FOTOS ANA ARAÚJO
01 de Agosto de 2013
Sobrado se destaca com sua azulejaria portuguesa
Foto Ana Araújo
Em tempos nos quais arranha-céus equivalem à modernidade e ao progresso para grande parte dos cosmopolitas, visitar a Rua Imperial, na cidade pernambucana de Vitória de Santo Antão, traz certo alívio. Além do trânsito mínimo, se comparado ao das metrópoles, por ali, os únicos elementos que se propagam para o alto são as torres das igrejas de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e da Matriz de Santo Antão, que se encontram na praça central da cidade, a pouco mais de 100 m dali. Estreita, a Rua Imperial é ocupada, em sua maioria, por casas residenciais antigas, ainda pouco modificadas, e os sinais mais visíveis da vida moderna são as grades nas janelas e nas portas dos antigos solares.
Ali, a casa de nº 187 conserva na sua fachada um mosaico floral de azulejos portugueses do século 19, com portas e janelas grossas em madeira talhada. Erguida em 1851, pelo promotor público Joaquim Jorge dos Santos, a casa guarda histórias que vão além do seu exterior. Inicialmente alugada pelo município para abrigar a Câmara dos Vereadores, serviu, em 1859, de Paço Imperial, quando o imperador Dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina passaram pela cidade. Acompanhado por sua comitiva e família, o último monarca do império do Brasil levou ao município móveis e louças usados nos três dias que permaneceu na casa, deixando um legado para a cidade.
Produção de cachaça é destaque no acervo
Depois da passagem de Dom Pedro II, o solar adquiriu status de nobreza. Moraram nele senhores de engenho e comerciantes da região. Também foi um educandário, um posto de saúde e sede do Tiro de Guerra e do Sport Club da Vitória. Até que, em 1950, por iniciativa do promotor público Djalma Raposo, foi organizada uma plêiade entre 30 vitorienses e, assim, no dia 19 de novembro do mesmo ano, foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico da Vitória de Santo Antão.
MANUTENÇÃO
Quem visita o IHGVSA esperando encontrar um pequeno museu de interior se surpreende. Com um acervo que ocupa cinco galerias, montado nos últimos 60 anos, basicamente através de doações, suas instalações ultrapassam o antigo solar construído em 1851. Além de um anexo localizado na rua de trás, em que funciona o auditório com lugar para 250 pessoas, também são de responsabilidade do Instituto o Sobradinho Mourisco e a casa da filósofa e teóloga Maria do Carmo Tavares de Miranda, localizada no Recife, no Bairro da Boa Vista. Mas, como boa parte das organizações cívicas de qualquer lugar do país, o Instituto enfrenta dificuldade na hora de arrecadar verbas.
Tombado pelo Estado e localizado na mesma Rua Imperial, 81, o Sobradinho Mourisco, construção remanescente do então povoado de Santo Antão da Mata, foi levantado no ano de 1730 em taipa, com arquitetura de influência árabe. Mas, apesar de hoje ser a sede da Academia Vitoriense de Letras, Artes e Ciência, encontra-se fechado por risco de desabamento.
Museu possui uma das três prensas mais antigas de Pernambuco
“Temos um projeto de restauração para o Sobradinho. No momento, contamos com a colaboração da prefeitura e o apoio de nove dos 11 vereadores que formam a câmara. Mas lamentamos que a ajuda da prefeitura seja diminuta, porque não mantemos apenas o Sobradinho. Criamos um apêndice do nosso museu no Recife, na casa de Maria do Carmo Tavares de Miranda. Antes de falecer, a professora incluiu o instituto no seu inventário. Portanto, precisamos manter o sobrado e prosseguir com a reforma da nossa biblioteca”, lamenta o atual presidente do Instituto, Pedro Ferrer.
Apesar dos impasses, o museu consegue manter um acervo invejável, com raridades como um dos três prelos (máquina tipográfica) restantes no Estado, que pertenceu ao jornal vitoriense O Lidado, de 1880, e à tipografia de Esmeraldino de Deus e Melo; fotografias da visita de Pierre Verger, em 1947, a Vitória de Santo Antão para registrar a exploração dos escravos nos engenhos; o retroprojetor, de 1947, do Cine Iracema, fundado em Vitória pelos irmãos José Sabino e Luís Boaventura; os móveis e as louças trazidos por Dom Pedro II, na sua passagem pela cidade; e uma galeria de arte sacra, iniciada pelo primeiro presidente do instituto, José Aragão, com peças perfuradas por balas de batalhas ocorridas na região.
VISITA
Reformado recentemente com apoio da Companhia Hidroelétrica do São Francisco, o IHGVSA contou com a ajuda de professores locais de História, um jornalista, um arqueólogo e um comunicador social para reorganizar as peças do acervo em suas cinco galerias.
Louça fabricada na cidade pela família Azoubel
Na primeira sala, ficam alguns painéis que contam a história da evolução da cidade, desde seu surgimento como povoado até a sua elevação a município. Também é nesse primeiro pavimento que ficam expostos os pertences deixados pelo imperador Dom Pedro II na cidade. Em seguida, há o espaço dedicado à arte sacra, composto por santos e uma liteira do século 19, tipo de poltrona com tração humana, usado por nobres e religiosos.
Com destaque para a imprensa local, a terceira galeria expõe exemplares dos antigos jornais publicados na cidade. Também são apresentados nomes da literatura do lugar, como o romancista Osman Lins, autor do experimental Avalovara, Nestor de Holanda, autor de Jangadeiro, e Zilda Maurício Crisóstomo, autora de Terreiro prateado.
A quarta galeria é reservada à produção de cana-de-açúcar. Moendas de cana, destiladores de águardente, garrafas de pinga fabricada no município e troncos usados para castigar escravos remontam o cenário de quando os grandes engenhos estavam no seu auge e eram a base da economia na região. Por fim, compõe a quinta e última galeria o acervo antropológico montado com peças de folclore e artesanato, como os filtros de cerâmica da família Azoubel, produzidas artesanalmente na cidade.
Mobiliário dos engenhos locais está entre as peças catalogadas
O instituto, que tem a finalidade de divulgar e conservar a cultura e as tradições locais, também conta com um modelo de visitação peculiar, baseado no Museu do Sacramento da Califórnia, nos Estados Unidos.
“Sempre que viajo, tento visitar o máximo de museus e observar como eles encaminham seus visitantes. Fui juntando algumas ideias e achei que uma videoaula seria a melhor forma de apresentação para o instituto. Principalmente para facilitar o diálogo com os mais de 5 mil alunos das redes pública e privada de ensino que nos visitam todos os anos”, afirma Ferrer.
Além de tratar da estrutura do museu, o vídeo, primeiro contato do público com o acervo, projetado no salão nobre, antes do acesso às galerias, também conta a história do desenvolvimento da cidade e da Batalha do Monte das Tabocas, que aconteceu em 1645, entre os invasores holandeses e os portugueses, junto a alguns brasileiros. Com a vitória dos segundos, a batalha é motivo de orgulho para o povo vitoriense e também de seu nome. Ao fim da sessão, um guia acompanha os visitantes por todo percurso e acrescenta conhecimentos aos textos explicativos, que se encontram ao lado de algumas coleções.
GABRIELA ALMEIDA, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.
ANA ARAÚJO, fotógrafa.