CONTINENTE Como foi sua formação até chegar ao The Washington Ballet? Quais suas principais referências e mestres?
AURORA DICKIE Foi uma longa estrada. Como sabe, eu comecei com a minha mãe Jane Dickie, no Recife. Quando ainda era criança, mudamos para o Rio Grande do Sul para ficar mais perto da nossa família. Continuei as aulas de balé com minha mãe e também fiz ginástica rítmica por uns dois anos. Quando completei 11, entrei para a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, no ano da sua inauguração (2000). Estudei lá por cinco anos consecutivos e considero a minha principal formação. Tive como mestra a professora Galina Kravtchenko, e também fui selecionada para um estágio no Teatro Bolshoi de Moscou, quando pude fazer aulas com a companhia e conhecer mais de perto o dia a dia de bailarinos profissionais. Fiquei fascinada ao conhecer pessoalmente a bailarina Nina Ananiashvili, que eu acompanhava e admirava por vídeos. Sempre tive como ídolo a bailarina Sylvie Guillem que, para mim, é referência e inspiração constante. Depois de concluir a formação na Escola do Teatro Bolshoi, cheguei a dançar em algumas outras escolas no Rio de Janeiro e em São Paulo, e comecei a participar de alguns concursos de dança no Brasil e no exterior. Foi num desses concursos, o Youth America Grand Prix em Nova York, em 2007, que ganhei a medalha de bronze e fui convidada, pelo diretor Septime Webre, a integrar a companhia pré-profissional do The Washington Ballet, chamada de Studio Company. No ano seguinte, fui promovida para o elenco principal do The Washington Ballet e comecei a minha carreira profissional propriamente dita. Na época, eu estava com 19 anos.
CONTINENTE Durante muito tempo, a carreira internacional era a única possibilidade para os brasileiros que queriam ser bailarinos clássicos. Você acredita que essa realidade mudou? Por quê?
AURORA DICKIE Eu acredito que para os brasileiros que querem seguir carreira como bailarinos clássicos essa realidade, infelizmente, ainda não mudou totalmente. Apesar de o balé ter crescido muito no Brasil nesses últimos anos, o número de companhias clássicas profissionais ainda não cresceu o suficiente para suprir a demanda de bailarinos que o país tem e para mudar esse cenário. O que existe são escolas que criam grupos com os alunos mais avançados e fazem uma ou duas produções clássicas por ano, mas, infelizmente, esses grupos não podem oferecer condições adequadas para o bailarino se sustentar financeiramente. As companhias clássicas profissionais que pagam salário mensal são raríssimas, limitando o número de bailarinos que conseguem permanecer trabalhando no Brasil, por isso a opção da maioria é a carreira internacional mesmo.
CONTINENTE Você acompanha a realidade da dança no Recife e no Brasil? O que destacaria de positivo nesse cenário?
AURORA DICKIE Acompanho o que posso, geralmente pelas mídias sociais e internet. No geral, a dança está ganhando mais espaço no Brasil, não só entre os amantes dessa arte, mas entre a população em geral. Hoje, acho que existem não só mais bailarinos, mas também um maior e mais diverso público para a dança no Brasil. E isso é muito animador!
CONTINENTE Como é sua rotina no The Washington Ballet?
AURORA DICKIE Começamos o dia às 9h30, com uma aula de balé, e depois temos seis horas de ensaios, com um intervalo de uma hora para o almoço. Montamos e apresentamos cerca de cinco programas diferentes por ano, além da temporada do espetáculo Quebra-nozes, que acontece todo mês de dezembro. Agora, por exemplo, acabamos de emendar a temporada do Giselle com os ensaios e apresentações do Quebra-nozes. Geralmente, temos apenas cinco semanas para preparar cada programa e apresentamos, em média, oito vezes cada obra, com exceção do Quebra-nozes, cuja temporada inclui 35 apresentações. Ou seja, o ritmo é muito intenso, estamos sempre em ensaios ou em temporada.
CONTINENTE Quem financia e como é a estrutura administrativa da companhia?
AURORA DICKIE A companhia é uma associação sem fins lucrativos, coordenada por um quadro de diretores cuja principal função é angariar fundos para o financiamento das atividades. Esses fundos são arrecadados por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas; venda de assinaturas e ingressos para os espetáculos; ou através de festas e eventos de gala, promovidos pela diretoria com essa finalidade. A companhia já chegou a receber apoio financeiro da prefeitura de Washington há alguns anos, mas não recebe mais, então, investe nessas estratégias e assim se mantém, realizando suas turnês internacionais com os recursos levantados por meio dessas ações, sem depender de incentivo do governo ou de algum edital específico.
Foto: Divulgação
CONTINENTE Você acumula no currículo pelo menos dois grandes prêmios, a medalha de bronze no Youth America Grand Prix (2007), e no Capetown International Ballet Competition (2012). Na sua opinião, qual a importância e o papel desses eventos competitivos para a dança?
AURORA DICKIE Na minha opinião, esses eventos continuam sendo muito importantes para o cenário da dança. Eles funcionam como uma vitrine para os bailarinos serem vistos, terem a oportunidade de mostrar seu talento e habilidades aos diretores das principais companhias profissionais do mundo. É um meio de conquistar bolsa de estudo, contrato de estágio ou trabalho e, também, do bailarino poder ver o que acontece no panorama internacional da dança, fazendo intercâmbio e trocando informações com outros profissionais da área. Na vida do bailarino, principalmente do estudante, o concurso deve servir como um meio para iniciar ou impulsionar uma carreira profissional. Mas, de jeito nenhum, esses eventos competitivos devem ser o objetivo principal da carreira de um bailarino. Ganhar um prêmio ou medalha deve ser só um meio de dar visibilidade, e nunca a finalidade da sua arte.
CONTINENTE Que recomendações você daria a alguém que sonha com a carreira de bailarino clássico?
AURORA DICKIE Procure uma boa escola de balé e um professor competente com experiência comprovada, boa formação e em quem você confie. Feito isso, é só estudar e trabalhar muito! Sua dedicação, disciplina, estudo, suor e força de vontade é o que determina 99% do seu sucesso profissional. Por isso, não tem jeito, tem que trabalhar muito e sempre. O caminho é longo e demorado, mas se é esse o seu objetivo, e sua paixão, tudo vale a pena, tudo será possível.
CHRISTIANNE GALDINO, jornalista, produtora e professora universitária.