Nessa mesma época, o cineasta Bruno Barreto fixou residência em Los Angeles e tentou repetir em Hollywood seu sucesso no Brasil. Não deu muita sorte. Seus Assassinato sob duas bandeiras (1990), em que conheceu a mulher, a atriz Amy Irving (de quem já se divorciou), Atos de amor (1996), One tough cop (1998) e Voando alto (2003), com Gwyneth Paltrow, não repercutiram bem nas bilheterias – tanto que, mesmo morando boa parte do tempo nos EUA, Barreto dedica-se às produções brasileiras, como o drama Flores raras e a comédia Crô, ambos de 2013.
Em 1998, Central do Brasil revelou Walter Salles e Fernanda Montenegro para a indústria americana, mas nenhum dos dois mostrou interesse em manter proximidade intensa com Hollywood. Fernanda só trabalhou no esquema de “primeiro mundo” com Mike Newell, na adaptação O Amor nos tempos do cólera (2007), ao lado de Benjamin Bratt e Javier Bardem. De sua parte, Salles sofreu com a experiência em Água negra (2005), protagonizado por Jennifer Connelly, e só retornou ano passado para os EUA, em um esquema mais alternativo e com mais controle para filmar Na estrada, adaptação do clássico beatnik de Jack Kerouac.
NOVA SAFRA
Tirando uma aparição ocasional, equivocada aqui (Murilo Benício, em Sabor da paixão, ao lado de Penélope Cruz) e ali (Seu Jorge, em A vida marinha com Steve Zissou, Gero Camilo e Charles Paraventi, em Chamas da vingança), nenhum ator brasileiro conseguiu virar uma presença constante em Hollywood até 2003, quando Rodrigo Santoro fez a famosa participação “entrou mudo e saiu calado” em As panteras: detonando.
Em 10 anos, Santoro construiu uma carreira sólida, trabalhando com diretores do primeiro time, como Steven Sodebergh (Che), Richard Curtis (Simplesmente amor), Zack Snyder (300). Entrou e saiu (odiado) de Lost, uma das séries mais importantes da TV moderna e atuou ao lado de Jim Carrey (O golpista do ano) e Arnold Schwarzenegger (O último desafio).
Ultrapassando a ideia de galã latino estereotipado, o brasileiro começou a ganhar trabalhos que normalmente iriam para atores americanos. “Quando recebi o roteiro de O que esperar quando você está esperando, a primeira coisa que fiz foi procurar o personagem latino chamado Raul ou José”, brincou Santoro, em entrevista à Folha de S.Paulo, ano passado. “Mas não encontrei nenhum estereótipo. Bem diferente de quando eu comecei, em 2003.”
Santoro ainda se mantém em Hollywood sem precisar apelar ao passado noveleiro na Globo. Já está confirmado em Jane got a gun, primeiro filme de Gavin O’Connor desde o sucesso de Guerreiro, agora com Natalie Portman e Ewan McGregor no papel principal, e Focus, com Will Smith. E aposta em duas sequências para 2014: 300: a ascensão do império e Rio 2.
Mas o galã não está sozinho em Hollywood. Wagner Moura teve uma atuação destacada em Elysium, de Neill Blomkamp (Distrito 9), que rendeu cerca de US$ 290 milhões no mundo inteiro. O New York Times o comparou a Raul Julia (talvez na falta de um exemplo mais conhecido entre atores latinos). Mesmo dedicado ao cinema nacional, Moura volta a uma superprodução estrangeira, em Trash, de Stephen Daldry (As horas), que foi filmado no Brasil recentemente.
Rodrigo Santoro (esq.) superou os clichês associados aos atores latinos e hoje tem participado de projetos de bons diretores. Foto: Divulgação
“A diferença está na grana, no quarto maior e na janela de frente para o mar”, disse o ator, quando o encontrei em Cancún, México, em um evento da Sony Pictures, que reuniu os maiores astros de seus lançamentos de 2013 em um hotel de luxo. “O resto é parecido. Eu posava com banners e tinha a mesma agenda intensa de entrevistas com Tropa de Elite 2 no Festival de Berlim, por exemplo.”
