Diferente do que era no prédio do Santander lá dentro do Recife, dividido em três andares, e do Arte em toda parte, de Olinda, espalhado em vários lugares pela cidade, o salão do Imip este ano no Museu do Estado reuniu todos os artistas no mesmo andar, um espaço belíssimo que permitiu a visão geral e a comparação. Eu disse a Garrido: “Você ali se achou”. E, ante a foto no celular: “Toda vez sinto vontade de dar um cheiro nesse peito”. Eu estava até dizendo: “Hoje, tudo que você diz, procuram uma razão menos nobre, uma indignidade por trás. E pra você, Garrido, que é advogado, ainda deve ser pior”. Ele disse: “É. Mas eu procuro sempre não deixar de dizer o que penso”.
Por exemplo. Eu sempre tenho vontade de falar de Tina Cunha. Mas não sei por onde começar. Ela é muito ágil, muito ativa e comunicativa, muito feliz, dessa felicidade que contagia a todos e o seu trabalho é o reflexo dessa sua capacidade da ação imediata diante dos mais improváveis desafios. Tudo para ela serve de, como se dizia antigamente, fonte de inspiração: garrafas de plástico, arames e outras sucatas, como se ela fizesse parte de uma ong de reciclagem e transformasse o feio em bonito, o perdido em achado, o lixo em vitórias-de-samotrácias. E como ela vibra com isso! Ela e seu fiel escudeiro Felipe que deve viver de perplexidade em perplexidade diante dos milagres operados pela sua deusa Tina (quase que era “desatino”). A arte para Tina é uma tenda de fazer milagres, de dar vida, através de algum sopro mágico, aos seres inanimados. É isso. Eu sentia que havia uma unidade, um fulcro, uma razão que validasse tudo aquilo, toda aquela disparidade e aparente descompromisso: no fundo eu sou um cara quadrado que precisa de explicação. Mas a arte é sempre a expressão de uma personalidade mesmo que o artista não esteja ligando para isso. A princípio eu me perguntava que ligação havia entre uma cabeçorra de bronze ou material que o imite, comprometida com a realidade, levada a sério – e tudo em Tina é levado muito a sério, embora passe essa impressão de leveza, de amadorismo, mas basta você ir ao seu atelier para constatar a profundidade do seu empenho: um atelier sempre diz muito da identidade de um artista, e por isso um dos nossos maiores artistas, Paulo Bruscky, resolveu expor o atelier – e uma instalação de fundos de garrafa pet espalhados pelo chão feito caranguejos de andada. Ela também aposta na imaginação, não somente nisso de parecer ou lembrar elementos do mundo real mas também na imaginação estética, na sua capacidade de evocar e emocionar-se, aposta essa que vai da arte grega à lama do mangue, com seus gaiteiros e aratus numa, desculpe o condoreirismo, síntese universal.
Voltando à conversa com Garrido e ao mesmo tempo a Tina Cunha. Tina, não pense que estou escrevendo sobre você porque você, num dos seus repentes, tirou de minha cabeça o chapéu de pano dado de presente pela minha netinha querida Emília nos meus 80 anos, botou o do seu marido Felipe, e na cabeça dele o meu, sendo o dele um belo panamá do Equador, sua terra, “GENUINE PANAMA HAT/MONTE CRISTI-ECUADOR”. Quero até desfazer a troca. O panamá vai terminar troncho, dada a diferença de formato das cabeças. “Cada cabeça, um mundo”, diz o ditado. E depois, como iria aparecer à minha neta, que comprou o chapéu, de grife, com todo carinho e o primeiro salário?.
JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.