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O retrato da vítima

TEXTO José Cláudio

01 de Dezembro de 2013

'Alagado de Suape'. Acrílico sobre tela, 89 x 120 cm, 2009

'Alagado de Suape'. Acrílico sobre tela, 89 x 120 cm, 2009

Imagens Reprodução

A vítima hoje é Francisco Villa-Chan Neto, vulgo Villa-Chan, nascido na Cabanga, Recife, 04/12/1937, às 11h30, com 5 kg e duzentas gramas (favor deixar no feminino), bisneto de Jerônimo José Telles Júnior, nosso grande pintor (Recife, 1851-1914). “A filha de Telles Júnior, Arminda Telles, era casada com o pai do pai, pera aí, do pai”, atrapalha-se Villa-Chan, ou atropela-se com tanto pai e o resto de uísque Grant’s que sobrou de um almoço com minha neta Emília no último sábado aqui em minha casa, onde o pintor dá esta entrevista. Os dois últimos pais, presumo eu, comerciantes: um de estivas, o pai do pai; e outro de joias, o pai. O pai do pai chamava-se Francisco Pinto Ferreira. O pai ficou conhecido como “Seu Villa-Chan”, nome de fantasia da firma Viriato & Villa-Chan. Quer dizer, o nome Villa-Chan nunca existira como nome de família. É nome de uma praia de Portugal, Vila Chã. O pintor Francisco Villa-Chan Neto é, pois, filho de Francisco Telles Villa-Chan: vamos ficar por aqui, que cada vez me enrolo mais.

Como foi que começou essa história de pintor? “Na minha casa havia obras de alguns filhos do bisavô Telles Júnior.” Aos 17 anos, o pai, lhe percebendo o jeito para desenho, encaminhou-o à tia, Raquel Telles, que morreu com 94 anos, trabalhando com ela até quando esta declarou não ter mais nada a ensinar ao pupilo e sobrinho. Saíam com a caminhonete do pai para pintar ao ar-livre. Villa-Chan recorda ter pintado a Igreja de Piedade, a primeira vez que saíram para pintar, quadro que ainda existe no Rio de Janeiro, com uma contraparente da mãe. Nome da mãe: Hedelazir Canto Villa-Chan.

Sua vida de menino sempre foi ligada à natureza. Seu tio, Fernando Telles Villa-Chan, plantava cana no Engenho Santo Estêvão, no Cabo, fornecedor da Usina Bom Jesus. Dessa época ainda existe, com Tereza Falcão, irmã da esposa de Fernando, uma vista da esplanada do Engenho. Andar a cavalo, pegar passarinho. Não gostava de estudar mas estudou nos melhores colégios, Marista, Osvaldo Cruz e Ginásio São José, dos padres holandeses. Fez até o 2º ano de contabilidade, equivalente ao 2º científico. Antes disso, viajou à Europa, em 1956, para visitar galerias, museus, aos 18 anos, quando conheceu, na ida, no Conte Grande (tás vendo, Arthur Carvalho?) Clélia Pinto Duarte, com 14 anos, com quem se casaria seis anos depois em Americana, SP, de onde ela era. Namoro por correspondência. 51 anos de casados. Seis filhos: uma mulher, Fátima, trabalha com material cirúrgico de alta precisão; e quatro homens: Antônio Carlos, empresário em São Paulo, Frederico Augusto, proprietário rural aqui em Pernambuco; Francisco Roberto, advogado; e Paulo Rogério, construtor. Ele passou seis meses, ela três. Ela voltou de avião, mas já da Europa ele escrevia para ela. Ele voltou no mesmo Conte Grande. A viagem foi financiada por sua própria família. Com Villa-Chan viajaram os familiares de Rodolpho Pinto Ferreira, português, na época sócio de todas as joalharias Krause do Brasil, com sobrado em São Simão da Junqueira, região de Vila do Conde, Portugal. Viajaram de carro os meses de maio a outubro pela Espanha, França, Holanda, Alemanha, Suiça, Itália, Belgica e Portugal. Se identificou mais com os pintores impressionistas, percebendo, porém, que aquela já não era a pintura da época.


Ventania. Acrílico sobre tela, 47 x 59 cm, 2011. Releitura de Telles Júnior.
Imagem: Reprodução

Ao voltar, fez a primeira individual, 1959, na papelaria Lemac. Chamavam de “galeria”, como a Rozenblit, mas na verdade eram lojas que tinham uma parede em que expunham quadros. No Recife não havia galeria de arte. Conseguiu vender dois quadros. E na Associação Brasil-Estados Unidos. Novamente vendendo dois quadros. Vinte e duas composições abstratas, como faz até hoje, entre uma e outra paisagens. Hoje, já não mais do natural mas de fotos batidas pelo próprio artista.

Foi então, depois destas exposições, que resolveu fazer o curso livre da Escola de Belas Artes do Recife, tendo sido aluno de Lula Cardoso Ayres, painéis, decoração; Vicente do Rego Monteiro, natureza-morta; a irmã deste, Fêdora do Rego Monteiro, desenho; e Fernando Barreto, restauração em pintura.

O que me despertou interesse agora, e me leva a escrever estas linhas, são as recentes pinturas de Villa-Chan de releituras das paisagens de seu bisavô Jerônimo José Telles Júnior. Aliás é um escândalo que não haja à venda e até distribuídos nas escolas livros sobre o notável pintor pernambucano, suas paisagens, suas marinhas, tudo o que ele fez, tão impregnado da terra pernambucana. Villa-Chan, mantendo a tradição da pintura de paisagem, que nele vinha de longa data, dos seus primórdios com sua tia Raquel, e não apenas das atuais releituras, estendeu o trabalho às paisagens do Agreste e Sertão, Petrolina, Afogados da Ingazeira, Triunfo e outras paragens fora do estado, Aracaju, aldeias de Portugal.

A marchand Beth Araruna, leitora de Walter Benjamin, abriu a galeria Brasil Arte Contemporânea (Bart) com a finalidade de ampliar os limites para os artistas locais, criando o projeto O artista em seu atelier. Ao mesmo tempo em que ocorre a exposição no atelier do artista, esta exposição entra na rede mundial da Internet, site www.bart.com.br, e a exposição real tem como proposta apresentar o trabalho do artista, através de uma instalação museológica, ao público em geral e atingindo a área educativa, instituições de ensino médio, pelo Projeto Arte e Educação, organizando também um roteiro turístico-cultural para Recife-Olinda. A Bart existe desde 2000 e a partir de 2013 tornou-se Bartvirtual, tendo já organizado a exposição da artista Tina Cunha. Esta de Villa-Chan é pois a segunda. As visitas ao atelier podem ser agendadas, dias úteis das 14 às l7h, fones 34537904 e 91945066, Rua São Francisco de Paula, 371, última rua à direita, Av. Caxangá, no sentido cidade-subúrbio. 

JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.

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