Aloisio Magalhães nasceu no Recife, numa família abastada e cheia de políticos (era sobrinho de Agamenon Magalhães). Da mãe, Henriqueta, herdou os hábitos refinados, o prazer pelos sabores e a prática social. Do seu pai, Aggeu Magalhães, médico bastante influente, cuja família tinha origens em Serra Talhada, recebeu o elo com as tradições do Sertão. Desde cedo, Alosio demonstrava inclinação pelo campo artístico e interesse pelos traços culturais de sua região. Ingressou na Faculdade de Direito, o que lhe garantiria a formação humanística que buscava. Logo se envolveu com o Teatro de Estudantes de Pernambuco, liderado por Hermilo Borba Filho, ficando responsável pela cenografia e figurino de vários espetáculos.
O artista faleceu muito jovem, aos 55 anos. Foto: Reprodução
Aloisio também pintava. Mantinha ateliê na Rua Amélia, no Recife, onde criava abstrações que buscavam as cores e formas nativas. Segundo Paulo Bruscky, um dos maiores colecionadores e admiradores do legado de Aloisio, ele foi pioneiro, por exemplo, na criação de livros de artistas. “Em 1958, produz o livro Improvisação gráfica, com capa de tecido e com uma experiência tipográfica em cada página. Anos mais tarde, em 1971, ele também cria 1/8/16 – a informação esquartejada, livro de artista formado por folhas de outdoor costuradas e encadernadas”, detalha.
Outra experimentação muito interessante de Aloisio foi a produção de seus Cartemas, nos quais compunha uma imagem pelo uso de cópias do mesmo cartão-postal, dispostas em posições opostas, criando uma nova unidade visual. “Ele é, para mim, um dos artistas mais importantes. Experimentou de tudo, fez poemas visuais, gravuras, litografias, pinturas... É um cara ímpar”, opina Bruscky, afirmando ter sido influenciado por Aloisio.
Entre as raridades colecionadas por Bruscky está o fac-símile do modelo de uma serigrafia produzida para um hotel. Segundo o colecionador, Aloisio recebeu a encomenda de produzir uma grande quantidade de serigrafias, que serviriam à decoração dos quartos do estabelecimento. O cliente se espantou com a rapidez do prazo prometido pelo artista, que disse que em 15 dias estaria com tudo pronto. No dia da entrega, Aloisio apresentou um modelo com algumas lâminas coloridas e móveis. Na medida em que se mexia em alguma delas, uma nova composição surgia. As combinações eram múltiplas e geravam uma infinidade de resultados, que davam conta de todos os quartos do hotel.
Artista dispunha cópias de postais em posições opostas. Imagem: Reprodução
Para Bruscky, Aloisio também teve um papel fundamental na manutenção de uma tradição gráfica em Pernambuco, quando se juntou aos colegas Gastão de Holanda, José Laurenio de Melo e Orlando da Costa Ferreira, para fundar, em 1954, O Gráfico Amador. O objetivo era “editar sob cuidadosa forma gráfica, textos literários cuja extensão não ultrapasse as limitações de uma oficina de amadores”. Segundo João de Souza Leite, a participação de Aloisio no grupo se dá majoritariamente no campo da ilustração. “Talvez ele tenha feito sozinho apenas dois livros n’O Gráfico Amador”, pontua.
“O desenho a bico de pena, a experiência com o linóleo, enfim, todas as técnicas de representação experimentadas por Aloisio Magalhães nos livros de que participou na primeira fase d’ O Gráfico Amador mais se aproximavam do mundo das artes plásticas, embora ensaiassem, em lúdico modo, a experimentação e as técnicas de impressão”, aponta o pesquisador Guilherme Cunha Lima. Ele e João acreditam que será a viagem aos EUA que mudará os rumos da sua trajetória.
Foi durante uma exposição, em 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, que Aloisio Magalhães conseguiu a bolsa do governo americano. Durante o tempo que circulou pelo país, ele se aproximou de Eugene Feldman, figura que vinha desenvolvendo importantes experimentos no campo do design – área que vivia um momento extremamente criativo nos EUA. Eles trabalharam juntos e fizeram duas interessantes experimentações: os livros Doorway to portuguese e Doorway to Brasília.
“Quando retorna dessa viagem, Aloisio decide abandonar o sucesso que estava tendo como artista plástico. Ele não reconhece validade na circulação da mercadoria de arte entre quatro paredes e quer dar um cunho mais social ao seu trabalho. Por isso, opta pelo design”, explica João de Souza Leite. É nesse momento que o pernambucano decide migrar para o Rio de Janeiro, onde fundará, junto com Artur Lício Pontual e Luiz Fernando Noronha, o escritório MNP, no qual atuou em todas as frentes: “arquitetura, exposição, símbolos, logotipos, impressos, embalagens, o que se apresentasse”.
