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Parquinho: Uma licença à nostalgia

Esses ambientes itinerantes de diversão mantêm viva uma antiga forma de passatempo, que contrasta com o estímulo ao lazer isolador dos brinquedos deste século

TEXTO E FOTOS AUGUSTO PESSOA

01 de Novembro de 2013

A roda-gigante se mantém como o emblema dos parquinhos

A roda-gigante se mantém como o emblema dos parquinhos

Foto Augusto Pessoa

Quem nunca sentiu saudades de passar o dia inteiro num parquinho de diversões, com trenzinhos, canoas, carrosséis, barracas de tiro ao alvo, cavalinhos e um açucarado, saboroso e rosa algodão-doce? Cenas como essas estão cada vez mais raras, na medida exata em que novos shoppings são construídos e brinquedos eletrônicos enfeitiçam a criançada, com muita tecnologia e pouco apelo lúdico. Em alguns rincões do Brasil, no entanto, especialmente no interior do Nordeste, o tradicional parquinho de diversões resiste ao tempo e ainda exibe sua colorida variedade de atrações. Da emblemática roda-gigante – às vezes nem tão gigante assim – ao variado cardápio de guloseimas, que inclui pipocas coloridas, cachorros-quentes, maçãs do amor e o chocolate conquistado na pontaria, os parquinhos de interior, assim como o circo itinerante, constituem hoje uma espécie de relicário do entretenimento, um retrato de um tempo que já se vai tão rápido quanto um mergulho na montanha-russa.

Os parques tradicionais, assim como os campos de futebol de várzea e os circos, têm cada vez menos espaço nas cidades. Mesmo que a interação e a socialização das pessoas sejam mais humanas num parque ao ar livre, a maioria tem escolhido os ambientes fechados dos shoppings, onde os filhos podem se divertir enquanto os pais passeiam pelas lojas. Para alguns, a facilidade é o maior argumento. “O parque do shopping, eu sei que esta lá. É diferente do parquinho do meu bairro, que numa semana está montado e, na seguinte, já foi embora”, diz Adriana Senna, comerciante, mãe de dois filhos pequenos apaixonados por diversão. Muitos desses parquinhos à moda antiga percorrem um circuito pré-definido que leva em consideração as festas religiosas de cada região. Dezenas deles, no entanto, acabam tendo dificuldades para encontrar espaços livres em função da forte especulação imobiliária e muitos findam “morrendo” na estrada a cada ano por falta de dinheiro.


Divertimento secular, o carrossel é o mais esmerado e lírico

Foi o aspecto itinerante dos parques, a propósito, que durante muitos anos manteve a sobrevivência dos equipamentos. No início, tudo era mais difícil, desde o transporte até a montagem. Se, por um lado, os brinquedos não eram tão sofisticados, possibilitando a mudança de endereço com mais frequência e dando ao parquinho um aspecto nômade, que oxigenava o fluxo e garantia a manutenção da estrutura, a dificuldade de viajar por estradas de terra e ter que montar tudo no braço muitas vezes desanimava os proprietários, quase sempre famílias que viajavam juntas pelo país no estilo mambembe. Outro empecilho, hoje, é a segurança. Numerosos parques infantis tiveram suas atividades proibidas por não observarem exigências mínimas, sendo o crescente índice de acidentes um dado que em nada combina com a alegria dos heróis infantis pintados em cores berrantes nas estruturas metálicas dos brinquedos.


Tiro ao alvo é uma forma de tentar ganhar os ansiados brindes

Entre os brinquedos que compõem um típico parque de diversões, nenhum tem mais prestígio e fama que o carrossel. Em Paris, bem em frente à Torre Eiffel, funciona até hoje um dos mais bonitos carrosséis da Europa. Eles combinam beleza, arte e entretenimento e fascinam crianças e adultos. No século 17, na Bulgária, foi apresentado o primeiro carrossel com cavalos de madeira que se tem notícia. O brinquedo rodava num eixo por tração humana que, mais tarde, foi substituída por tração animal. O mais antigo do mundo ainda em funcionamento está em Praga e data de 1880. Em alguns países, no entanto, os carrosséis estão cada vez mais incríveis. Em Copenhague, na Dinamarca, um imenso carrossel leva os corajosos às alturas e, em seguida, desce girando em alta velocidade. Muitas dessas atrações acabam sendo peças únicas, espalhando a moda dos curiosos parques de “um brinquedo só”.


Brinquedo tipo gangorra, canoa é dos mais comuns dos parquinhos

ADRENALINA
Surgidos durante as exposições comerciais do século 12, na Grã-Bretanha, os parques de diversões ganharam projeção mundial durante a Feira de Colombo, realizada em 1893, em Chicago, em homenagem ao navegador italiano. Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, os parques se popularizaram em função da grande quantidade de jovens que se mudavam para as grandes cidades, provenientes das zonas rurais.


Alguns parques atraem clientela com números circenses

Aqui no Brasil, a tradição sempre esteve atrelada às festas religiosas, principalmente por causa das quermesses juninas, quando os povoados se transformavam para semanas inteiras de festividades e os parquinhos eram tão aguardados quanto as colheitas. Em algumas cidades do Brasil, os parques tradicionais resistem bravamente e conseguem se manter vivos. Nos interiores nordestinos, uma curiosa simbiose foi a solução encontrada para seguir adiante. Circos e parquinhos se uniram e cenas de palhaços e homens cuspindo fogo conferem um clima ainda mais encantado ao já surreal cenário do lugar.


Cores berrantes nas estruturas metálicas dos brinquedos são marcantes

A história dos parques de diversões, tal qual um tobogã, é cheia de altos e baixos. Por volta de 1884, o mundo do entretenimento apontou para Coney Island, litoral de Nova York, quando a região foi parque de testes para a primeira montanha-russa da História, a “Thunderbolt”, que permaneceu na ativa até o início do século 21.


Barracas de comida oferecem cachorro quente e crepe, este, um item novo

Durante muito tempo, as atrações de Coney Island foram um verdadeiro mito no mundo do entretenimento, com vários parques reluzentes. Contudo, a década de 1960 significou um tempo de dificuldades para o lugar, quando um grande incêndio acabou prejudicando boa parte da estrutura dos parques. Com a inauguração da Disneyworld, em 1971, na Flórida, Coney Island foi sendo esquecida, os parques temáticos viraram febre mundo afora e o clima romântico deu lugar à busca pela emoção, com brinquedos cada vez mais ousados e uma forte tendência à espetacularização. No nordeste brasileiro, em função do calor, o setor que mais cresce é o dos parques aquáticos, com milhões de reais investidos anualmente.

Embora a tendência mundial sejam os parques de adrenalina, para uma parte dos apreciadores dessa modalidade de lazer, a busca desenfreada por mais emoção nem sempre substitui o simples prazer de avistar a cidade do alto de uma tradicional roda-gigante ou sentir o vento no rosto durante um típico giro de carrossel. Para esses, a mágica está mais na imaginação do que na aventura, mais na alegria do que no risco.

Eternizado nas telas do cinema e pano de fundo recorrente na literatura, o parque de diversões que colore o imaginário é, antes de tudo, um ponto de encontro, território mágico dentro das selvas de pedras em que se transformaram as cidades. Num mundo paradoxalmente sufocado pela tecnologia, onde video game e televisão ocupam o tempo, e o tablet substitui o livro, conquistar um urso de pelúcia jogando coloridas argolas de plástico parece ser, enfim, um divertido capítulo da história. 

AUGUSTO PESSOA, fotógrafo e jornalista, viaja pelo Brasil e pelo mundo em busca de uma boa história.

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