Alice Braga, sua amiga e colega de set em Elysium, já sabia disso há algum tempo. Depois de ser revelada em Cidade de Deus, em 2002, Alice, que é sobrinha de Sônia Braga, passou a ser cortejada por Hollywood. Em 2006, fez 12 Horas até o amanhecer, produção americana com locações em São Paulo e protagonizada por Brendan Fraser. Em um espaço de quatro anos, ela virou a brasileira mais disputada da indústria cinematográfica americana – já que Gisele Bündchen falhou rigorosamente em sua tentativa como atriz na péssima comédia Táxi, de 2004. No cardápio, muita ficção científica (Eu sou a lenda, O resgate de órgãos, Predadores), um terror (O ritual) e longas mais “sérios” (Território restrito).
Em 2008, voltou a filmar com Fernando Meirelles, que a descobriu em Cidade de Deus. Assumiu um dos papéis de Ensaio sobre a cegueira, adaptação do romance de José Saramago, que não teve o filme transformado em sucesso – de público ou crítica. Apesar do contratempo, Meirelles até hoje é o diretor brasileiro com melhor trânsito em Hollywood.
Não é o mais bem-sucedido, porque Carlos Saldanha assumiu esse posto, ao dirigir as animações A Era do Gelo 2 e 3 e Rio, cuja sequência está prevista para este ano. Mas, certamente, Fernando Meirelles é o mais prestigiado. Após ser indicado como melhor diretor em 2004 por Cidade de Deus, o cineasta acertou em cheio com outra ótima adaptação: O jardineiro fiel, sua estreia em Hollywood, que rendeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante para Rachel Weisz. O diretor perdeu um pouco do brilho depois de Ensaio sobre a cegueira, mas foi 360 que colocou uma nuvem de dúvida sobre sua capacidade de escolha de um projeto tão ousado quanto Cidade de Deus.
O drama, estrelado por Anthony Hopkins e Jude Law, foi direto para video on demand nos Estados Unidos e não chegou aos US$ 2 milhões nas bilheterias mundiais. Talvez isso explique os constantes adiamentos nas filmagens de Nemesis, sobre o magnata grego Aristóteles Onassis – além da pressão da família Kennedy, que não gostou do roteiro de Bráulio Mantovani retratar Jackie, a viúva de JFK e ex-mulher de Onassis, como uma interesseira.
Mas o prestígio de Cidade de Deus, ignorado pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2003, mas aclamado pela Academia no ano seguinte, indicado a quatro Oscar (direção, fotografia, roteiro adaptado e montagem), permanece intocável. O maestro Antonio Pinto, responsável pela trilha, ao lado de Ed Côrtes, passou a trabalhar para longas de Mel Gibson (Plano de fuga) e fez a música de A hospedeira, baseado no livro homônimo de Stephenie Meyer, autora da saga Crepúsculo.
O montador Daniel Rezende aproveitou a indicação ao Oscar com louvor, passando a editar filmes com Terrence Malick (A árvore da vida, ganhador da Palma de Ouro em Cannes) e o remake RoboCop, capitaneado por um brasileiro. No caso, José Padilha, responsável por Tropa de elite, chamado pela Sony para trazer o policial do futuro criado nos anos 1980 para o cultuado longa de Paul Verhoeven. Padilha, que filmou no Canadá com orçamento de US$ 100 milhões, enfrenta o fato de não poder exagerar na violência (ao contrário do original, o novo RoboCop é apropriado para adolescentes desacompanhados) e a ira dos fãs radicais. No entanto, o brasileiro está à vontade em Hollywood, tendo poderes até sobre o pôster da produção e já preparando o futuro, assumindo um projeto sobre o czar das drogas colombiano, Pablo Escobar, para o Netflix.
