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Deborah Colker: Vinte anos em alta velocidade

Companhia carioca comemora duas décadas de atividades em turnê nacional, composta dos espetáculos 'Velox', 'Nó' e 'Tatyana' – este, inédito

TEXTO Verônica Fraidenraich

01 de Agosto de 2013

O pernambucano Dielson Pessoa se reveza com Deborah no papel do escritor Púchkin, em 'Tatyana'

O pernambucano Dielson Pessoa se reveza com Deborah no papel do escritor Púchkin, em 'Tatyana'

Foto Walter Cravalho/Divulgação

"Eu adoro o Recife e Olinda – o cheiro, as experiências que tive, as ideias, Chico Science, Cafi (fotógrafo com quem foi casada) e os amigos (cineastas) Lírio Ferreira e Cláudio Assis”, disse a diretora e coreógrafa Deborah Colker, 52 anos, assim que nos encontramos, na sede da companhia que leva o seu nome, no Bairro da Glória, no Rio de Janeiro. Nosso encontro se referia à turnê em comemoração aos 20 anos do grupo, que chega a Pernambuco no fim do mês, depois de passar por cidades como Aracaju, Maceió, Salvador e Belo Horizonte.

A companhia apresenta três espetáculos – Velox, e Tatyana. Neles, os bailarinos escalam uma parede vertical, deslocam-se por entre um emaranhado de cordas suspensas no ar e dançam um balé clássico-contemporâneo, em que travam um duelo com leques e bengalas na mão. “Estamos deslocando 28 profissionais – entre bailarinos, produção e técnicos – e levando três caminhões com 17 toneladas de equipamentos”, enumerou a diretora, que lembrou que a última apresentação da companhia no estado foi em 2010, com 4x4.

Inquieta e falante, naquele dia, a diretora carioca estava especialmente agitada. Isso porque fazia 15 dias que a equipe havia chegado de uma viagem pela América Latina (Peru, Colômbia e Equador) e começaria, quatro dias depois, o tour pelo Brasil. Ela precisava ensaiar com o grupo e cuidar dos preparativos da turnê.

Na sala em frente ao seu escritório, os bailarinos cumpriam a jornada diária de quase oito horas de trabalho. Entre os 17 profissionais, há paulistas, cariocas, uma mineira, um pernambucano, duas argentinas e um cubano. Eles tinham cara de cansados e, após uma hora e meia de aula, em vez de ensaiar para valer, apenas faziam marcações de tempo e espaço. Precisavam refrescar na memória, principalmente, as coreografias e Velox, que há tempo não dançavam.

Os cenários já haviam sido despachados, mas ainda estava lá a imponente parede vermelha e azul, de 6,6 m de altura, utilizada em Velox – que em latim significa veloz. A obra criada em 1995 foi o primeiro grande sucesso da companhia e traz referências ao futebol, ao atletismo e às lutas marciais, reforçadas pelo figurino de roupas atléticas.

A apresentação dura 58 minutos e não tem intervalo, atingindo o ápice com a escalada da citada parede, localizada ao fundo do palco. Sincronizados e precisos, os bailarinos saltam, penduram-se e movem-se entre os apoios, transformando o risco num espetáculo estético, graças às belas figuras formadas. “No começo, tive medo, mas hoje sou fanática por essa parede. Já caí várias vezes, mas é só ficar calma e manter o controle”, explica a argentina Sheila Fingier, 23 anos, que está há um ano e meio na equipe.


Movimentos que levam a um enroscar e desenroscar constante remetem ao desejo, tema principal do espetáculo . Foto: Divulgação

NA BOCA DO POVO
Velox lotou os teatros, atraindo um público até então pouco habituado a assistir a exibições de dança. Por conta disso, Deborah foi considerada um fenômeno de comunicação de massa, que conseguiu popularizar a dança e atingir fama internacional. “Eu coloquei a dança na boca do povo”, costuma repetir ela. Mas houve também críticas que apontaram roteiros previsíveis e pouco sentido nas sequências de movimento propostas. De qualquer modo, a referência aos esportes e mesmo ao circo em espetáculos de grande impacto visual viria a se tornar uma marca no trabalho da companhia.

O sucesso de público é garantido e Deborah, reconhecida, tornou-se a primeira artista brasileira a ganhar o prestigiado prêmio britânico de artes cênicas Laurence Olivier, em 2001, por Mix, uma combinação de Velox e Rota, sua primeira produção. Ela também teve a honra de ser convidada, em 2009, para dirigir um espetáculo do grupo canadense Cirque du Soleil, que ganhou o nome de Ovo, ainda inédito no país. Sem falar do mérito da companhia por conseguir manter o patrocínio da Petrobras ao longo desses 18 anos, fato raro no meio artístico nacional.

