Interatividade é palavra-chave em todos os trabalhos da companhia, desde Brincos & folias (1997), passando pelo recente Álbum das figurinhas (2012), até Ninhos – performance na qual a falta de espaço urbano para crianças é discutida em cena, através de analogias com os ninhos dos pássaros. “Eles são lugares de aconchego e segurança, mais que necessários para os filhotes aprenderem a voar. Queremos chamar a atenção para a carência de afeto, e de espaços de brincadeira que sejam como os ninhos, e possam estimular relações carinhosas, na confusão caótica das grandes cidades”, explica Georgia. Para esse trabalho, a diretora, incluiu na preparação do elenco aulas de kempo indiano, uma arte de luta que desenvolve a agilidade, a força e a atenção, com movimentos inspirados nos animais e nos ritmos da natureza
Com estreia prevista para o início de 2014, Ninhos foi uma das pesquisas contempladas no edital Rumos Dança do Itaú Cultural, primeiro programa a criar uma categoria específica de dança contemporânea para crianças. O que é um fato revelador da expansão dessa área ou, pelo menos, da preocupação crescente dos artistas e produtores com esse público.
Apesar do aumento do número de espetáculos neste segmento nos últimos anos, ainda há indefinição pairando sobre a relação dança-criança. Os temas “delicados” – como sexualidade, morte, miséria e certos conceitos mais abstratos – continuam a ser escanteados e evitados.
TEMAS-TABU
Entre os que têm desenvolvido projetos que enfrentam esses temas-tabu, destaca-se um grupo de jovens gaúchos, coordenado por Airton Tomazzoni. Eles participavam do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre e, em 2011, criaram paralelamente um núcleo de pesquisas voltadas ao público infanto-juvenil. O projeto inaugural, que inclui a realização do 1º Fórum Nacional de Dança, Infância e Juventude (em abril de 2014), e a montagem do espetáculo Guia improvável para corpos mutantes, foi contemplado no Rumos Dança e no Prêmio Klauss Vianna 2012, da Funarte.
Espetáculo Ninho, com o grupo Balangandança. Foto: Paulo César Lima/Divulgação
São 21 cenas que propõem reflexões sobre as mutações naturais e artificiais do corpo em formação psico-físico-social, e nos levam imediatamente a um debate sobre a identidade cultural. “Partimos da habilidade própria das crianças em reinventar o corpo, nas suas representações (desenhos e esculturas de massas de modelar) e brincadeiras, e criamos artifícios para assumir outros rostos e reconfigurar o corpo, dando origem a movimentações diferentes. Os tão populares tablets, por exemplo, são usados como máscaras, dando a possibilidade de cada intérprete assumir muitas identidades”, diz Airton. A montagem estreia neste setembro dentro da programação do 4º Dança Rima com Criança, realizado pelo Sesc São Carlos (SP), um dos poucos eventos brasileiros destinados exclusivamente para esse público.
EFEITO PEDAGÓGICO
Alguns grandes festivais de dança contemporânea do país inserem mostras específicas para os pequeninos. No entanto, considerados apêndices ou ações de formação, os espetáculos dessa vertente são os primeiros a serem cortados, quando o orçamento precisa ser reduzido. O que mostra que a dança contemporânea para crianças ainda é considerada supérflua, na maioria dos casos, ou utilizada somente como contrapartida pedagógica dos projetos.
“Eles pensam os espetáculos infantis como atividades formativas, como se fossem iguais a uma aula ou oficina. Só porque são voltados para crianças não podem estar na programação artística do evento?”, questiona Georgia Lengos.
Não que o aspecto educativo esteja fora dessa conversa, mas tal característica não deve se sobrepor à qualidade artística das obras. Essa é a queixa daqueles que resolveram levar a brincadeira a sério, estudá-la a fundo e traduzi-la em movimento.
A maioria das produções pernambucanas de dança contemporânea que chega às crianças traz uma temática próxima do universo infantil. “Sempre vejo todos reclamando da falta de público para a dança contemporânea, mas, ao mesmo tempo, continuam destinando às crianças exclusivamente peças e aulas de balé clássico. Como querem, então, que, quando crescerem, elas assistam e gostem de dança contemporânea?”, provoca o coreógrafo Airton Tomazzoni.
CHRISTIANNE GALDINO, jornalista, professora e mestre em Comunicação Rural pela UFRPE.