Revelada em Cidade de Deus, Alice Braga atua nos EUA desde 2004. Foto: Divulgação
Hoje, a “comunidade brasileira” vive um de seus melhores momentos em Hollywood – ou nessa definição etérea do que é Hollywood. Affonso Beato, que já foi o fotógrafo preferido de Pedro Almodóvar (Carne trêmula, Tudo sobre minha mãe) e trabalhou em A rainha, de Stephen Frears, prepara Mis-fits, novo filme protagonizado por Guy Pearce (Amnésia). Na mesma área, Adriano Goldman é um dos cotados ao Oscar 2014 por sua direção de fotografia em Álbum de família, com Julia Roberts e Meryl Streep. Falando em premiação, Mauricio Zacharias, roteirista brasileiro de Deixe a luz acesa, de Ira Sachs, foi um dos indicados ao Spirit Awards, maior prêmio do cinema independente americano.
Mas é na direção que o país tem mais representantes. Se o pernambucano Heitor Dhalia (Serra Pelada) sofreu com a interferência do estúdio na sua estreia hollywoodiana em 12 horas, com Amanda Seyfried, ao ponto de pensar em desistir do longa em plena filmagem, o paulista Afonso Poyart, que só tinha o hit jovem 2 Coelhos no currículo, está preparando o thriller Solace sem pressão de estúdio, mesmo tendo os pesos pesados Anthony Hopkins e Colin Farrell no elenco. “Não posso falar sobre a experiência dos outros, mas a minha tem sido a melhor possível”, confirmou o cineasta em seu apartamento/escritório em São Paulo (no momento, ele está em Los Angeles, finalizando a produção, ao lado do montador gaúcho Lucas Gonzaga).
Entre as atrizes, a concorrência é pesada e o resultado nem sempre é satisfatório. A maioria das brasileiras que tentam a vida em Hollywood é mais conhecida pela beleza do que pelo talento – mesmo quando ele existe. Jordana Brewster cresceu no Rio, apesar de ter nascido no Panamá, filha de carioca, e ainda depende da franquia Velozes e furiosos para projetar sua carreira, hoje mais dedicada à TV. Caso parecido é o de Camilla Belle, que nasceu em Los Angeles, mas é filha de mãe brasileira e fala português fluentemente: fez superproduções como 10000 a.C. (2008), mas hoje só consegue filmes independentes, como o drama gay Love is all you need?.
Entre as novatas, a moça da vez é a carioca Morena Baccarin, que foi descoberta por Joss Whedon (Os vingadores), na série Firefly, que foi cancelada. Vagou anos de programa em programa pelos canais americanos, inclusive como a vilã de V, mas só teve reconhecimento pelo papel de mãe de família e mulher de um terrorista em Homeland, pelo qual foi indicada ao Emmy de atriz coadjuvante, em 2013.
REBECCA DA COSTA
A atriz serve de modelo para outras novatas. Como a pernambucana Rebecca da Costa, que acabou de filmar com Robert De Niro e John Cusack. Nascida e criada no Recife, Rebecca já pensava em ser atriz desde pequena, quando dirigia, escrevia e atuava em peças escolares. Mas outros fatores a tiraram do caminho por um tempo. “Com meus 1,80m, era a mais alta da escola. Nem queria seguir esse caminho, mas fui selecionada em um concurso e me mudei para São Paulo”, conta ela.
Na capital paulista, aos 14 anos, terminou o segundo grau enquanto se destacava nas passarelas. Dois anos depois, foi morar em Milão e desfilou para Yves Saint Laurent, Giorgio Armani e Missoni. Foi o início dos sete anos em solo europeu, chamando a atenção por sua beleza morena em países como Alemanha, Áustria e Grécia – experiência que a deixou fluente em alemão, espanhol, italiano e inglês. Em 2008, decidiu morar em Nova York e, então, sua vida deu uma guinada.
“Foi a época em que a crise econômica bateu forte. Mesmo estando na capital mundial da moda, ficamos meses sem testar para desfiles ou trabalhos. Comecei a ficar desesperada”, recorda-se Rebecca, que já tinha feito uma economia na Europa, que possibilitou a compra de um apartamento em Nova York e as aulas no HB Studios, um dos primeiros colégios de arte dramática da cidade. “Já que tinha bastante tempo livre, aproveitei para retomar a paixão pela dramaturgia.”