Ao mesmo tempo, a diretora se diz cansada dos rótulos. “Não adianta definir meu trabalho desse ou daquele jeito, pois criei uma linguagem própria, que é só minha”. Deborah lembra que a dança era menosprezada pelo mundo pop. “Minha companhia ajudou as outras a existirem”, afirmou, certa vez, ao jornal Folha de S.Paulo. Hoje, porém, ela não se afeta mais com isso – pelo menos, não mais o dia inteiro. “Eu sigo uma frase do Laurence Olivier que diz que uma crítica pode atrapalhar o café da manhã, mas jamais o almoço”.

Entre goles de água e café e mordidas em bolachas cream cracker, em pleno horário de almoço, a diretora se derrete ao explicar . “É maravilhoso, tão delicado, bonito, e fala sobre o desejo”. Um total de 120 cordas presas ao alto preenche o palco e serve de apoio para que os bailarinos se enrosquem e libertem-se, chegando a dançar suspensos pelas amarras. A intenção é representar os laços afetivos entre seres humanos.

No segundo ato, entra em cena uma enorme caixa vermelha de acrílico transparente, criação de Gringo Cardia, diretor de arte e cenografia, responsável por todos os grandiosos cenários da companhia. Dentro da caixa – inspirada nas vitrines com garotas de programa comuns em Amsterdã, na Holanda –, os bailarinos novamente se enlaçam e desenlaçam, num jogo constante de atração e repulsão. A sedução, a perversão e os nós são reforçados pelo figurino do estilista Alexandre Herchovitch, que criou collants cor da pele, destacando as zonas erógenas do corpo com faixas e triângulos pretos.

Deborah conta que se apresentará no segundo ato de , bem como em Tatyana – ambos com cerca de 70 minutos de duração. Aliás, bastou que tocassem os primeiros acordes clássicos dessa última obra, para que ela pedisse licença e saísse correndo para dançar. Entrou na sala do ensaio, fez a sua parte, deu uns pitacos à equipe e voltou para a entrevista, retomando a conversa sobre a sua mais recente criação.


Primeiro sucesso da companhia, Velox faz referências ao futebol, ao alpinismo e às lutas marciais. Foto: Divulgação

CLÁSSICO RUSSO
Tatyana se baseia num clássico da literatura russa, Evguêni Oniéguin, escrito por Alexander Púchkin (1799-1837), que já inspirou criações de uma ópera, um balé e um filme. A trama conta a história do amor não correspondido de uma moça do campo, Tatyana, pelo sedutor aristocrata Oniéguin. A irmã de Tatyana, Olga, e o seu marido Lenski também fazem parte do enredo.

Cada um dos personagens é representado por quatro bailarinos, sendo que, na segunda parte, são oito Oniéguins e oito Tatyanas. Púchkin também entra em cena, sendo interpretado pela própria Deborah e pelo pernambucano Dielson Pessoa. “A gente tem uma afinidade artística grande, por isso o escolhi para revezar comigo esse papel”, explica a diretora. Dielson está há 10 anos na companhia e se diz ansioso para dançar na terra natal. “Tenho de mostrar o sofrimento e as alegrias que o escritor sente pelos destinos dados aos seus personagens e isso é desafiador.”

É a primeira vez que a companhia apresenta uma narrativa com começo meio e fim. Contudo, para acompanhar melhor a história, vale ler o roteiro do programa, que detalha as cenas de cada ato. “Das três peças, essa é a mais trabalhosa para ensaiar, pela sua dinâmica e concentração”, explica Jacqueline Motta, assistente de coreografia do grupo.

O balé explora bastante a técnica clássica, com direito a sapatilhas de ponta para as meninas. Na trilha sonora, Berna Ceppas, parceiro musical de Deborah há 18 anos, optou por compositores eruditos – Tchaikovski, Prokófiev, Rachmaninov e Stravinski –, mas incluiu colagens e remixagens de músicas, como a experimental eletrônica do Kraftwerk.

A entrevista chegava ao fim, quando perguntei sobre o fato de algumas profissionais terem sofrido para cortar o cabelo bem curto para dançar Tatyana – a intenção era deixá-las parecidas, para que pudessem representar a mesma personagem. “Elas sempre choram.”

A diretora contou sobre o lançamento, previsto para outubro, do livro sobre os 20 anos do seu grupo de dança, escrito por Francisco Bosco; sobre a volta ao carnaval carioca no ano que vem, para cuidar da comissão de frente da Imperatriz; e sobre o próximo espetáculo, cuja produção está a todo vapor. A bela da tarde será baseado no livro do mesmo nome, de Joseph Kessel (1898-1979), autor de família russa de origem judaica, assim como Deborah também o é. Nós nos despedimos e fiquei ali mais um pouco assistindo ao ensaio. Vi trechos de e Tatyana, mas perdi a escalada da parede. Para quem não quer perder nada, só mesmo indo três vezes ao teatro. 

VERÔNICA FRAIDENRAICH, jornalista e ex-bailarina do Grupo Vias da Dança.

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