Arquivo

Mergulho na obra gonzaguiana

Pesquisador Climério de Oliveira lança, pela Cepe Editora, 'Forró – a codificação de Luiz Gonzaga', livro e DVD que analisam aspectos do gênero

TEXTO Débora Nascimento

01 de Dezembro de 2013

Climério de Oliveira

Climério de Oliveira

Foto Arte sobre fotos de divulgação

Quando algum artista internacional quer agradar a plateia brasileira, tocando “alguma coisa da terra”, costuma apelar para Garota de Ipanema. Nós já estamos até habituados a isso. Aplaudimos como se o “agrado” fosse inédito, porque somos, afinal, um povo simpático e cordial, como afirmou o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, também conhecido como o “pai de Chico”. No entanto, no show de Beck, uma das principais atrações do último Festival Planeta Terra, realizado no mês de novembro, em São Paulo, o público “patropi” recebeu um “mimo” diferente. O guitarrista Smokey Hormel, da banda do geniozinho americano, surpreendeu todos, executando trechos de Vem, morena e Asa branca.

Ao portal do patrocinador do evento, o guitarrista detalhou sua relação com a música brasileira: “Eu amo forró, samba, choro, bossa nova... É tudo lindo. Eu aprendi a tocar baião em Nova York. Tinha uma banda que só tocava Luiz Gonzaga. Há muitos músicos bons no Brasil, mas a maioria dos americanos não percebe isso. Estou feliz por conhecer outros músicos aqui”.

A banda à qual Smokey se referia é a Forró in The Dark, que está em Nova York há mais de 10 anos, sempre ocupada com apresentações nos Estados Unidos e na Europa. O grupo, que ganhou repercussão quando gravou uma versão de Asa branca ao lado de David Byrne (ex-Talking Heads), é formado por quatro brasileiros, dentre eles, o percussionista Mauro Refosco, também conhecido como um dos membros do projeto paralelo de Thom Yorke, do Radiohead.

O que a Forró in the Dark vem promovendo, na verdade, é a retomada de uma agenda de divulgação do gênero musical no exterior. Algo que teve início há quase 70 anos com o estrondoso sucesso do lançamento da música Baião, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, a ponto de conseguir uma projeção fora do Brasil, duas décadas antes da bossa nova se tornar o nosso principal produto cultural de exportação, algo potencializado pelo fato desse gênero ter nascido de um diálogo entre o samba e o jazz, e de alguns de seus clássicos terem recebido versões em inglês.

O que aconteceu a partir daí é que, após o estouro do Baião, os surgimentos da Bossa, da Jovem Guarda e do Tropicalismo abafaram o impacto do forró no mercado fonográfico, na imprensa e na mídia, chegando ao ponto de Luiz Gonzaga expôr seu descontentamento em Hora do adeus. No entanto, apesar da sequência de novos movimentos musicais na música brasileira, o artista não perdeu sua importância e adentrou ainda mais no interior do país, onde era tratado como Rei e arregimentava fãs e novos seguidores, perpetuando, paulatinamente, seu prestígio.

A trajetória pessoal e profissional do ícone faz parte da narrativa da primeira parte de Forró – a codificação de Luiz Gonzaga, livro do músico e pesquisador Climério de Oliveira, a ser lançado pela Cepe Editora, no dia 13 de dezembro, data que marca os 101 anos de nascimento do Rei do Baião.

O objetivo da publicação, na realidade, não é contar a história de Gonzagão, o que títulos anteriores já fizeram, a exemplo de Vida do viajante, de Dominique Dreyfus (1996), e O sanfoneiro do Riacho da Brígida, de Sinval Sá (de 1966; relançado pela Cepe Editora em 2012), tampouco contar a trajetória do gênero fundador, o que o crítico musical José Teles fizera no ensaio O baião do mundo (2008). Publicações como essas serviram apenas como base para que Climério tecesse sua análise sobre a musicalidade gonzaguiana, tema que integra a segunda parte do livro, na qual o pesquisador esmiúça aspectos como ritmos, melodias, letras, instrumentos e os subgêneros, abarcados sob o grande “guarda-chuva” chamado forró.

Através de escuta sistemática, cronológica e até compartilhada com outros especialistas, o autor estudou os elementos que compunham essas músicas, selecionando seis delas para analisar os subgêneros: No meu pé de serra (xote), Baião (baião), Asa branca (toada), Quer ir mais eu? (arrasta-pé), Forró de Mané Vito (forró) e Olha a pisada (xaxado). As canções estão presentes no DVD que acompanha o livro. No vídeo, Climério de Oliveira e o músico Tarcísio Resende conversam com convidados especiais e, ao final de cada episódio, todos tocam cada uma das seis canções. Participaram das gravações alguns dos maiores expoentes do forró, como Maciel Melo, Herbert Lucena, Gennaro, Camarão e Dominguinhos, em uma de suas últimas aparições públicas.

Forró – a codificação de Luiz Gonzaga não é um livro destinado apenas a instrumentistas e pesquisadores, mas ao público em geral, pois aproveita para, também, narrar a saga do ícone, construindo um rico, embora breve, painel histórico da época, contextualizando o ambiente social, político-econômico, cultural, no qual se deram os eventos formadores do artista e do gênero. O autor utiliza essa narrativa, da primeira metade da publicação, para inserir as observações sobre as nuances musicais que estarão mais detalhadas na segunda metade da pesquisa.

Como a publicação é bilíngue (português/inglês), esta também se torna mais uma forma de divulgar o forró “lá fora”, para que instrumentistas, como Smokey Hormel, possam se aprofundar na obra gonzaguiana e outros saibam que existem por aqui outros gêneros, além de samba e bossa nova. Mas não podemos, ainda, esquecer que essa publicação pode ser mais uma boa oportunidade dos brasileiros mergulharem em suas raízes, pois, quando o guitarrista americano tocou Vem, morena e Asa branca, a reação dos espectadores não foi tão calorosa quanto costuma ser quando tentam nos agradar com a Garota de Tom Jobim e Vinicius. 

DÉBORA NASCIMENTO, editora-assistente da revista Continente.

veja também

O 'Baile' nunca termina

Impressas para durarem 150 anos

Digestivos: Tudo por um grand finale