Madona (acrílica sobre cartão, 100 x 90cm), de 2003. Imagem: ReproduçãoÉ de se considerar, pois, em Wilton de Souza, ou na sua arte, a seriedade com que encarou o Atelier Coletivo, qual repositório dos ideais que ali nos foram incutidos ou, pelo menos, propostos. Sem nunca ter duvidado. Sem nunca ter caído em tentações. Nem mesmo a de se destacar, como se fazer parte desse grupo já lhe desse uma identidade e mais não lhe fosse necessário, considerando de bom tamanho, ou de boa altura, o patamar alcançado em servir à arte de Pernambuco, feliz com o status de “artista ativo no Recife na segunda metade do século 20 – começo do 21” (ai, Wilton, todos estamos nessa, eu, tu, Samico, Guita, Corbi, Reynaldo, e inda temos sorte, mas “segunda metade do 21” está longe, embora Abelardo acredite que daqui para lá vão descobrir o segredo da longevidade; longevidade não: de não morrer).
Sobre ideais do Atelier Coletivo. Não custa repetir. Já que aos muito jovens, e há gente jovem, muito jovem, que estuda história, sociologia, escreve sobre arte, gente séria, que até nos dá esperança no Brasil, a quem poderá parecer algo esotérico esses tais ideais: vinham da orientação do soviético Andrei Jhdanov (1896-1948) tem no Google, o chamado “realismo socialista”. Para ser justo, eu já tinha ouvido o nome de Jhdanov da boca de Abelardo da Hora mas procurei saber melhor depois, que lá ninguém lia nada, papel e lápis só serviam para desenhar, havendo uma tendência a preservarmos ao máximo nosso analfabetismo, em nome da nossa virgindade, nossa autenticidade, fonte confiável de saber, tendência que havia também no México, como li na autobiografia do muralista José Clemente Orozco (1883-1949), emprestada por Carybé (1911-1997).
Enquanto nós todos nos debatíamos em nossos sonhos de grandeza, presumo, ou até de sobrevivência, parece que Wilton olhava como a dizer: “quanto exagero”. Como se se contentasse, sabiamente, em ser um entre outros, mas ser. E logo daí tirando seu sustento, consciente de que provinha de família que não podia sustentar vadio, pecha que sempre recaía sobre os artistas, até ajudando os outros, como quando dirigia a galeria da loja Rozenblit, fazendo as capas de disco dessa gravadora e capas de livro, e expondo os artistas locais. Tudo sem alarde, sem sair da rotina, alheio a todo tipo de estrelismo típico da imaturidade.
Wilton parece que sempre teve cem anos. Passou e passa pelas contingências da vida, claro. Casado há 53 anos com a bailarina Tânia Trindade, quatro filhos (Aramis, 52; Wilton Jr., 50; Carmoniza, 48; e Ana Rosa, 33), “todos formados” diz com orgulho, fez cinco safenas e duas mamárias. Nunca o vi alterar-se. Nem ele nem sua pintura. Como a dizer ao cliente possível: “Olha, o que faço é isso”. Sem surpresas de parte a parte. O artista faz o seu tempo; Wilton é como se vivesse no tempo imutável dos faraós. Direito ele. Se fosse eu, direito eu.
JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.
Pessoas que fazem parte de nossas vidas. “Quão estranho”, estava para dizer. Mas não gosto dessa palavra “estranho” no caso, dando impressão de haver alguma alusão metafísica. Quanta coisa acontece não programada na nossa vida, nossa vida inclusive, nosso nascimento, e outros nascimentos, outros avatares, outras reencarnações dentro da nossa própria vidinha terrestre. Já na última matéria aqui publicada falei no encontro improbabilíssimo com o ex-colega de colégio Ivan Carneiro que me perguntou: “Ainda gosta de desenhar?” Isso provocou minha mudança de rumo, do abandono imediato do curso de direito à dedicação integral à pintura, cuja existência como profissão nunca tinha me passado pela cabeça.
Quanto devemos a encontros tão fortuitos, passantes que cruzam conosco nas ruas, nas ruas de quaisquer cidades, até de outros países, de outros continentes, ou qualquer outro lugar, nas lojas, nos shoppings, nas igrejas, mesmo quando não se é assíduo, colegas de colégio ou não sei mais de onde, de clube carnavalesco ou time de futebol! De barzinho não, que nunca fui de barzinho. E fui, em São Paulo, o barzinho do museu, na Sete de Abril, que tanto era do Museu de Arte Moderna (MAM) como do Museu de Arte de São Paulo (MASP) além da cinemateca que não sei se tinha sigla.