As lâminas coloridas e móveis permitiam múltiplas combinações.
Imagem: Arquivo Paulo Bruscky
Porém, ainda que tenha se afastado das artes plásticas, Aloisio não deixou de estar ligado a ela. O pintor José Cláudio afirma, em texto publicado no livro A herança do olhar – o design de Aloisio Magalhães, que nenhuma de suas atividades estava afastada do seu talento para a pintura: “Do pintor de paisagens e abstrações que se transformou em artista gráfico e designer; do programador visual criador de logotipos e símbolos ao criador do novo padrão monetário brasileiro; desse criador de símbolos ao fundador do Centro Nacional de Referência Cultural, já preocupado com a identidade da cultura do país; e, finalmente, como secretário de Cultura, ao inspirador da reformulação da política cultural do Ministério da Educação e da Cultura. Essa evolução inclui um aspecto bem específico do homem Aloisio: visualidade”.
MEMÓRIA
O olhar sensível e o apreço pela visualidade fizeram de Aloisio um grande pesquisador da cultura e do patrimônio nacional. Já em seu tempo, ele fazia um trabalho parecido com o hoje feito pelo Memória Gráfica Brasileira, que agora busca reunir sua obra. Aloisio Magalhães talvez tenha sido um dos primeiros a lançar seu olhar sobre as peças produzidas espontaneamente pelo povo, percebendo que ali se encontravam elementos do design sendo produzidos por pessoas que talvez nem soubessem que “faziam design”.
Aloisio tinha preocupação e atenção especial por essa produção, lutou para documentá-la e valorizá-la. Nesse processo, criou importantes órgãos, tais como o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), fundado em 1975, que tinha como principal objetivo mapear, documentar e entender toda a diversidade cultural do país. O CNRC reunia os bens e processos culturais brasileiros num grande banco de dados.
Seu trabalho como designer de marcas teve grande repercussão. Imagem: Reprodução
A sua atuação também foi fundamental para a compreensão mais ampla e moderna do patrimônio histórico nacional, que abarcaria as contribuições de diferentes classes sociais e etnias formadoras do Brasil. Defendia que as variáveis quantitativas eram insuficientes para a criação de modelos de desenvolvimento, via que o crescimento econômico deveria estar aliado a objetivos socioculturais. “O verdadeiro processo, o verdadeiro desenvolvimento de uma nação baseia-se em, harmonicamente, dar continuidade àqueles componentes que lhe são próprios, aos indicadores do seu perfil ou da sua fisionomia e, portanto, identidade”, resumia.
João de Souza Leite lembra que, numa reunião sobre obras do metrô de Brasília, Aloisio observou que uma determinada quantia financeira, numa obra como aquela, era irrisória, só conseguiria viabilizar 100 metros de metrô. Mas defendia que se essa mesma quantia fosse investida na cultura o retorno seria imensurável. Aloiso Magalhães lutava a favor de um desenvolvimento harmonioso e respeitoso da memória cultural. Já naquela segunda metade do século 20, destacava que era preciso atentar para as pequenas e médias cidades. Afinal, as grandes já viviam um certo descontrole. Nesses universos menores, porém, ainda era possível agir para que o desenvolvimento se desse de maneira mais harmoniosa.
Foi ainda dentro dessa sua atuação voltada para o patrimônio que ele tornou-se figura fundamental para que Olinda recebesse da Unesco o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Para comprovar os atributos da cidade, montou um álbum de litogravuras – feitas na oficina Guaianases –, no qual documentava as ruas, as vistas e paisagens da cidade. Aloisio pretendia utilizar o material durante a argumentação pelo título, que seria realizada em Paris, em junho de 1982. O álbum de fato foi peça importante para a conquista do título, mas ele faleceu em Veneza, pouco antes de seguir para Paris para defendê-lo.
Por isso, Paulo Bruscky não entende como Olinda não presta homenagem a Aloisio. “Não tem um monumento, um marco, um registro. Até as matrizes do álbum foram perdidas”, lamenta. O artista prepara-se para lançar, este mês, o livro Arte e multimeios, no qual dedica um espaço importante ao legado do artista/designer e à memória gráfica pernambucana. Espera-se que a iniciativa de Bruscky somada ao Projeto Aloisio ajudem a lançar sobre ele o mesmo olhar generoso e sensível que lançou sobre a cultura brasileira.
MARIANA OLIVEIRA, repórter especial da revista Continente.