Essa combinação de sci-fi e comédia, que já podia ser observada na primeira década do século 20, foi explorada pelo primeiro longa-metragem importante a flertar com elementos da ficção científica no Brasil: Uma aventura aos 40, dirigido e escrito pelo comediante carioca Silveira Sampaio, em 1947.
Como nos melhores exemplares puros do gênero, o enredo do filme se passa no futuro – mais exatamente em 1975, quando um professor é homenageado por um programa de TV que exibe sua biografia, no dia em que este completa 70 anos. Na ficção, chateado com as incorreções levadas ao ar pelo apresentador desastrado, o biografado telefona para a sede da emissora de televisão e interrompe a transmissão ao vivo, passando a dialogar diretamente com o apresentador do programa. Trata-se de uma ficção científica legítima: mesmo com a intenção primeira de fazer graça, o longa-metragem concretiza uma das características mais interessantes do gênero fílmico, que é antecipar proezas tecnológicas que os avanços científicos só permitirão que ocorram anos depois (no caso, a transmissão ao vivo e a interação em tempo real entre espectadores e membros de equipes de produção de programas de TV).
O homem do futuro (2011), estrelado por Wagner Moura, explora a temática clássica.
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Até a década de 1950, de acordo com o trabalho de Alfredo Suppia, as aparições de filmes brasileiros com temáticas ligadas à ficção científica eram esporádicas e pontuais. Foi nessa época – não por coincidência, a mesma década em que a produção de Hollywood sofreu um incremento significativo da produção de filmes sci-fi sobre invenções científicas que se tornavam um perigo para a humanidade, um reflexo inconsciente do pesadelo nuclear da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética – que a ficção científica passou a ser explorada com maior assiduidade pelos nossos cineastas. De modo geral, essa produção foi dominada por chanchadas, que se utilizavam de temas científicos para provocar risos.
Alguns desses filmes se tornaram pequenas gemas cult do cinema brasileiro, obscuras para a maior parte das pessoas, mas veneradas por uma minoria cinéfila. É o caso de Carnaval em Marte, longa de 1954, dirigido por Watson Macedo. O enredo resgatava um subgênero importante do cinema brasileiro dos anos 1930 (os filmes que retratavam o Carnaval, criando uma trama de ficção sobre um tecido documental que reificava a festa brasileira como uma celebração hedonista, alegre e genuinamente sexual). Nele, uma legião de fêmeas marcianas militares (muito convenientemente, os homens marcianos não acompanhavam as parceiras na viagem até o Brasil) oriundas do Planeta Vermelho invadia o mundo em pleno Carnaval e caía de amores pela festa tupiniquim.
Mas o primeiro clássico popular com temática ligada à ficção científica apareceria em 1959, com O homem do Sputnik. A chanchada, travestida de aventura espacial, narra as peripécias de um casal (Oscarito e Zezé Macedo, ambos engraçadíssimos) dono de um galinheiro em que cai o satélite mencionado no título, uma inovação tecnológica que dominava as manchetes de jornal da época e afetou fortemente a produção de filmes de ficção científica em todo o mundo. Pouco depois, surgiu o primeiro filme de ficção científica sério a causar algum rebuliço no cinema nacional: O quinto poder, de Carlos Pedregal, lançado em 1962. Nesse trabalho, espiões estrangeiros tentam o domínio psíquico da população brasileira através de mensagens subliminares transmitidas por rádio.
Mas a chanchada continuava a explorar a temática com mais sucesso: Os cosmonautas (1962), de Victor Lima, e Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968), de Roberto Farias, são títulos nacionais que flertam com a fusão entre experimentos científicos e fantasia.
ALEGORIAS
Nos anos 1970, as duas vertentes do sci-fi continuaram gerando filmes interessantes, agora em maior número. O grupo Os Trapalhões, então em sua fase mais popular, flertou com temas ligados à ficção científica diversas vezes: O Trapalhão no planalto dos macacos (1976), de J.B. Tanko; Os Trapalhões na guerra dos planetas (1978) e O incrível monstro trapalhão (1980), ambos de Adriano Stuart; e Os Trapalhões no rabo do cometa (1985), dirigido por Dedé Santana.
Uma história de amor e fúria (2013) narra a saga de um índio imortal. Imagem: Reprodução
Na vertente mais séria, ligada à ficção científica pura, destacou-se O homem das estrelas (1971), de Jean-Daniel Pollet, que traz como protagonista um alienígena capaz de viajar no tempo.
Nessa época, muitas produções realizadas na área da Boca do Lixo (SP), por diretores como Fauzi Mansur, Carlos Reichenbach e Carlos Coimbra, eram abertamente influenciadas pela ficção científica, introduzindo temas tradicionais do gênero (alienígenas, viagens no tempo, ambientação futurista, enredos pós-apocalípticos, que refletem o medo de que tecnologias da destruição eliminem a vida na Terra), em tramas carregadas de conotações sexuais e alegorias políticas. Até mesmo o consagrado Nelson Pereira dos Santos realizou, em 1972, uma ficção científica pura: Quem é Beta, coprodução francesa passada em um futuro distante, em que os seres humanos lutam para sobreviver em um planeta devastado.
Até então, a defasagem tecnológica das produções brasileiras era uma das razões mais fortes para que o gênero da ficção científica não emplacasse entre as produções nacionais. Afinal de contas, esse tipo de filme depende fortemente de efeitos especiais caríssimos, e os cineastas daqui não tinham nem a tecnologia nem o dinheiro para bancar esse tipo de extravagância. Isso explica, em parte, o sucesso das tramas híbridas com a comédia, pois numa chave paródica essas limitações tecnológicas e orçamentárias são permitidas e até mesmo incentivadas, já que muitas vezes fornecem a fonte para os risos e peripécias cômicas que movem a trama. A partir de meados dos anos 1980, porém, o cinema brasileiro passou lentamente a superar essas duas barreiras.
ANIMADOS
Hoje, limitações orçamentárias ou tecnológicas não podem mais ser apontadas como razões plausíveis para que a ficção científica não seja explorada com mais afinco por cineastas brasileiros. Nesse ponto, levando-se em consideração que o cinema de gênero puro (exceção feita à comédia) nunca chegou a realmente cativar as plateias do Brasil, elementos de sci-fi têm aparecido com razoável frequência na tela grande, em filmes como Cassiopeia (1996), um dos experimentos mais arrojados com animação computadorizada de ponta realizados em todo o mundo; Acquaria (2004), superprodução estrelada por Sandy e Júnior, que teve recepção crítica fria; O homem do futuro (2011), de Cláudio Torres, que recicla a temática clássica da viagem no tempo e trabalha dentro dela elementos da comédia romântica; e Uma história de amor e fúria (2013), animação futurista que leva um índio brasileiro a alcançar a imortalidade e viver 600 anos perseguindo a mulher amada em diversas encarnações.
É provável que o futuro nos reserve mais novidades relacionadas ao gênero, a começar pela revelação do cineasta Marcos Alqueires, que produziu e divulgou em 2012 o curta-metragem The flying man, através do YouTube, praticamente sem recursos, ganhando elogios de peixes graúdos como Joe Quesada, chefão da Marvel. O futuro é promissor.
RODRIGO CARREIRO, jornalista, professor e crítico de cinema.