Chega de preâmbulo. Vamos a Wilton, que fez retrospectiva há pouco no Centro Cultural Correios. Wilton Andrade de Souza, nascido no Recife, 1933. Quando vi, fazia parte da minha vida. Quando vi Wilton, não sabia que ia ver, como não sabia que ia ver ninguém nesse tal de “atelier coletivo” que ia ser formado (1952). Já sabia da existência de Abelardo da Hora, tinha visto sua exposição no Sindicato dos Comerciários (1948) que considero o marco inicial da escultura moderna de Pernambuco. E de minha vida. Conhecera pessoalmente Ladjane Bandeira e Hélio Feijó, no atelier que mantinham na Rua da Imperatriz, numa breve visita, levado por um primo dela, colega de colégio. Mas não imaginava que iam fazer parte da minha vida. Porque não sabia o que fazer da vida.
Muitas vezes os artistas de grande convicção podem parecer estacionários, como se a sua arte, ao atingir certo ponto, parasse. Como se o artista se satisfizesse em praticar daí em diante uma espécie de artesanato. Ora, numa determinada visão da arte moderna, que abrigava a concepção de progresso em arte, a arte uma espécie de tecnologia e o ser humano uma espécie de robô prevalecendo o de última geração, enquanto não chegasse o seguinte, o ideal era que o artista evoluísse, isto é, se dispusesse a se suicidar ou se renegar a cada passo, praticasse suicídios múltiplos o tempo todo, o que gerou uma febre experimentalista a nos embaçar a visão quando se trata de apreciar a trajetória de um artista mais engajado consigo próprio, menos mutante, menos novidadeiro, menos superficial (aos amantes de efemérides, lembro que o dadaísmo, que pregava “tudo é bom contanto que seja novo”, está perto do centenário, 1916-2016).
É de se considerar, pois, em Wilton de Souza, ou na sua arte, a seriedade com que encarou o Atelier Coletivo, qual repositório dos ideais que ali nos foram incutidos ou, pelo menos, propostos. Sem nunca ter duvidado. Sem nunca ter caído em tentações. Nem mesmo a de se destacar, como se fazer parte desse grupo já lhe desse uma identidade e mais não lhe fosse necessário, considerando de bom tamanho, ou de boa altura, o patamar alcançado em servir à arte de Pernambuco, feliz com o status de “artista ativo no Recife na segunda metade do século 20 – começo do 21” (ai, Wilton, todos estamos nessa, eu, tu, Samico, Guita, Corbi, Reynaldo, e inda temos sorte, mas “segunda metade do 21” está longe, embora Abelardo acredite que daqui para lá vão descobrir o segredo da longevidade; longevidade não: de não morrer).
Sobre ideais do Atelier Coletivo. Não custa repetir. Já que aos muito jovens, e há gente jovem, muito jovem, que estuda história, sociologia, escreve sobre arte, gente séria, que até nos dá esperança no Brasil, a quem poderá parecer algo esotérico esses tais ideais: vinham da orientação do soviético Andrei Jhdanov (1896-1948) tem no Google, o chamado “realismo socialista”. Para ser justo, eu já tinha ouvido o nome de Jhdanov da boca de Abelardo da Hora mas procurei saber melhor depois, que lá ninguém lia nada, papel e lápis só serviam para desenhar, havendo uma tendência a preservarmos ao máximo nosso analfabetismo, em nome da nossa virgindade, nossa autenticidade, fonte confiável de saber, tendência que havia também no México, como li na autobiografia do muralista José Clemente Orozco (1883-1949), emprestada por Carybé (1911-1997).
Enquanto nós todos nos debatíamos em nossos sonhos de grandeza, presumo, ou até de sobrevivência, parece que Wilton olhava como a dizer: “quanto exagero”. Como se se contentasse, sabiamente, em ser um entre outros, mas ser. E logo daí tirando seu sustento, consciente de que provinha de família que não podia sustentar vadio, pecha que sempre recaía sobre os artistas, até ajudando os outros, como quando dirigia a galeria da loja Rozenblit, fazendo as capas de disco dessa gravadora e capas de livro, e expondo os artistas locais. Tudo sem alarde, sem sair da rotina, alheio a todo tipo de estrelismo típico da imaturidade.
Wilton parece que sempre teve cem anos. Passou e passa pelas contingências da vida, claro. Casado há 53 anos com a bailarina Tânia Trindade, quatro filhos (Aramis, 52; Wilton Jr., 50; Carmoniza, 48; e Ana Rosa, 33), “todos formados” diz com orgulho, fez cinco safenas e duas mamárias. Nunca o vi alterar-se. Nem ele nem sua pintura. Como a dizer ao cliente possível: “Olha, o que faço é isso”. Sem surpresas de parte a parte. O artista faz o seu tempo; Wilton é como se vivesse no tempo imutável dos faraós. Direito ele. Se fosse eu, direito eu.