Impressas para durarem 150 anos
Encartadas nesta edição como presente natalino, as quatro obras de profissionais pernambucanos dão conta da qualidade da cópia em fine art
TEXTO Luciana Veras
01 de Dezembro de 2013
Gustavo Bettini trabalhou luzes contrastantes
Foto Gustavo Bettini
"As linhas de fuga criadoras que a fotografia introduz na arte enraízam-se no processo fotográfico, isto é, em um setor oprimido da arte, em uma zona menor da cultura. Mas esse devir-menor da arte é talvez a condição de sua renovação." A frase de André Rouillé, historiador, professor francês e referência mundial em teoria da fotografia, ilumina um debate recorrente no campo das artes visuais. Registro, instantâneo da realidade, obra de arte: todas as definições se aplicam, fundindo-se para reforçar o caráter artístico da fotografia.
Em consonância com a noção que fotografia é, sim, arte, esta edição de dezembro da Continente oferece a assinantes e leitores quatro imagens de autoria de Fred Jordão, Gustavo Bettini, Roberta Guimarães e Yêda Bezerra de Melo. Em cada exemplar, uma das imagens estará encartada como brinde de fim de ano propiciado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), em parceria com o Atelier de Impressão (AdI).
Fundado há sete anos no Recife, e desde 2012 operando também com uma filial em São Paulo, o Atelier de Impressão é um “primeiro birô de impressão fine art do Nordeste”, como informa Gustavo Bettini, um dos sócios, ao lado de Clício Barroso e de Fernando Neves, proprietário da galeria Arte Plural, localizada na mesma casa no Bairro do Recife onde funciona o AdI. Fine art, que remete a expressões comobeaux arts, é o termo cunhado para efetuar uma distinção entre as categorias da produção fotográfica.
Yêda Bezerra de Melo justapôs várias fotos da planta nesta imagem.
Foto: Yêda Bezerra de Melo
“Quando começou a se usar essa referência às belas artes, era para diferenciar a fotografia fine art do fotojornalismo e da fotografia comercial ou publicitária. A impressão fine art visa à longevidade, com máximo cuidado na manipulação da imagem, para conseguir um resultado muito fiel ao trabalho que foi desenvolvido”, explica Bettini.
No formato 21cm x 28cm, as quatro imagens que acompanham a Continente refletem paisagens distintas, porém unidas pela excelência na impressão. “Usamos a linha Infinity dos papéis Canson, que possui um PH neutro, livre de acidez e de branqueador ótico, produto usado nas resmas de papel comum para torná-lo mais branco. O papel utilizado na impressão do brinde é o RAG, que é 100% algodão, sobre o qual existe uma película que recebe a tinta toda da impressão, garantindo a maior longevidade. E as fotografias foram impressas em uma máquina plotter de 12 cores, com fios de tinta que garantem a duração de mais de 150 anos. Para se ter uma ideia, uma impressora doméstica opera com apenas quatro cores”, detalha Bettini.
Céu exuberante no bairro do Pina. Foto: Fred Jordão
Em uma máquina comum, por exemplo, seria impossível imprimir Circo, em que um azul-cerúleo domina quase a totalidade do enquadramento, permitindo ao olhar de quem a vê o mergulho no contraste com a luz que sai do interior da tenda. “Foi uma foto minha que escolhi por acaso. Junto com as outras três que completam o brinde, são dificílimas de reproduzir em qualquer lugar, justamente por apresentar uma situação de cores muito específicas, de tonalidades que, para que a imagem seja fiel ao registro, precisam ser respeitadas na hora da impressão”, comenta Bettini.
Com uma paisagem do Recife intitulada Pina, Fred Jordão dá continuidade ao processo de documentação da capital pernambucana. “Estava em Brasília Teimosa e tinha esse céu maravilhoso, daí procurei um local para fazer uma tomada do Recife. Pra mim, o projeto de encartar as imagens em uma grande revista é interessante para popularizar a fotografia como objeto de arte acessível às pessoas. Gera a possibilidade de uma pessoa comprar as revistas, até mesmo colecionar as quatro, e assim ter obras de arte em casa, com papel de qualidade. Acho que é um passo à frente na questão do colecionismo da fotografia no Recife”, opina o fotógrafo, com duas décadas de experiência e participação em vários livros, a exemplo de Projeto lambe lambe e O Rio São Francisco – a natureza e o homem.
“No candomblé, você não tem esse engessamento dos gêneros. O orixá principal de um homem, por exemplo, pode ser feminino”, elucida Roberta Guimarães, a respeito de Oxum, foto em que capta um homem trajando as vestes e os tons branco e dourado de uma das mais importantes deidades da Nação Ijexá. O registro foi feito em Goiana, em 2012, quando ela documentava vários rituais de iniciação que desembocariam na publicação O sagrado, a pessoa e o orixá, lançada em maio deste ano. “A sugestão da dança está presente porque é muito forte a ligação com o corpo. Quando o orixá incorpora, o iniciado dança e transcende totalmente. A relação com a transcendência, que vai muito além de gênero, é a representação maior da foto”, acrescenta Roberta.
Roberta Guimarães realizou ensaio em terreiro de Goiana. Foto: Roberta Guimarães
A ideia de fim de ano norteou a concepção de Cacto, que Yêda Bezerra de Melo montou a partir de várias fotografias obtidas no sertão do Maranhão. No cenário agrestino, a planta resiliente surge como sua interpretação para um dos mais típicos signos natalinos. “Já sabendo que a foto estaria na edição de dezembro como um brinde a quem comprasse a revista, pensei em criar uma árvore de Natal com a imagem”, explica a fotógrafa, que integra a Associação de Fotógrafos Fototech e usa a justaposição com frequência em seu trabalho. “As fotos foram feitas naquela hora mágica do final da tarde, com a luz avermelhada, o que vai dando um colorido especial ao cacto”, complementa.
São registros que chegam aos apreciadores da Continente como algo muito além de um presente, corroborando o status da fotografia como arte. Afinal, já dizia o húngaro Laszlo Moholy-Nagy (1895-1946), teórico da fotografia e professor da escola Bauhaus, “a antiga briga entre artistas e fotógrafos acerca da fotografia como arte é um problema falso, pois não se trata de substituir a pintura pela fotografia, e, sim, de clarificar as relações atuais entre as duas categorias, de modo a evidenciar que o desenvolvimento tecnológico (…) contribuiu para a origem de novas formas de criação visual”.
LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.