Eisner criou também o termo “arte sequencial”, por considerar derrogatória a denominação “quadrinhos” (em inglês, comics, uma redução de comic books) a uma forma de arte que, em sua visão e experiência, poderia ser usada não apenas para entretenimento, mas como veículo de expressão artística e ferramenta pedagógica para pessoas de todas as idades, numa época em que quadrinhos eram perseguidos e associados à delinquência juvenil.
Eisner foi suficientemente generoso para produzir pioneiros livros didáticos, principalmente Os quadrinhos e a arte sequencial (Comics and sequential art, 1985) e A narrativa gráfica (Graphic storytelling and visual narrative, 1996), nos quais aborda academicamente sua forma de arte, documentando e ensinando, para o porvir de muitas gerações, um conhecimento acumulado em décadas de dedicação à sua arte. Nestes volumes, explicita importantes elementos da narrativa gráfica, como a composição dos quadros e as sequências de imagens e diálogos podem determinar a passagem do tempo.
Além de ser um artista de técnica impecável, Eisner nunca deixou de experimentar. Nos anos 1970, conheceu e começou a tomar parte de convenções de quadrinhos. Passou a acompanhar e incentivar, até o fim da vida, o trabalho de jovens artistas. Participou de publicações underground, como a revista Snarf, do amigo Denis Kitchen. Em 1988, foram criados os prêmios Eisner, equivalentes ao Oscar da indústria dos quadrinhos, que são apresentados anualmente na Comic-Con, em San Diego, Califórnia. O desenhista estaria presente em todas as cerimônias de entrega do prêmio, até sua morte, em janeiro de 2005.
Vários dos trabalhos de Eisner abordam sua infância como imigrante de família semita e, para os judeus, ele é reconhecido como um homem honesto e íntegro. Há uma tradição judaica de colocar uma pedra sobre um túmulo para marcar uma visita, e o túmulo dele está encoberto de pedras.
O maior trunfo da biografia de Michael Schumacher é o de enumerar os feitos maravilhosos de Eisner, em meio a uma vida que não se pode chamar de aventurosa. Ele recorre a falas e à história paralela de vários outros personagens, e concentra-se na descrição histórica dos tempos do artista, enquanto este silenciosamente mudava o mundo, debruçado sobre sua prancheta.
Tive a oportunidade de conversar brevemente com Eisner em 2001, quando de sua passagem pelo Recife, para participar do Festival Internacional de Humor e Quadrinhos. O mestre manteve sempre um sorriso no rosto, e tinha alguns tostões de conversa para quem quisesse se aproximar dele. Sua humildade era arrebatadora, seu interesse pelos fãs fazia seus pequenos olhos brilharem e não lhe faltavam comentários interessantes e engraçados a todas as perguntas ou comentários que lhes eram feitos.
O aperto de mão de Eisner era firme como o de todos os heróis deve ser. Na ocasião, quando já amealhava 83 anos de idade, confidenciou que ainda mantinha uma rígida ética de trabalho, produzindo uma página de quadrinhos por dia. A entrega ao ofício parece ser herança de muitos sobreviventes da recessão, que, como ele, tiveram que trabalhar desde a infância para ajudar a sustentar suas famílias. Porém, Eisner exalava uma alegria contagiante por sua atividade e suas realizações. A paixão que tinha por sua arte era um superpoder.
YELLOW, designer, professor e músico.