A carioca Morena Baccarin vem se destacando com papéis em séries, como Homeland.
Foto: Divulgação
No meio da crise como modelo, Rebecca encontrou uma colega que estava em Los Angeles trabalhando como atriz. “Ela me chamou para uma visita e duas semanas depois estava lá. Adorei o clima da cidade e nunca mais a deixei. Aluguei meu apartamento em Nova York e fui morar em Los Angeles.”
Apesar de sua beleza e da prática de passarela, ela não saiu correndo atrás de qualquer papel e buscou “ganhar experiência” antes de tentar o primeiro teste como atriz. “Eu queria estar preparada, fui muito focada”, admite. Em seis meses, conseguiu o primeiro papel no longa de horror Trick of the witch, ironicamente sobre modelos que caçam uma bruxa. “Eu nem achava que ia conseguir o papel, então nem fiquei nervosa. Ninguém consegue um trabalho de primeira, mas comigo foi diferente.”
Em três anos em Hollywood, Rebecca conseguiu formar um bom currículo para uma modelo brasileira que não para de estudar dramaturgia e não deixa o treinamento para falar inglês sem o menor sotaque. Filmou com Val Kilmer em Sete almas (seu único filme lançado no Brasil), fez ponta na série Entourage e filmou, ano passado, o ainda inédito The bag man, com John Cusack e Robert De Niro. “Eu e John chegamos três semanas antes das filmagens. Ele me deu dicas, trouxe o livro no qual o filme é baseado. Foi bastante generoso”, conta a pernambucana, que faz o misterioso par romântico do assassino em vias de se aposentar de Cusack.
De Niro faz o chefe que envia o matador para o último trabalho no motel em que a personagem de Rebecca trabalha, com a seguinte ordem: proteger uma sacola com a vida e não olhar o conteúdo dela. “Na véspera de filmar, fomos jantar com De Niro e sua mulher. Conversamos sobre o Brasil e, depois, eles me chamaram para uma festa de premiação do Sindicato dos Atores”, conta a atriz. “Ele fala tão baixo e é tão delicado, que é difícil imaginar que é realmente De Niro. No ensaio, ele simplesmente tinha um monólogo de sete páginas e não errou uma palavra. É muito profissional.”
Apesar do lado fã, Rebecca diz que sonha com uma carreira rica como a de Daniel Day Lewis (Lincoln), mesmo que não tenha a ambição de virar uma atriz de método, incorporando o personagem 24 horas por dia. “Acho lindo, mas não é para mim. Já tentei. Quanto mais relaxada, melhor faço a cena”, revela ela, que tem Clint Eastwood, Marc Foster e Quentin Tarantino na lista de desejos para trabalhar no cinema internacional. “No Brasil, queria fazer um filme com Walter Salles.”
O sucesso inicial em Hollywood – não esqueçamos que George Clooney já fez O Retorno dos tomates assassinos no começo da carreira – não deixa Rebecca deslumbrada. “É tudo uma ilusão”, diz ela, que hospeda o irmão mais novo – prestes a tentar a sorte como lutador de MMA (o outro faz Publicidade, no Recife). “Nunca me esqueço de onde vim. Quando converso com minha mãe, meu sotaque volta forte.”
Ao contrário da música de Chico Buarque, em que o saltimbanco não “sonhava conhecer o tal Recife”, Rebecca da Costa conhece bem a capital, volta sempre que pode, para visitar a família, mas hoje pelo menos pode cantar (sim, ela faz aulas semanais de canto): “Hoje sou mocinho/ Sou vizinho do xerife/ Dou rabo de arraia em tubarão”.
RODRIGO SALEM, repórter de cinema da Folha de S. Paulo, colaborando de Los Angeles.
Leia também:
Carreira on the road
Nos EUA: Sem bancar a diva over
Minha vida em Hollywood