caracteriza sua obra. Porque, quando ela dizia “de onde você tirou isso?” e ele respondia “da minha imaginação”, o menino mostrava à mãe e a todos a matéria de que era constituído. Sua criatividade inata, sua investigação particular da paisagem ao redor e sua apropriação peculiar das memórias que carrega e reutiliza, todos os elementos perduram, até hoje, nas esculturas e instalações que concebe.
Seu trabalho revela delicadeza no trato com tecido e madeira.
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UMBURANA
Os cinco anos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, aprofundaram seu conhecimento empírico. Para ingressar no curso, precisou submeter alguns trabalhos a Luiz Aquila, “o pai da geração 80”. Esse segundo deslocamento, do Ceará ao Rio, deu-lhe a certeza necessária. “Eu tinha muitas coisas que guardava num baú que naquela hora passaram a fazer sentido”, rememora. Começou a trabalhar com umburana porque é uma madeira “resistente, perfumada e sobrevive na selva”. É nela que até hoje talha as microesculturas que cria, sempre em uma dimensão a reter o olhar do espectador. “O autorretrato é quase como um índice para informar que o assunto do meu trabalho sou eu mesmo. É uma obra autorreferente e a forma de indicar isso é a noção de escala, que determina outra relação na hora de fruir a obra. O posicionamento do personagem chega ao imaginário. Ele está desprotegido, pequeno diante da base gigantesca de melancolia e solidão”, explica.
Artista afirma que viu no prosaico o momento mágico. Foto: Divulgação
A cumplicidade se estabelece para além dos diminutos “Efrains” e se espraia nos animais inventados e nos pares de olhos, dois conjuntos recorrentes. “Minha obra é um convite à troca, à confissão. Eu convido o espectador à intimidade que quase não existe nesse mundo de informação e relações superficiais. Mas tudo é um jogo. Quando você entra num espaço expositivo para observar e é observado, como um espelho a refletir, tem a ideia de inversão de sentidos. Meus autorretratos estão o tempo todo observando os espectadores, com dramaticidade, delicadeza e ambiguidade”, situa.
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Influências da literatura de cordel, das histórias de assombração sussurradas pela avó, da iconografia católica e do imaginário fantástico do Sertão o marcam, e ele nunca as repele. “Em cada projeto, tento resgatar a primeira sensação de quando entrei numa igreja pela primeira vez e vi aquele quarto de milagres. Que arrebatamento pelo poder de transformação da imagem nas coisas mais cotidianas! A beleza está nesses momentos”, acredita. “Em o Quintal do imaginário, imaginei 32 pintinhos, como se estivessem numa cena cotidiana, dispostos em tablado de madeira, num momento mágico. Olhar para aquilo de certa forma me modificou”, afirma. Eis o sublime, segundo Efrain Almeida.
LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.